sábado, 16 de dezembro de 2017

Morrer, sim, mas em glória!

            Reza a História que Tchaikovsky compôs a sinfonia nº 6 em Si menor Op. 74, dirigiu-a e poucos dias depois faleceu (6-11-1893). Retratará essa sinfonia, chamada «Patética», aspectos da sua biografia, dizem. O certo é que, se tal é o retrato, bem turbulenta terá sido a sua vida, rica de emoções incontidas, de fúrias desregradas, dos doces murmúrios da aragem a ciciar por entre os ramos sobre o rio e da desmedida algazarra do trovão.
            Não admira que, no final, o maestro se sentisse prostrado, tamanha foi a necessidade de guiar este e aquele naipe, obrigando-se a um bailado de sortilégio, em que todo o seu corpo, que não apenas os braços, se deixou inebriar.
            Esta, a segunda parte do Concerto de Inverno com que a Orquestra Sinfónica de Cascais nos brindou na noite do dia 9, no Auditório da Senhora da Boa Nova. O simples enumerar dos andamentos dá para se compreender a extrema variedade dos ritmos com que nos deixámos deslumbrar: adagio, allegro non troppo, andante, moderato mosso, allegro vivo, andante come prima, allegro con grazia, allegro molto vivace, todos eles a precederem o final, que não foi apoteótico mas adagio lamentoso, qual prece a envolver-nos no último Outono da vida… Um presságio? Quiçá, sim. Os biógrafos o dirão, certamente.
            Alternaram-se, pois, o moderado movimento, com os alegres, ricos de cambiantes – o ‘vivo’, o ‘com graça’ e o «muito animado»… – para esse quase fúnebre lamento final. Entretanto, até António Machado, Fátima Juvandes e Pedro Tavares – da percussão – foram activamente chamados a intervir, eles que, habitualmente, se limitam a sublinhar, a espaços, uma que outra passagem mais solene. No sábado, não! Intervieram e bem, a emprestar inusitado calor a uma atmosfera (o maestro que o diga!) em que para o frio não houve mesmo lugar!
            Foi a primeira vez – contou Nikolay Lalov – que a Sinfónica se abalançou a interpretar esta sinfonia. E, no rigor milimétrico dos tempos, nos silêncios e nos fortes, nas campestres melodias em que as flautas se impuseram a solo, no grito estridente dos metais… todos os 61 músicos se esmeraram, num contentamento bem visível nos abraços finais que se trocaram.
            A primeira parte estivera diferente: o Triplo Concerto em dó maior (op. 56) de Ludwig van Beethoven. Escrito entre 1803 e 1805, só foi publicado em 1807 e estreado no ano seguinte, tinha o músico 38 anos. A designação de «triplo» deriva do facto de estar previsto que a orquestra acompanhará três solistas: ao piano, ao violino e ao violoncelo. Não terei errado ao escrever que, neste concerto, a missão da orquestra é «acompanhar». Na verdade, essa é a sensação que temos, no constante entretecer do diálogo entre os três instrumentos. Lalov convidou o famoso violinista Christian Altenburger (Heidelberg, 7-9-1957), que, tendo aprendido violino com o pai, deu, aos 7 anos, o seu 1º concerto público. Alto, solene, virtuoso, compenetrado, exímio… contrastava, no tamanho que não no virtuosismo, com o jovem violoncelista russo, que vive em Lisboa, Pavel Gomziakov (Tchaikovsky, 1975). Ao piano, esteve a norte-americana Elizabeth Allen, que se define como «uma apaixonada por Portugal» e que reside há 30 anos no Estoril.
            E foram estes três conceituados músicos que, muito aplaudidos, fizeram as honras da 1ª parte do Concerto de Inverno.


Christian Altenburger

Pavel Gomziakov

Elizabeth Allen
           Permitam-se-me dois apontamentos. Prende-se o primeiro com o sempre extenso currículo de cada um dos artistas e, também, de Nikolay Lalov, que já conhecemos de cor. Não foram feitos para este concerto; são retirados ipsis verbis da wikipédia. Será esse um costume, não sei; mas confesso que fiquei um tudo-nada perplexo, ao verificar que estava perante textos rigorosamente iguais aos que podiam consultar-se na Internet e, inclusive, as fotos são as que vêm lá.
            A segunda observação: o nenhum cuidado que se teve na elaboração dos bilhetes. Neles aparece três vezes a expressão «Centro Paroquial do Estoril» (uma delas em siglas) e três vezes se lê auditório, numa delas assim: Auditório Senhora da Boa Nova CPE (Auditório). A palavra ‘convite’ está em duplicado e o concerto vem designado como «Concerto de Inve». Não há aí ninguém que perceba um bocadinho só que seja das regras da escrita?...

                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 215, 13-12-2017, p. 8.

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