segunda-feira, 23 de julho de 2012

Finalistas da Escola de Teatro sujeitos a prova de fogo!


            Estreou na passada sexta-feira, dia 20, a peça teatral Woyzeck, da autoria de Georg Büchner, que a escreveu em 1836.
            Não se trata de vulgar peça de teatro e quando se diz que o autor a «escreveu em 1836» não se está, mui provavelmente, a dizer a verdade toda. Primeiro, porque há quatro manuscritos diversos; depois, porque o autor morreu de tifo, com apenas 23 anos de idade; finalmente, porque, devido a estar incompleta, se desconhece exactamente o que Georg Büchner queria fazer. É certo que a versão «definitiva e filologicamente correcta apenas ficou disponível em 1967», como esclarece Miguel Graça, responsável por esta versão e pela sua dramaturgia; contudo, o que nos é apresentado são quadros sucessivos, quase descosidos uns dos outros, em que o elo ligação será o personagem que dá nome à peça, o soldado Woyzeck, progressivamente empurrado para a loucura e para o assassínio da mulher que foi infiel, «consequências directas da opressão que lhe é imposta pela sociedade em geral», nomeadamente de uma médica tirânica que o sujeitou ao tratamento experimental de apenas se alimentar de ervilhas…
Não se andará longe da verdade se dissermos que estes quadros são fruto da ebulição ideológica que se vivia no dealbar do 2º quartel do século XIX (recorde-se que se trata da época pós-napoleónica e do auge das revoluções liberais um pouco por toda a parte…) e fruto também das perturbações e interrogações de um Georg Büchner, que, alemão e inconformista perante o fracasso da Revolução Francesa e revolucionário (chegou a tentar uma insurreição subordinada ao slôgane «Paz às cabanas! Guerra aos palácios!»), deixara os estudos  de Medicina para se refugiar na literatura.
São, pois, de extraordinária riqueza e de enorme intensidade dramática todos os quadros e não admira, por isso, que Carlos Avilez, que assina, mas uma vez, aqui, uma encenação deveras notável, mormente devido è sua complexidade, apesar da aparente simplicidade que a nudez da cenografia poderia dar a entender, haja escolhido a peça para prova (de fogo, dir-se-ia!...) dos alunos finalistas da Escola Profissional de Teatro de Cascais.
São, pois, três os elencos que se vão revezando até 12 de Agosto, no Mirita Casimiro, sempre observados por professores e actores que os avaliam.
Grande beleza plástica a da coreografia, assinada por Natasha Tchitcherova. Extraordinário, o empenho de todos, não apenas dos doze (vezes três) actores principais, mas de todo o elenco (chegam a estar em palco meia centena de jovens actores!). Estão todos de parabéns.
E não resisto a duas a três pinceladas que particularmente me tocaram e me incitam a solicitar que a peça volte a estar em cena.
Primeira: a alegoria do tempo. Começa-se a correr desenfreadamente, como a querer tudo apanhar, numa loucura. Corre-se muito, no decorrer das cenas. Há, porém, um outro quadro, inesquecível pela densidade singela que a sua mensagem nos inocula: o protagonista arrasta, em diagonal, de uma ponta a outra da cena, a longa cauda do tecido vermelho de sangue em que se embrulhara, lentamente, lentamente, no mais completo silêncio, a dar-nos a lição de como um segundo é muito e há que o aproveitar. Aliás, sentencia-se, a dado passo, num outro quadro: «Não corras! Desce a rua devagar! Como deve ser!...».
           E há frases destas, para fazer pensar, disseminadas aqui e além;
«Quando o carpinteiro aplaina as tábuas, ninguém sabe quem é que nelas se vai deitar!».
«Conta-me uma história, como se eu fosse criança» – e a história conta-se, do menino que olha para a lua, para o sol, para as estrelas… «E ainda lá está, sozinho e a chorar».
«O caminho da vida é por ali, não é? Está tão escuro!... Tenho de ir andando!».
«Quando ficamos frios, deixa de estar frio!»
E, a certa altura, o actor interpela o público:
«Estão a olhar para onde? Olhem para vocês!».
O objectivo, proclama-se no início, é mostrar o Homem «como Deus o criou!». Na verdade, saímos desta sequência, esmagados, a pensar… neste Homem que Deus criou! E as reflexões exaradas nesse dealbar do século XIX perante o fracasso da grande revolução, servem-nos hoje, às mil maravilhas, perante o fracasso de outras revoluções…

 Publicado no Cyberjornal, edição de 22-07-2012:

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