terça-feira, 15 de novembro de 2011

Da ressurreição de objectos e de pessoas

Captou perfeitamente João Orlindo o espírito de um curso como o de Museologia e Património Cultural: a necessária ressurreição de, à primeira vista, insignificantes objectos que integravam todo um quotidiano, o ciclo anual na vida de uma comunidade.

Realça este seu livrinho a preocupação que já tinha perante a desertificação das aldeias do interior do País, a sua consequente perda de identidade, o abandono e destruição de objectos considerados inúteis. Aliás, foi no mesmo sentido Sílvia Costa que preparou De dentro do Armário, também publicado por Apenas Livros. Louve-se, pois, antes de mais, a iniciativa da publicação!
Se, ali, fora singelo armário de cozinha o mote para a referida ressurreição, aqui agarrou João Orlindo num canastrão de pisar castanhas, que, observando o definhar das vidas na aldeia de Balocas, perdida nas dobras da Estrela, «prossegue o seu descanso anual sobre o velho ‘caniço’»… E, vai daí, porque «os castanheiros já pouco são apanhados na totalidade; faltam as forças nos braços para limpar os ‘soitos’ e a agilidade nas mãos para separar as castanhas dos ‘oiriços’, assim como as pernas para as carregar», o canastrão constituiu pretexto para se falar de todo o ciclo da castanha e da sua importância na economia local, para se evocar um quotidiano pautado pelas estações do ano (quando ainda as havia bem distintas) e pelo ritmo diário do nascer ao pôr-do-sol, não esquecendo os serões em que, em volta da lareira, para «combater a lentidão dos dias de Inverno, mais vagos nos afazeres da terra», se contavam histórias, se passava o testemunho…
Que interesse há, pois, num canastrão de pisar castanhas para servir de tema a um livro? E a resposta não pode ser outra: é testemunho! Um testemunho a valorizar! Um testemunho que, afinal, tem histórias para contar – e que bem João Orlindo no-las soube transmitir!
É o canastrão incentivo para uma ressurreição. Ressurreição que se pretende definitiva, dado que se aponta para musealização perpetuadora de memórias!
Um exemplo – que se deseje frutifique, qual semente revitalizante!

Cascais, Setembro de 2011

Prefácio a Murmúrios de um tempo… – O objecto etnográfico, repositório de memória, de João Orlindo Marques. Apenas Livros, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-628-343-1, p. 3-4.

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