quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Convite em cortiça

            Numa altura em que, corações sangrando, almas esventradas perante o cenário a fumegar e a cinza a atapetar o chão e a alevantar-se triste soprada pela aragem… o convite do Senhor Presidente da Câmara para a Feira da Serra deste ano chegou, de novo, exemplarmente feito em cortiça.
            De um lado, encostas afora, o eco do choro pelos sobreirais queimados, perdidos para sempre – como se diz que o são as almas penadas no Além; do outro, um grito não menos lancinante, escrito com sangue mas com esperança: vamos renascer das cinzas e a tradicional Feira da Serra será mui excelente pretexto para tal!
            Parece profética a escolha do tema: o chapéu! Chapéu para aconchegar a cabeça, para a alindar e mostrar a personalidade de quem o usa... E brincou-se com o concurso de chapéus, tendo bem no íntimo a certeza de que um haveria, universal e irremediavelmente recusado: aquele, sinistro, negro, safado, que bem quadrava na cabeça de quem esteve na raiz do crime. Essa cabeça, ficou desde logo claro, dificilmente se encontraria. E o relatório elaborado por comissão de peritos (!) tudo contou (garantem…) tintim por tintim: como começou, como se combateu, como não se combateu, quantos homens, quantas viaturas, quantas casas, quantos hectares… Sim: quantos, quantos… No fumo intenso, porém, desapareceu a mão traiçoeira, o gesto sacrílego, o remorso inexistente…
            Todavia, houve um convite em cortiça que ficou: convite para a Feira e, sobretudo, convite para «Renascer das Cinzas»! Tem de ser!

[Publicado em Notícias de S. Braz (S. Brás de Alportel), nº 190, 20 de Setembro de 2012, p. 15].

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