Apreciei
o facto de, num dia, a um dos passageiros ter apetecido cantar. Bonita voz,
garantiu a Alexandra. A princípio, algumas cabeças se levantaram do telemóvel,
para logo voltarem ao pequeno ecrã que as seduzia. Pouco a pouco, porém, mais
cabeças se levantaram de vez, houve aplausos e o telemóvel foi deixado de
parte. Confessava a Alexandra que fora uma verdadeira vitória sobre o
isolamento a que cada um voluntariamente se vota, esquecendo-se, por completo,
do mundo que o rodeia. A autora tinha outra onda e, daí, as histórias que mui
gostosamente logrou compilar.
Veio-me
logo à memória o conhecido conto de Mário Dionísio, «Assobiando à vontade», inserto
em «O Dia Cinzento e Outros Contos». Aí, era um passageiro que assobiava no
autocarro, perante o espanto geral:
«O
assobio, umas vezes, era baixo, mal se ouvia, outras vezes, alto, muito alto,
com trinados ridículos e irritantes. Ninguém sabia o que ele assobiava. E o homem
também não».
Nos
meus transportes públicos, só há iphones,
smartphones, tablets… E olhos plantados nesses pequenos ecrãs. Resta-me o
passeio matinal e ao fim da tarde, no meu bairro, com o Spike. Cruzo-me com
vizinhos, trocamos a saudação e, por vezes, há até uma festinha no pêlo do
labrador. Cruzo-me, todavia, com desconhecidos também e sai-me, espontânea, a
saudação «bom dia!», «boa tarde!». A princípio, não recebia resposta. Agora,
dois ou três – como aquele senhor chinês que vai levar os filhotes à escola – à
saudação acrescentam o sorriso e… sinto-me recompensado!
Quão
difícil está, nos dias que correm, receber «bom dia», «boa tarde», «boa noite»
da parte daqueles com quem nos cruzamos! E – perdoe-me, amigo, o desabafo –
ainda recordo amiúde, consolado, aqueles curtos dias em Great Abaco, nas
Baamas, onde, em Maio de 1989, éramos estrangeiros dos pés à cabeça e, ao
cruzarmo-nos com uma mulher bonita, era ela própria que nos saudava e
acrescentava «You welcome!»!... Em missão científica, bem longe de Portugal,
desde logo como que nos sentimos em casa! «Bem-vindos!»…
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento
(Mangualde), nº 734, 1-07-2018, p. 11.
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