sábado, 12 de agosto de 2017

Das Artes Plásticas em Cascais

         Dediquei parte importante da minha vida jornalística, desde o Outono de 1967, a comentar as exposições de arte. E ainda hoje procuro acompanhar de perto, ainda que com menos regularidade, o que, nesse domínio, se vai realizando. Pesa-me, agora, por exemplo, não conseguir dar mais atenção às iniciativas artísticas da Fundação D. Luís I no Centro Cultural de Cascais, na medida em que se sucedem a uma velocidade, diria, vertiginosa; procuro dar notícia, mas não comento habitualmente.
         Tal não aconteceu nas décadas de 60 a 80, altura em que procurava não faltava ao que se levava a efeito na galeria da Junta de Turismo, na galeria do Casino (única, esta última, a que continuo a poder dar mais atenção) e nas galerias que, entretanto, de vida efémera muitas delas, foram abrindo. Recordarei que, devido a ser escultor, Óscar Guimarães, quis dar espaço, como presidente da Junta de Freguesia de Cascais, à Galeria JF, que hoje se mantém sempre preenchida com exposições; que o próprio Espaço do Teatro Experimental de Cascais (junto ao Pão de Açúcar) foi galeria aberta a artistas de Cascais, que se haviam organizado em associação; que a Sociedade Musical de Cascais, em 1998 e 1999, albergou regularmente exposições do maior interesse…
        Uma actividade a que, também como historiador, me procurei dedicar com interesse e que teve como consequência eu possuir um espólio de catálogos, que seria presunção minha considerar significativo, mas cuja leitura retrata, sem dúvida, o que foi o panorama das Artes Plásticas na 2ª metade do século XX em Cascais.
       Acedi, de bom grado, à proposta que me foi feita de aderir ao PRADIM – Programa de Recuperação de Arquivos e Documentos de Interesse Municipal. E, nestes últimos dias, percorri toda a colecção desses catálogos, com vista à sua entrega, já concretizada, ao Arquivo Municipal.
   Confesso que fiquei mui agradavelmente surpreendido, ao verificar, compulsando essa documentação, quanto as Artes Plásticas – e falo de pintura, escultura, cerâmica, artesanato… – tiveram (e, felizmente, continuam a ter!) lugar de destaque no panorama cultural cascalense.
     Não haverá certamente um artista de nomeada que não tenha exposto nalguma das nossas galerias. E não tenho receio em afirmar que a História da Arte dessa 2ª metade do século XX não poderá gizar-se sem, a partir de agora, se fazer uma consulta ao espólio guardado no Arquivo Municipal.
     E regozijo-me por, da minha parte, ter contribuído para isso, uma vez que não se trata apenas de ver a reprodução das obras que esses catálogos contêm, mas os textos de abertura, nada despiciendos, assinados amiúde por vultos grados da nossa Cultura. Lembremo-nos, por exemplo, que Cruzeiro Seixas (nome maior do nosso surrealismo) esteve à frente da galeria da Junta de Turismo e que, nessa condição, não apenas chamou, para ali exporem, grandes artistas da sua geração como ele próprio redigiu muitas aberturas dos respectivos catálogos. Lembremo-nos que a galeria do Casino organizou inúmeros salões temáticos, não apenas os de Primavera ou de Outono, mas inclusive de Artesanato, de Gravura…

Três pesares
    E, ao percorrer esse espólio, há três pesares que não posso deixar de partilhar:

   ) A tacanhez de visão dos que, a partir de determinado momento, presidiram aos destinos turísticos de Cascais.
         Foi erro crasso não ter havido força política para não deixar matar a Junta de Turismo, cujo órgão Director, digamos assim, reunia representantes da Câmara, dos hoteleiros, o Capitão do Porto, representantes das agências de viagens… ou seja, pessoas que conheciam os problemas da região e que procuravam gerir com saber os dinheiros que advinham quer do Fundo de Turismo quer da Comissão de Obras da Zona de Jogo do Estoril. Essa direcção – a que, depois de Serra e Moura, presidiram pessoas de elevada craveira intelectual e saber prático como Licínio Cunha, César Torres, Alberto Romano… – tinha do Turismo uma visão alargada, onde as Artes Plásticas e, de um modo geral, a Cultura, ocupavam lugar importante.

