quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Reformados, uma praga a abater!

             Ainda não estava refeito do mal-estar provocado pelo gesto de alguém – devida e conscientemente sancionado pelas mais altas esferas da Nação (lei 11/2014) – que retirou do art.º 78º do Estatuto da Aposentação a palavra ‘remuneradas’, quando um antigo aluno meu, a fim de mostrar como também um penedo com letras podia servir de argumento, na actualidade, para manter os rendeiros da Herdade dos Machados, em Moura, na posse das terras que vêm agricultando, me enviou o vídeo dessa luta: http://videos.sapo.pt/ql1s8VzeGWAutKOH7j94 (que já não está disponível). E houve aí uma palavra que me chamou a atenção. Pesquisei e fiquei a saber. Em apoio da atitude de retirarem dali os rendeiros, invocaram os governantes o artigo 5º do Decreto-lei nº 158/91, que diz:
            “Não podem ser beneficiários de entrega para exploração quaisquer funcionários ou agentes do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, nem reformados, nem detentores de dívidas ao Estado."
            No entender do mui digno ‘revisor’ do Estatuto da Aposentação, reformado deve é estar quietinho, não fazer ondas, a fim de não gastar calorias nem absorver muito oxigénio. Está a mais. Nessa tal lei 158 – que, afinal, já vem de 1991!... – a táctica é a mesma: nada de reformados, ouviram?
            Estava a conformar-me com a minha sorte. Tinha, porém, uma secreta esperança de que haveria excepções, pelo menos por parte do escol pensante do País. Eis senão quando, vejo, em reportagem televisiva, que tinha havido abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra. Pasmei. A sério? Fui pesquisar e… era verdade! Houvera abertura solene das aulas!
            E fiquei a perceber: também os cérebros dirigentes da vetusta Universidade se deixaram contaminar. Esqueceram os seus aposentados, reformados e jubilados. Muitos deles continuam em centros de investigação e, de acordo com o Estatuto da Carreira Docente Universitária em vigor, até integram júris da sua especialidade. Este ano, porém, decerto o primeiro de muitos outros, não houve da equipa reitoral quem se lembrasse: «Eh! Não se esqueçam de enviar um e-mail aos senhores professores aposentados, jubilados e reformados. Há sempre quem queira incorporar-se no cortejo e será para nós uma honra». Não foi. Não houve e-mail.
            Fiquei, pois, a compreender melhor a razão da tal emenda e a do caso da Herdade dos Machados. Trabalhar, mesmo que sejam as terras com as forças que ainda lhes restam e a experiência adquirida? Nem por sombras! Não são árvores para ficar de pé!

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 648, 15-10-2014, p. 11.

 

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