quinta-feira, 5 de julho de 2018

A difícil saudação…

            «O autocarro das oito e vinte», de Alexandra Sousa, conta, como tive ocasião de ouvir no programa de José Candeias (sábado, 16 de Junho, antes das 9), as histórias que a autora foi colhendo, ao longo dos seus dias, idas e vindas casa – emprego, em transportes públicos: autocarro, comboio, metropolitano...
            Apreciei o facto de, num dia, a um dos passageiros ter apetecido cantar. Bonita voz, garantiu a Alexandra. A princípio, algumas cabeças se levantaram do telemóvel, para logo voltarem ao pequeno ecrã que as seduzia. Pouco a pouco, porém, mais cabeças se levantaram de vez, houve aplausos e o telemóvel foi deixado de parte. Confessava a Alexandra que fora uma verdadeira vitória sobre o isolamento a que cada um voluntariamente se vota, esquecendo-se, por completo, do mundo que o rodeia. A autora tinha outra onda e, daí, as histórias que mui gostosamente logrou compilar.
            Veio-me logo à memória o conhecido conto de Mário Dionísio, «Assobiando à vontade», inserto em «O Dia Cinzento e Outros Contos». Aí, era um passageiro que assobiava no autocarro, perante o espanto geral:
            «O assobio, umas vezes, era baixo, mal se ouvia, outras vezes, alto, muito alto, com trinados ridículos e irritantes. Ninguém sabia o que ele assobiava. E o homem também não».
            Nos meus transportes públicos, só há iphones, smartphones, tablets… E olhos plantados nesses pequenos ecrãs. Resta-me o passeio matinal e ao fim da tarde, no meu bairro, com o Spike. Cruzo-me com vizinhos, trocamos a saudação e, por vezes, há até uma festinha no pêlo do labrador. Cruzo-me, todavia, com desconhecidos também e sai-me, espontânea, a saudação «bom dia!», «boa tarde!». A princípio, não recebia resposta. Agora, dois ou três – como aquele senhor chinês que vai levar os filhotes à escola – à saudação acrescentam o sorriso e… sinto-me recompensado!
            Quão difícil está, nos dias que correm, receber «bom dia», «boa tarde», «boa noite» da parte daqueles com quem nos cruzamos! E – perdoe-me, amigo, o desabafo – ainda recordo amiúde, consolado, aqueles curtos dias em Great Abaco, nas Baamas, onde, em Maio de 1989, éramos estrangeiros dos pés à cabeça e, ao cruzarmo-nos com uma mulher bonita, era ela própria que nos saudava e acrescentava «You welcome!»!... Em missão científica, bem longe de Portugal, desde logo como que nos sentimos em casa! «Bem-vindos!»…

                                            José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 734, 1-07-2018, p. 11.

 

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