Há,
pois, alguma relutância em fazer a História de Cascais em meados do século XX. Teremos
pulsões escondidas ainda por vir ao de cima; há, contudo, uma História dos
acontecimentos que pode escrever-se, embora nem sempre se compreenda por que
determinada decisão camarária se tomou num rumo quando se estava mesmo a ver
que poderia ter sido tomada noutro. E nem para isso nos servem as actas das
sessões!...
Penso
que, para fazer essa história, assume papel relevante a imprensa local e
regional. Em Cascais como em Arruda dos Vinhos ou em Castelo Branco. Nessa
época, os jornais eram mais da comunidade, até contavam de casamentos,
baptizados e falecimentos. E os autarcas não se amofinavam quando o correspondente
de uma localidade clamava contra o mau estado dos caminhos ou a falta de água
ou o cheiro nauseabundo dos esgotos. Tudo isso se interpretava como exercício
de cidadania e era bem aceite. E a imprensa fazia-se eco não apenas das
deliberações camarárias ou das propaladas intenções de autarcas mas também do
que se passava nas colectividades, dos bailes de benefício em prol do vizinho
que estava para ser operado e não dispunha de meios para o efeito...
Por
conseguinte, não há, a meu ver, possibilidade de fazer uma história real da
Cascais dos anos 50 e 60 sem o recurso miúdo aos jornais, que eram, na altura,
o A Nossa Terra, propriedade do Grupo
Dramático e Sportivo de Cascais, e, a partir de 25 de Abril de 1964, o Jornal da Costa do Sol.
Direi que foram de
grande efervescência na vila os anos 60, como, de resto, o foram por essa
Europa Ocidental, porque o Maio de 68 não apareceu do nada, compreende-se. Designadamente
no âmbito da Cultura, Cascais deu cartas no Teatro (criou-se o Teatro
Experimental de Cascais), nas exposições de Arte (por exemplo, na Junta de
Turismo da Costa do Sol, por clarividente iniciativa de Serra e Moura, e na
galeria do Casino), nas manifestações musicais (quem há aí que não lembre os festivais
de jazz, no Pavilhão dos Desportos, pela sabedora mão de Luís Villas-Boas?)… E também
os jornais da capital mui gostosamente se faziam eco desses acontecimentos.
Há,
todavia, um outro meio a não menosprezar: os livros. Não apenas os livros de
Cultura propriamente ditos – e nunca será de mais realçar a importância da
chamada «Colecção do Centenário», em
boa hora lançada pelo Município, para comemorar os 600 anos de elevação de Cascais a vila – mas os livros de ficção que têm Cascais como cenário.
Um
nome tem de se referir: o de Correia de Morais. As suas delirantes crónicas
sociais publicadas e muito lidas nos jornais lisboetas acabaram por ser
reunidas em volume. E eu não posso deixar de salientar dois: O Meu Dono e Eu (1989) e O Céu Precisa de Gente (1990). Ainda não se pensava por i em relatar
o dia-a-dia através do sentir de um animal doméstico e já o Corgo escalpelizava
a sociedade que o dono frequentava. Por outro lado, O Céu Precisa de Gente, sob a aparência de um livro religioso, é a
deliciosa descrição das noites
cascalenses, porque S. Pedro encarregara o Diabo de descer a Cascais para
carrear almas para o Céu e o Diabo mete-se por tudo quanto é sítio na vila e
não há ninguém que almeje repousar no Paraíso!...
Perguntar-se-á
a razão destas evocações. A motivação
próxima – e disso haveremos de falar – foi a recente edição ,
a 3ª (Junho de 2017), bastante renovada, do livro de Júlio Conrado, As Pessoas de Minha Casa. Aí não é apenas
a Carcavelos da sua infância e ju ventude,
nos anos 40, mas também a Cascais dos anos 60 e, até, da actualidade, que, com
cruas e bem acertadas frechas, o autor se deleita em escalpelizar.
A
imprensa e os livros – mananciais de uma história quotidiana ,
onde homens e mulheres concretos se movimentam. A descobrir!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais],
nº 221, 14-02-2018, p. 6.
Sem comentários:
Enviar um comentário