Meu primo Raimundo esperava-o à
entrada do átrio e disponibilizou-se:
–
Senhor padre, se quiser que eu faça uma leitura…
Contou-me ele depois que a sua
resposta fora:
–
Não temos tempo, estou com muita pressa!
Minha mãe, que ali esperava por si
no caixão desde o dia anterior, essa, senhor padre, para ela não havia já
pressa nenhuma, porque entrara no tempo sem tempo. E estranhei, pois, que, na conjuntura…
O senhor padre não era a primeira encomendação de alma que fazia, pois não? Por
isso pensei que, num momento desses, já não houvesse pressas. Eu sei: o
cemitério fechava ao meio-dia, era domingo e o coveiro também tinha direito ao
seu descanso. Aliás, teve Vossa Reverência ocasião de o referir várias vezes no
decorrer da cerimónia. Mas, senhor padre, eu pensava que sabia da intensidade
emotiva do momento, do que ele representa para a família que perde o seu ente
querido, ainda que acredite na vida eterna. Sabe, claro! Então ainda não se
apercebeu que, aí, não pode ter pressa? Não lhe passou sequer pela cabeça que o
pedido do meu primo poderia significar a última homenagem que ele queria
prestar à minha mãe? É pena!
Foram muito bonitas as palavras que
nos dirigiu; calaram, fundas, no nosso coração despedaçado; mas, desculpe-me, surgiu-me
logo aquele dito «Bem prega Frei Tomás…».
Tenho a certeza de que reza
diariamente o breviário e faz exame de consciência antes de adormecer. Será que
pede a Deus para dormir… depressa? Durante a sua formação e no retiro anual a
que se entrega deve ter-lhe passado amiúde a expressão do Eclesiastes (3, 1): Omnia
tempus habent!, «Tudo tem o seu tempo». E o tempo da morte requer de si um
tempo precioso. Nem de mais nem de menos: o seu tempo! Sem precisar de nos
lembrar a cada frase que … está com pressa! O tempo que gastou a dizer-nos isso
poderia ter sido aproveitado. E, já agora, em que é que a leitura feita por meu
primo (que Vossa Reverência nem sequer conhecia nem sabia quem era em relação à
defunta) haveria de… atrasar a cerimónia?
Mas não fique preocupado! Chegámos a
tempo, o coveiro pôde ir almoçar ao meio-dia, depois de ter fechado o portão. E
passou tranquilamente o resto da tarde com a família.
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 622, 01-09-2013, p. 15.
Sem comentários:
Enviar um comentário