O Dr. Alberto Correia, que se formou em História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, não quis dedicar-se exclusivamente à sua voca
Nunca
descurou, porém, a escrita, que poderia, de certo modo, chamar-se «de pura
intervenção cultural». Deliciam-nos as
suas crónicas, sempre colhendo inspiração
nos costumes das gentes e seu dia-a-dia. Publicadas depois, em livros, de
assinalável êxito, permanecem como retratos de um viver prenhe de tradição . Recordo, a título de exemplo, Arcas da Memória (Imagens&Letras,
Leiria, 2006), uma selecção dessas
«melhores crónicas», 60 ao todo, vindas a lume no Jornal O Centro, de
Viseu, e de que tive oportunidade de fazer recensão no Jornal da Beira de 13/09/2007.
Desta
feita, Alberto Correia virou a sua atenção para uma actividade que corria (ou
corre) o risco de desaparecer: a arte de fazer ceiras de junça. Ceiras e outros
artefactos de uso quotidiano em Beselga, Penedono.
E
para que a tradição não morresse, a
ele se juntou o pároco de Santa Cruz da Beselga, com o objectivo de, numa
exposição , se mostrar o Memorial da Devoção
Ceireira. Cumpre, pois, não apenas incitar a uma visita, mas também importa,
desde já, traçar uma panorâmica do que é o excelente Roteiro dessa exposição , magnificamente ilustrado, «a
concretização de um sonho que há
muitos anos vínhamos acalentando!...», confessa o Padre Carlos Manuel Rodrigues
de Carvalho.
Permita-se-me
aqui um parêntesis para dar conta de iniciativa análoga, um livro que tive o
privilégio de prefaciar e apresentar, cujo objectivo era precisamente o mesmo,
em relação a uma fibra vegetal que,
se não é a mesma, é deveras semelhante: o bracejo, stipa gigantea, de seu nome científico. O caso passa-se em Pombal, mais
propriamente na chamada Ilha dos Cestos, onde uma cooperativa de mulheres pugna
para que a «arte em bracejo» não morra. Chama-se o livro «A Arte em Bracejo na
Ilha dos Cestos», é da autoria de
Cidália Botas e foi editado, em 2004, pela Câmara Municipal de Pombal. Lá, como aqui, idêntico desejo: que não se perca a
tradição !
Numa
escrita fluente e límpida, o Roteiro
começa por uma explicação acerca do
conceito de «museu»; demora-se sobre as características do território e da sua
população ; faz a história da
«odisseia ceireira» e mostra depois, com a ficha de cada uma das peças da colecção , o que é, no fundo, uma espécie de pequeno, mas
valioso, museu de arte sacra, que ora se encontra patente no primeiro piso da Casa da Paz. Aliás, explica o Padre Carlos que
era justamente essa uma das ideia s que
presidiu à compra, pela paróquia, no Adro, da «casa ora designada Casa da Paz».
Entre outras serventias, «reservou-se o justo espaço que um dia poderia
constituir-se como “núcleo museológico” que preservasse as suas naturais e seculares
memórias».
E,
assim, acabam por constituir espólio do museu objectos ligados ao culto, à
liturgia e à religiosidade popular, sendo também intenção
representar ali «o espaço habitado, a rua, o caminho, o carreiro, a ponte, a
água, a fonte e o moinho, os cruz eiros,
um nicho, a capela» - que tudo isso, escreve o Padre Carlos Carvalho, lembra «o
homem sempre em viagem, viagem que só acaba no abraço de Deus».
Vêm
depois os vários núcleos em que a exposição
se desenvolve, objectos que «têm mais um significado de afeição do que estatuto de riqueza». Notáveis, porém, as
alfaias litúrgicas antigas: bonitas sacras, um missal de 1867, píxides, um vaso
de comunhão de estanho (séculos XVII-XVIII), uma cruz
processional do século XVIII, uma imagem de Nossa Senhora da Encarnação de pedra de Ançã (séculos XV-XVI); finalmente, a
devoção e festa de Nosso Senhor dos
Passos, com a reprodução de várias tábuas
de mila gres, bem significativas pela
sua ingenuidade…
Enfim,
preciosa é a exposição e mui
precioso o catálogo que dela dá conta. Edição ,
deste ano, da Paróquia de Santa Cruz de Beselga, com o patrocínio do Município
de Penedono e da Junta de Freguesia de Beselga. Houve, além disso, o cuidado de
se editar um desdobrável para acompanhar a exposição .
Parabéns
a todos os que intervieram na edição ,
saudando-se, de modo especial, o incansável dinamismo do Dr. Alberto Correia.
José d’Encarnação
Publicado em Voz de Lamego, 19-12-2017, p. 18.
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