   2º) A tacanhez de visão dos que não compreenderam o elevado alcance da proposta de Licínio Cunha, prontamente secundada por Nuno Lima de Carvalho, de criar em Cascais um Museu de Arte Infantil. Um dos anteriores directores da galeria fora o notável pedagogo Calvet de Magalhães, que organizou exposições com trabalhos de crianças desde 1965 a 1972.
         A ideia era muito simples: em colaboração com as escolas – e a nível internacional, note-se! – seleccionavam-se os melhores trabalhos, que, após terem sido expostos, eram submetidos a nova selecção e, com eles, se ia formando um museu. Picasso não foi sempre adulto e fez «bonecos» quando era pequeno; Vieira da Silva ou Paula Rego também foram crianças e desde cedo pintaram e desenharam. Portanto, quem nos garante que algumas das crianças cujas obras se expuseram nos Salões de Arte Infantil não são hoje nomes relevantes? E Cascais tinha a prova dos seus primeiros passos!
        Convido a ver os catálogos desses salões e tenho a certeza de que facilmente me darão razão, tão providos de interesse artístico são muitos dos trabalhos aí reproduzidos, espólio que, um dia, alguém pura e simplesmente deitou para o lixo! (E tremo ao pensar que foi do lixo que se recuperou parte substancial da obra de Michel Giacometti hoje guardada no Museu Verdades de Faria!...).

   3º) A tacanhez de visão dos que não apadrinharam corajosamente o grande anseio de Nuno Lima de Carvalho, a «menina dos seus olhos», ouso dizer, agora que está na sua galeria, até 12 de Setembro, o XXXVII Salão Internacional de Pintura Naïf: a criação de um Museu de Pintura Naïf, com obras seleccionadas das que, anualmente, se iam apresentando nos respectivos salões. Leu-se bem? Está patente na galeria do Casino o XXXVII Salão Internacional de Pintura Naïf! Há 37 anos que damos cartas neste domínio! E deixámos escapar essa oportunidade!
 
       Perdoar-se-me-á esta partilha-desabafo; mas congratulo-me por – entregando ao Arquivo Municipal esse espólio, documento singular da actividade artística que por Cascais se foi desenvolvendo – poder, de certo modo, contribuir para que ela se não esqueça e para que estudantes, nomeadamente universitários (e não só), possam, a partir dele, elaborar teses, artigos… reflectir!
       Que a tomada de consciência do que se fez pode sempre constituir ponto de partida para vir a fazer ainda melhor! E a não incorrer nos mesmos erros!

                                                            José d’Encarnação
 
Este Salão foi inaugurado, na Galeria do Casino, pela Princesa Grace Kelly,
que expressamente se deslocou ao Estoril para o efeito.


Exposição de 1987, na Junta de Turismo da Costa do Estoril.
Laura Cesana, natural de Roma, fixara residência em Portugal.
A abertura do catálogo tem a assinatura de David Mourão-Ferreira.

Lima de Freitas expôs em Março de 1984.
O catálogo abre com um extenso texto de David Mourão-Ferreira.

O talento de Francisco Relógio para o cartaz do IV Salão Nacional de Artesanato.

 
 

2 comentários:

  1. Um trabalho de grande interesse não só regional mas nacional, que certamente o futuro saberá aproveitar.
    Como " cidadã" do concelho de Cascais o meu muito obrigada pela sua douta colaboração no Programa de Recuperação de Arquivos e Documentos de Interesse Municipal.
    Júlia Nery

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  2. Como estamos (bem)habituados, uma nota digna do maior interesse e apontando sempre os caminhos do futuro. Os meus agradecimentos, caro Professor.

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