sábado, 12 de fevereiro de 2011

Cortar as pedras (2)

E essa fundura prefixada do furo era fruto da experiência. O cabouqueiro estudara o banco donde pretendia, agora, destacar uma porção; analisara bem a consistência, o conjunto e… tomara a decisão: 1 m, 80 cm, 70...
Chegados, pois, ao fundo, importava orientar o corte.
Entrava, pois, em acção, a arraiadeira, de ponta achatada e cortante, mais larga do que o furo, que, cirurgicamente (diríamos), ia fazer dois sulcos nas paredes do furo, um de cada lado, tornando-a, pois, mais fraca; era nessa direcção que se queria que a fractura se desse. Trabalho meticuloso, esse, em que importava o bater certeiro do maçacopas e a firmeza do trabalhador que segurava a arraiadeira; por isso, as duas mãos agarravam firmes uma pega de aço, com buraco a meio, bem ajustada, para que nem um milímetro se desviasse da prumada.
Não vem nos dicionários a palavra arraiadeira com este significado. Compreende-se, porém, a sua formação: servia para rasgar os raios ou estrias nesse furo cilíndrico; raiar quer dizer isso mesmo: «fazer estrias»; e o «a» inicial (‘protético’, como se denomina em gramática) faz parte da linguagem quotidiana: arraiar, arraiadeira...
De novo se procedia à limpeza do pó de pedra molhado que, entretanto, fora caindo no furo. Tinha de ficar tudo muito bem seco. Um trapo fixado em vareta de aço (dessas de que se faz o cimento armado) ia e vinha quantas vezes fossem necessárias.
A operação seguinte era ainda mais melindrosa e requeria um ‘saber de experiências feito’, como se verá.

[Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 145 (Fevereiro 2011) p. 10.]

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