segunda-feira, 31 de julho de 2017

Nunca imaginaria jogo de futebol assim!

            O público manifesta-se, mesmo pegadinho à linha de jogo. Há um canito que assiste, tranquilo, com o dono; outro, porém, não esteve com meias medidas e lá foi para o campo, borrifando-se da bola que está do outro lado. Uma fila só de espectadores e há mais uns quantos junto às casas, ao que parece, pouco interessados na bola. Agora, o que eu não esperava é que, em vez de bancadas cheias – e olhem que o terreno até é relvado!... -, tivéssemos ao fundo largos campos cultivados, árvores alinhadinhas, sem tugir nem mugir, tudo muito certinho, indiferente à algazarra!... Aliás, que é mais interessante ali: os pomares ou os que correm atrás da bola?
«Jogo de futebol», de Richard Smith
            E esse quadro onde é que está? No aproveitamento da velha caixilharia duma janela sem vidro! Não lembraria ao mais pintado, mas lembrou a Richard Smith, um advogado do Zimbabwe que se reformou e veio viver para o Algarve, onde faleceu.
            Tens destas surpresas o Salão Internacional de Pintura Naïf, cuja XXXVII edição a Galeria do Casino inaugurou no passado sábado. 23 artistas, 58 obras, que poderão ser apreciadas até 12 de Setembro.
«Migrantes», de Conceição Lopes
            Nesta edição quis Nuno Lima de Carvalho, responsável pela Galeria, homenagear a alentejana Conceição Lopes (Panóias, Ourique, 1942), «uma referência nacional dentro desta modalidade», explica Lima de Carvalho, que acrescenta, em relação ao quadro «Migrantes», que é capa de catálogo e que nos prende pela sua actualidade:
            «Retrata o fenómeno dos fluxos migratórios, utilizando cores primárias, falta de perspectiva e a atenção dispensada aos pormenores».
            Sim, é verdade: aspectos técnicos, esses; contudo, há uma lágrima furtiva aqui e acolá, a maior parte são mulheres embiocadas, de cujos rostos transparece – queira-se ou não – uma melancolia estática, um desespero contido… E não é preciso dizer mais!
            Merece também uma paragem a trilogia de Feliciana, a retratar recantos de uma aldeia do Alentejo: as chaminés de Pavia, os vizinhos e, sobretudo, a «calma dos dias», onde parece que o tempo parou ou anda bem devagarinho, sem as pressas da barulhenta e sempre inquieta cidade.
             É, aliás, essa agradável sensação que se evola deste conjunto de trabalhos: a visão ingénua (sim, a essa palavra não posso fugir), tranquila de uma realidade que desalmadamente se está a perder.
             Não sem uma pontinha de ironia (ou, até, sarcasmo) aqui e além – que também as árvores, os pássaros e as abelhas hoje são bem capazes de se rirem de nós, homens atarefados, que nem sequer reparam nos pormenores, que levam tudo por diante, sem capacidade para prolongado e saboreado oh! de admiração!

                                                      José d’Encarnação

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