sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O que foi o Espigão das Ruivas na Antiguidade?

             É o Espigão das Ruivas um esporão natural litoral, sito na falésia do lado poente da Praia de Porto Touro ou Guincho Velho. Desde finais do século XIX, que se sabia existirem nele alicerces de edifícios, pequenos amontoados de fragmentos de telhas, tijolos, cerâmica… tudo dando a entender que algo ali houvera nos finais da Pré-História e princípios da ocupação romana.
O Espigão das Ruivas
            Por insistência de Guilherme Cardoso junto do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Cascais, na altura chefiado pelo Dr. João Cabral, já falecido, no Espigão se levaram a efeito, em 1991, sondagens arqueológicas.
            Foram os resultados obtidos publicados por nós, agora, nas actas do II Congresso de Arqueologia da Associação dos Arqueólogos, onde apresentáramos, a 24 de Novembro, uma comunicação sobre o tema.: «O sítio arqueológico do Espigão das Ruivas (Cascais) in: ARNAUD (José Morais) e MARTINS (Andrea), Arqueologia em Portugal. 2017 – Estado da Questão. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2017, p. 955-966 (acessível em: http://hdl.handle.net/10316/44758).
            Na sequência desses trabalhos arqueológicos, foi possível identificar vestígios de uma presença humana que perdurou intermitentemente entre a Idade do Ferro e o período medieval. Os materiais mais antigos mostram uma ocupação inicial da Idade do Ferro, enquanto os mais modernos são já do período islâmico.
            Ignora-se, porém, a funcionalidade deste pequeno esporão sobranceiro ao mar e de difícil acesso. Algumas hipóteses têm sido avançadas: local de culto, posto de vigia ou, até mesmo, um farol de apoio à navegação, sem que alguma delas seja verificável até ao momento.
            A ideia de farol é aceitável, a fim de sinalizar o local aos navegantes que procurassem, ao cair do dia ou à noite, aquele porto de abrigo, em tudo semelhante ao que devia existir em Porto Brandão – «brandão» significa precisamente círio ou vela de grandes dimensões –, ou, como no caso do porto de Cascais, onde, até há poucos anos, um pequeno farolim guiava os mareantes durante a noite, de modo a melhor localizarem a Praia da Ribeira.
            O porto poderá ter servido também de apoio às actividades de pirataria. Ali se poderão acoitar os piratas à espera das presas e para abastecimento de água e outros víveres.
            Nos finais do século XIX e até inícios do século XX, estiveram aboletados no Porto Touro pescadores que faziam parte da campanha da armação da Roca, para a pesca da sardinha, de que forneciam as fábricas de conservas da vila de Cascais. Dessa época é a muralha que se vê na praia, onde existia um guincho que, com os anos, enferrujou, ficando inoperacional – daí o antigo nome de «porto do guincho», como era conhecido também o Porto Touro, passando posteriormente a ser identificado por Porto do Guincho Velho. Já estava desactivado nos anos 70, quando se visitou o local. Teria sido usado para puxar as barcas da armação da Roca para terra. Desse período ficaram, um pouco mais acima da praia, ao lado do caminho da Biscaia, as ruínas das instalações da companha da Roca, onde, nos meados do século passado, ainda existia uma taberna gerida por um casal, para abastecimento dos pescadores que ali aportavam durante o Verão.
Pescadores na Praia de Porto Touro
            O sítio arqueológico do Espigão das Ruivas assume, por consequência, características próprias e que nos remetem para um mundo ligado ao mar, que terá servido esporadicamente de apoio a actividades marítimas durante a Idade do Ferro e o Período Romano. Na Antiguidade Tardia, o sítio terá sido habitado durante longos períodos até aos inícios da influência islâmica, altura em que foi abandonado definitivamente.
            Tudo leva a crer que o sítio também teria sido usado esporadicamente como porto de embarque ou desembarque de pessoas e mercadorias.
            As fogueiras de que encontrámos vestígios poderão ter servido de sinalização para os pescadores, que, surpreendidos pelo cair da noite no mar, precisavam de encontrar, com segurança, o seu caminho de regresso ao porto de abrigo.
            Solene, altaneiro, silencioso acabou por se manter quando o quisemos interrogar acerca do seu passado e do mistério que o envolve. Parece arrogante e indiferente às vagas que, em dias de tormenta, impiedosas lhe mordem os pés; mas há nele também um ar simpático de númen protector para os escassos pescadores que ainda acorrem a Porto Touro, na esperança de, vencendo as correntes, lograrem alcançar uma pescaria que lhes mate a fome e lhes permita, também, arrecadar algumas moedas…
                                                              Guilherme Cardoso
                                                               José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 18-12-2017:

3 comentários:

  1. Muito interessante e, como sempre, graças aos "Irmãos Metralha" Insignes Arqueólogos, Homens de Cultura e, por privilégio meu, Amigos Guilherme Cardoso e José d´Encarnação

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  2. Cornelio Meus Caros Professores gostei do Trabalho até porque, para mim tem um interesse familiar, o meu Avô Paterno, Manuel Cornélio, esteve engajado na Armação da Roca, vinham a casa apenas ao Sábado e para virem para Cascais aproveitavam as boleias da Malta da Azoia e Arredores que vinham vender a Cascais, o meu Avô vinha com primos pelo lado da Mãe e da Avó. Agora Caro Amigo Zé, o Farolim de São Brás, era o que estava na Praia do Peixe, assinalava também a Lage existente junto ao clube naval. Por outro lado delimitava o Fundeadouro de Cascais pelo lado poente, a nascente existe um Farolim numa Ponta junto ao Hotel Albatroz, já agora, o limite sul é o Paralelo que passa na Torre do Marégrafo. A hipótese do Espigão das Ruivas ter servido de Farol para sinalizar um Porto Seguro é muito bem capaz de ser a mais viável, basta verificarmos que até ao inicio do Período Islâmico a Navegação tendia a ser de cabotagem na sua maioria e diurna, pelo que de noite os Mareantes acostavam, chegando a encalhar os barcos para passarem a noite. Obrigado pelas Notas e desejo-vos um Feliz Natal.

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  3. Louvo aqueles que, como Guilherme Cardoso e José d'Encarnação, percorrendo e dando-nos conta dos caminhos que a História percorreu, assim nos sedimentam o passado para que também valha a pena buscar futuro.

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