Encontrara-se a
inscrição não muito longe da capela – de grande devoção das gentes raianas – em
honra da Senhora da Almortão. Exacto, essa a que a gente canta ao som ímpar do
adufe. Teria vindo a Senhora substituir o pré-romano Igaedus, cujo culto também os Romanos fizeram questão de respeitar?
Ainda tenho cópia do trabalho prático que fiz, em Maio de 1969, juntamente com
Joaquina Salgueiro da Silva, para a cadeira de História da Cultura Portuguesa, regida
pelo incomparável Vitorino Nemésio, a que demos o título de «Continuidade cultural
e romarias (A Senhora do Almortão)».
Encanta-me
Idanha-a-Velha, assim aninhada a lavar-se no Ponsul, sob a vigilância, mais
além, do Monsanto altaneiro. E por entre imaginado chocalhar de rebanhos, o
adufe. Adufe que é também – e excelentemente – o nome que o Município de Idanha-a-Nova
quis dar à sua revista cultural anual. Acabo de ser obsequiado com o nº 25, de
2017 (e tenho a colecção completa!).
Em versão bilingue (Português e Inglês), são 144 páginas que também elas me
encantam, pelo saber nelas derramado acerca
das gentes e das paisagens de Idanha. Ao som do adufe se concretizou a presença
portuguesa na Feira de Natal de Estrasburgo, pelas mãos de Fernanda Gabriel,
natural de Monsanto e correspondente da RTP naquela cidade. E acredito que
também será com esse ritmo por fundo que Stephan Doeblin trata das sementes
vivas no Ladoeiro, que Luís Paixão Martins rege o Clube de Tiro de Monfortinho,
Licínia Gaspar, de pá de forno em riste, leveda e coze tradicionalmente o pão
em Penha Garcia e Henrique Raposo
trata dos cogumelos, a que, aliás, mais umas páginas desta vez são dedicadas,
para que se saibam distinguir e bem apreciar. Desenham-se os piu pius (que
importa conhecer e proteger). Fotografam-se as velhas portas, prenhes de
segredos e tradição . Desenham-se
também as paisagens rurais «fora dos caminhos». E o riso deliciado de Maria
Nascimento faz-nos crescer água na boca com os seus incomparáveis petiscos
beirões.
Ai, o som do adufe! Ai, a melodia que se desprende das páginas desta revista singular!...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 719, 11 de Novembro de 2017, p. 11.
Sem comentários:
Enviar um comentário