terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Desenterrou-se o lagar e a memória floriu!

            Não foi sem um estremecimento de curiosidade que Pedro Mota Soares descerrou, no passado dia 1 de Dezembro, inesperada placa evocativa. Dizia, estranhamente, CASA DOS LAGARES e proclamava, em baixo, ser «um espaço de memória onde queremos que viva o futuro».
            Preparada no mais completo segredo, a casa ora recuperada no Centro de Apoio Social do Pisão (antiga «Mitra»), sita na freguesia de Alcabideche (Cascais), impõe-se-nos, desde logo, pelo majestoso portal – e só o facto de não estar ainda inteiramente ‘operacional’ é que impediu que o Ministro da Segurança Social tivesse usado a grande chave antiga para lhe abrir a porta. Lê-se no desdobrável «Uma casa… muitas histórias»:
            «O núcleo histórico “Casa dos Lagares”, com uma construção e traços de arquitectura típicos dos séculos XVII/XVIII, é composto por três salas complementares. A musealização do sítio e a exposição de objectos e de fotografias reportam-nos, sobretudo, aos anos 40 do século XX e permitem-nos viajar no tempo até à actualidade, contando a história de pessoas que contribuíram para a identidade do Centro de Apoio Social do Pisão».
            E, entrados, foi o deslumbramento. Sabiamente expostos, objectos do que fora aquela tenebrosa instituição até 1985, onde, para o Pavilhão da Psiquiatria, afastado dos demais, a comida era preparada em bidões levados para os utentes-presos em cima de uma desengonçada carroça que também se logrou recuperar. Lá estavam as fotografias a mostrar como era, rostos macerados, martirizados, dolorosamente tristes ou alheados do momento… Aquele ali, que parou para a fotografia, na altura em que dava de comer ao companheiro acamado. E as sentinas… E os frascos dos medicamentos, material médico e cirúrgico… Objectos litúrgicos da Capela da Sagrada Família. A cadeira do barbeiro (ou do dentista?). As formas do sapateiro. A velhinha central telefónica. E aquela foto como que «de família», em filas ou em formatura, os guardas à frente, tudo fardado e de bivaque na cabeça…
            Uma que outra parede de pedra e argamassa à mostra. O forno que se pôs a descoberto e, sobretudo, o lugar onde assentava a enorme seira do lagar de azeite. Pelas dimensões, um grande lagar, alimentado, sem dúvida, pelas oliveiras da extensa propriedade, que os internados sob escolta trabalhavam… E pensar que esta – agora, “Casa do Azeite” – «na época da Colónia Agrícola do Pisão, serviu de casa de castigos»!...
            A «Casa do Lagar» é “espaço de museu, onde ainda existe o lagar de pisar uvas e o vestígio da prensa; aqui estão expostas peças de madeira, ferro e folha usadas pelos ‘colonos’ e algumas confeccionadas pelos próprios”.
            Inigualável, o poder evocativo desses espaços, a levar-nos para um outro painel, polvilhado de rostos, de pessoas, de sorrisos e de lágrimas, e, por cima, o mote de tudo, haurido em Victor Hugo:
            «O futuro tem muitos nomes. Para os fracos, é o inalcançável. Para os temerosos, o desconhecido. Para os valentes é a oportunidade». Nem há necessidade de comentários!

As mensagens que ficaram
            Percorreram-se as instalações. Tomou-se um cafezinho noutra «casa» (a palavra ‘casa’ surge aqui e além – Casa do Lagar, Casa de ligação, Casa do Azeite –, nesta vontade de se ter acolhedor lar confortável…). Logrou-se fazer de um recanto a sala de informática. Num outro, a oficina de modelagem. Naquele ali, a marcenaria. Naqueloutro, senhoras preparam bolinhos… A cozinha quase industrial. O enorme e mui airoso refeitório. A farmácia com todos aqueles doseadores cheios de comprimidos para o pequeno-almoço, o almoço, o jantar, a ceia… Há quem tome quase vinte comprimidos por dia, senão mais! E tudo tem de estar devidamente arrumado…
            Pelo meio, agora serenas, murmurejam as águas da Ribeira do Pisão que acasalarão mais adiante com as da Ribeira da Penha Longa, formarão o Rio Marmeleiro e se metamorfosearão, a jusante, na conhecida Ribeira das Vinhas.
            Na Sala da Formação, sentámo-nos para os discursos, em jeito de partilha de emoções.
            Contou a Provedora, Isabel Miguéis: há 340 internados. Um chegou a ser capa da revista Exame! Um outro come tudo o que apanha: beatas, folhas… Mas o Pisão – dependente, como está, da Segurança Social, não pode ser um «caixote do lixo» para onde se atira tudo o que os outros ministérios (por exemplo, o da Justiça) não querem! Não há condições para se receberem pessoas violentas nem com determinado tipo de doença.
            E foram quatro os pedidos da Provedora:
            1 – Que as obras começadas acabem.
            2 – Que o compromisso entre a Santa Casa e a Segurança Social seja realmente prioritário (estava presente a Dra. Mariana Ribeiro Ferreira, presidente do Instituto da Segurança Social).
            3 – Que possamos ser dotados de mais recursos humanos qualificados (não são precisos muitos).
            4 – O pedido maior: que haja respeito pelas pessoas que trabalham na – Segurança Social.
            Em resposta, Pedro Mota Soares, depois de acentuar a necessidade de o Estado contratualizar a resposta social, deixando, porém, de querer ser «patrão» a impor um conjunto de regras nas instituições que ele não quis gerir, preconizou maior diálogo entre o Estado e as instituições, numa relação que se quer de confiança, não por palavras mas com actos, pois, neste domínio, qualquer pequena intervenção é sempre uma grande intervenção.

Publicado em Cyberjornal, edição de 9-12-2014:

Sem comentários:

Enviar um comentário