sábado, 16 de junho de 2018

Olhar e ver

             Com montagem Caev e 30 fotografias Pixdaus, partilharam comigo um PowerPoint subordinado ao título «O fascínio da fotografia – Olhares».
            Olhos bonitos todos e bem intrigantes alguns, de pessoas e de animais. De homens, mulheres e crianças, colhidos nas mais variadas circunstâncias, porque nesses olhos tanto víamos a doçura de mavioso pôr-do-sol como a risonha esperança do alvorecer ou a dolente tristeza de uma estranha noite que está para vir…
            Parei em quase todas as fotos, numa tentativa de entrar mais fundo nesses olhares, como, por vezes, me acontece no sofá do corredor do centro comercial e tento, pelo andar ou pelo trajo, penetrar na alma de quem passa sem se aperceber que eu ali estou a observar.
            E lembrei-me da frase que oiço amiúde e que também de mim sai espontânea não raro: «Curioso! Nunca tinha reparado!». Vemos, não reparamos, não olhamos, passamos de raspão.
            Há anos que andava para lançar um passatempo, a que ora lancei ombros: apresentar o pormenor de um edifício ou monumento e desafiar os amigos: «Ora então descobre lá onde é que isto está!». E tem sido deveras significativo o facto de tantos de nós termos passado por ali e nunca termos parado diante e pensado no significado que esse pormenor pode deter. Não houve «olhos de ver»!...
            Sintoma do corrupio em que se nos vai a vida, sem o saboreio do momento. Estamos à mesa, a regalarmo-nos com um acepipe e alguém não resiste: «Nem queiram saber! Comi, há dias, um polvinho à lagareiro divinal! Que delícia!». E assim, nem o delicioso ensopado de cabrito sabe como deve ser, porque se mete pela frente o polvinho à lagareiro!...
            Corremos. Dizem que, aos brindes, devemos olhar olhos nos olhos. Que assim lemos melhor o que os olhos querem dizer. Um olhar apaixonado vale – como se diz da imagem em jornalismo – mil palavras. ¿E aquele olhar suplicante da criança do Médio Oriente? ¿E o olhar malandro do jovem traquinas?
            O fascínio do olhar. A urgência do «Pare, escute e olhe!». Curou Cristo o cego de nascença, certamente para que ele pudesse apreciar melhor os lírios do campo de que falou numa parábola!

                                                              José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 733, 15-06-2018, p. 10.

3 comentários:

  1. Luis Vicente
    19/6 às 11:20
    José, amei o texto. Mas mais que as magníficas palavras que sempre saem da tua alma quais lanças de sabedoria e sentimento, está o significado de tudo o que escreveste. Um dos grandes males de que padece a sociedade global é a ansiedade de estar sempre à frente do tempo sem tempo para desfrutar o tempo presente. Se entendermos que o presente é isso mesmo, um "presente", iremos disfrutá-lo como se não houvesse amanhã. Obrigado por esta partilha. Abraço. PS: Os teus olhos também falam muito por ti.

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  2. Fico contente por estarmos em sintonia. Bem hajas! Abraço retribuído!

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