quarta-feira, 5 de julho de 2017

Vestígios de tremoços?

             São pitorescos, no Alentejo, os campos amarelos de tremoceiro. Admirei-me, há uns 40 anos, quando vi, pela primeira vez, na Barrinha da Praia de Mira, uns estranhos sacos cheios – eu não sabia de quê! – deitados no fundo.
– É tremoço! – explicaram-me.
Na verdade, depois de colhido seco, o tremoço deve ser cozido e tem de passar uma temporada mais ou menos longa dentro de água (corrente ou mudada com frequência), até perder o amargo original e os alcalóides (prejudiciais à saúde) e também para ganhar macieza e aquele típico sabor levemente agridoce, que tão bem acompanha uma cervejinha borbulhante e fresca.
Recebi, há tempos, uma mensagem acerca dos benefícios do tremoço. Desconhecia-os por completo e, por isso, de vez em quando, compro uma mancheia à do Paulo, empresto-lhes um tempero de ervas à minha maneira e regalo-me, eu e os meus netos, porque, rezava a mensagem, o tremoço é «uma das principais fontes vegetais de proteína existentes» e a elevada presença de fibra permite-lhe «ter um papel activo na regulação do colesterol e glicemia e ainda na regulação e protecção da flora intestinal, também devido à elevada presença de fitoquímicos».
E eu, que, homem do Sul, já gostava de tremoços, fiquei a gostar ainda mais! 
Qual não foi, porém, o meu espanto quando, ao ler os ingredientes constantes de uma das embalagens de pronto-a-comer que compro na Cozinha com Alma, me salta à vista que «pode conter vestígios de crustáceos, peixe, amendoins, frutos de casca rija, aipo, mostarda, tremoço, moluscos».
Como é? Um singelo prato que, à primeira vista, nada teria a ver com tremoços, poderia ter vestígios deles?
E mais espantado ainda fiquei quando me foi servida a refeição no avião da TAP: um «pão de cereais com peito de frango, maionese, pickles, rúcula e orégãos». Achei bem o pão de cereais, saudável, e o uso, cada vez mais apreciado, de rúcula e dos orégãos (agora, finalmente, descobertos…). Então não é que também ali vinha a informação, em maiúsculas: PODE CONTER VESTÍGIOS DE CRUSTÁCEOS, PEIXE, AMENDOINS, FRUTOS DE CASCA RIJA, AIPO, MOSTARDA, TREMOÇO, MOLUSCOS?
Fiquei banzado. E fui estudar: trata-se de uma determinação do Regulamento nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro. De facto, assim, se, no pão, encontramos um tremoço, não podemos reclamar – estávamos previamente avisados! Não seria um tremoço inteiro, mas vestígios; em todo o caso…tremoço!

                                                            José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 711, 1 de Julho de 2017, p. 11.

8 comentários:

  1. Zelia Marques Rodrigues 5/7 às 17:46
    E ficamos felizes!!!!

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    1. Quanto ao letreiro,
      Á
      TRAMOÇO
      E
      MINUINS
      que é um dos que aparece na série «Portugal no seu melhor», é, de facto, o máximo! E então para mim, epigrafista, servia de exemplo nas aulas!

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  2. Zelia Marques Rodrigues
    E, para ti (Homem do Sul), devo dizer que adoro a palavra "alcagoita"...

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  3. Carla Santos Brito 5/7 às 18:55
    Alcagoitas são amendoins; mas comidos no Alentejo... sabem pla vida!

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  4. José d'Encarnação 5/7 às 23:09
    Eu também prefiro a designação etimologicamente árabe: é mais nossa; no entanto, também lhes chamamos ervilhanas!

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  5. Neyde Theml 5/7 às 18:26
    Eu adoro tremoços...

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  6. Carla Santos Brito 5/7 às 18:56
    O colorido é fantástico, são todos esses pormenores, que tornam único o nosso Alentejo!

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  7. Isilda Marques • 6/7 às 18:10
    Deixam os campos pintados de um amarelo a perder de vista. No Verão, uma cerveja gelada, com tremoços, sabe bem, ai se sabe...! Um abraço, professor!

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