Criança não pode
trabalhar, proclama-se. Acho bem. Contudo, há trabalho e trabalho! E, para além
das ocupações comezinhas do quotidiano, em que ajudava minha mãe e o meu pai, de
duas especiais me lembro, porque assim angariei as ambicionadas moedinhas para
uns chupa-chupas!….
Foi na ocasião em que,
no interior onde eu vivia, de terras de lavoura e de matos, apareceram uns
senhores que precisavam das bagas dos zimbros para fazer perfumes (dizia-se!).
Bem apreciei sempre o licor de zimbro que o meu amigo Óscar Ribas fazia questão
de me oferecer, vindo dos seus familiares nas Beiras! Nessa altura, seria
apenas para perfumes e cosmética. Apanhei aos baldes, nos zimbreiros que pelos
matos medravam. Dez tostões o quilo, seria!
A outra ocorreu quando
houve grande procura da erva de S. Roberto, cujas propriedades medicinais são
sobejamente conhecidas: puseram toda a catraiada a apanhá-la por entre as
pedras!
Meninice em contacto com a Natureza: as ervas, as
árvores, os bicho s, galinhas, galos,
coelhos… Sabíamos o que era um frango, um galo ou uma galinha pedrês. Caçávamos
lagartixas e osgas com subtis laços de palanco… Fazíamos assobios de tenros
caules verdes e dos caroços de almeco ques
raspados…
E havia uma partida
amiúde pregada aos mais pequenos: púnhamos-lhe na manga uma espiga de palanco e
dizíamos:
‒ Sacode para baixo
para ela cair! Sacode!
Ao invés, a cada movimento
do braço ela subia mais. E era uma comichão!... O que a gente ria do susto do
miúdo ou da miúda, quando sentia aquilo amarinhar braço acima por baixo da
camisola!...
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 732, 01-06-2018, p. 11.
As traiçoeiras espigas de palanco!... |
Eunice Dionísio
ResponderEliminar6 de Junho de 2018 15:42
Gostei muito de ler o texto. É bem verdade que as crianças de hoje não têm a vivência que tínhamos na nossa infância e algumas nem a cultura.
Maria Helena
ResponderEliminar6 de Junho de 2018 15:42
Fui ler o lindo texto, ainda coberto por uma névoa, e comovi-me... Quando puder ler melhor e escrever, voltarei lá para apreciar cada pormenor, até porque as bagas de zimbro encerram muitos poderes misteriosos que remetem para outros tempos e me encantam.
Ana Guimaraes
ResponderEliminar6 de Junho de 2018 17:31
Brilhante! Também eu fui miúda pequena no quintal de pais e avós em Carcavelos...
Maria João Pina
ResponderEliminar6 de Junho de 2018 18:05
Adoro essas memórias que partilhou. Ainda bem que não resistiu.
Também me lembra a minha infância.
Alice Marques
ResponderEliminar6 de Junho de 2018 20:00
Que lindo!
Maria Antónia Lopes
ResponderEliminar6 de Junho de 2018 22:03
Gostei muito da sua crónica; dessa evocação que faz da infância.
Fernandinha Borges
ResponderEliminarOlá, Professor! Descobri o que é palanco, pela foto, mas o que são almecoques? Obrigada e beijos!
Almecoque é o mesmo que abricoque, albricoque, alperce, damasco.
EliminarAna Clare
ResponderEliminarquinta-feira, 7 de Junho de 2018 12:59
Nunca se perde tempo quando a leitura nos delicia. Relembrar as nossas aventuras de catraio é e será o melhor que existe em nós, neste momento que vivemos e que pouco nos diz, pois já seremo ou talvez não, velhos respingões, como é usual dizer-se da nossa geração.
Adorei e revi-me nessas traquinices e trabalhos que tanto nos faziam subir o ego.
Beijinhos senhor meu compadre e veja-se e reveja-se nestes tempos que tão bem nos fizeram.
Ler-te foi.....regressar â infância ...como que ler um livro antigo de Natais frios de luzes perdidas ao longe....livros sim, que só aí vivia esse Natal! O meu era bem mais da cor da terra vermelha, do calor, das crianças barrigudas a dançar o que tocavam com as suas caixitas de fosforos...
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