sábado, 5 de novembro de 2011

A estela romana que era peitoril!

Na sequência do que já se escreveu na edição do passado dia 1 de Outubro, não posso deixar de voltar a referir-me ao facto de, na região de Mangualde, várias inscrições romanas terem sido identificadas em reutilização por estudantes de Epigrafia da Universidade de Coimbra, há uns 30 anos atrás.
O exemplo que ora se traz à colação não deixa também de ser curioso: uma estela funerária romana – com quase dois mil anos, portanto – foi aproveitada para peitoril da janela de uma casa rural sita na aldeia de Pinheiro de Tavares, freguesia de S. João da Fresta.
Devem-na ter encontrado por perto os construtores da moradia; acharam-na bonita, até porque tinha uma flor esculpida; acrescentaram-lhe quiçá uma cruz com pedestal como era de uso, não fossem os dizeres terem algum esconjuro maligno, e lá a puseram deitada, com o letreiro bem à mostra, ainda que desconhecessem por completo o que lá estava escrito e, sequer, em que língua!
Viu-a Luís Filipe Coutinho Gomes e decidiu-se a estudá-la, estudo que veio a ser publicado na revista Ficheiro Epigráfico, do Instituto de Arqueologia de Coimbra, no nº 12, de 1985, inscrição nº 52.
Constituía o texto, já bastante deteriorado devido à prolongada exposição aos agentes atmosféricos (agora, já está a recato na sede da Associação Azurara da Beira), o epitáfio de uma senhora, falecida aos 60 anos, Flavina de seu nome, filha de Flavo. Não se consegue perceber a identificação da dedicante, ainda que se trate de uma filha de Alúquio. O monumento estava consagrado aos deuses Manes, protectores, no Além, do espírito do defunto.
Ficámos assim a saber de representantes de três gerações de uma família com raízes locais (dada a onomástica que apresentam, tipicamente pré-romana): filha de Flavo, Flavina (o diminutivo não poderia ser mais apropriado!) casou com Alúquio (um nome etimologicamente lusitano) e dessa união nasceu uma filha, cujo nome, porém, se desconhece. Não nos admiraria, por conseguinte, que – dadas essas referências todas – o túmulo viesse a ser mais tarde usado para os restos mortais dos que na epígrafe vêm mencionados.

Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 580, 01-11-2011, p. 13.

1 comentário:

  1. Senhor Professor,
    Quanto nós gostariamos nos fizesse uma visita,quando vier ao Norte. É que também a ADEP associação que represento tem identificado em alguns edifícios testemunhos importantes, colunas, cabeçeiras e pedras de sepultura.
    Recentemente encontramos uma ara mas não apareceu ainda quem a decifre.
    Cumprimentos, gartos pela atenção e bem haja pelo seu trabalho
    ADEP Castelo de Paiva adeppaiva@gmail.com
    Martinho Rocha 919112213

    ResponderEliminar