quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Outeiro da Vela - Um sonho português, um baptismo estranho!

            A maior ambição da Comissão de Moradores do Outeiro da Vela: que o pinhal do Outeiro, pelo panorama dali abrangido sobre a baía de Cascais, não visse crescer no seu dorso o espinho atroz de uma urbanização em altura.
            A ameaça pairava no ar. Vampiros aguçavam a dentuça, na expectativa de farto repasto…
            Lutámos – que espinhos desses não queríamos num espaço justamente cobiçado pelos moradores para usufruto da comunidade.
            O bairro nascera à pressa antes do 25 de Abril, sem espaços de convivência, os apartamentos acanhados, encostados uns aos outros. Após o 25 de Abril, foi o regabofe que se conhece: a ocupação rápida, antes que fosse tarde!
            Finalmente, após inúmeras promessas adiadas e projectos rejeitados, veio o ano das eleições autárquicas e era preciso mostrar à população que, afinal, suas longas aspirações expressas no Orçamento Participativo de 2012 (OP 08), num ápice poderiam começar a ser satisfeitas, quando, em 28-10-2015, ainda se pensava na reformulação do projecto de execução.
O painel identificativo da obra em curso
Mountain Bike Skill Park
            E – vai daí! – muita leitura na internet, muito exemplo estranho analisado (há projectos desses em Denver, em Vancouver, Canmore, Kelowna e Calgary) e mui intensa pesquisa levaram a que se sugerisse uma designação sonante, que não ficasse atrás das suas congéneres estrangeiras: Mountain Bike Skill Park, expressão que poderá traduzir-se, à letra, por: Parque de Perícia para Bicicletas de Montanha!
            Convenhamos que a designação inglesa é muito mais atraente, enche a boca, deixa turista boquiaberto e indígena a franzir o sobrolho. Mas há lá designação portuguesa que lhe chegue aos calcanhares?! «Parque de Perícia para Bicicletas de Montanha»? Que saloiice!...
            Compreende-se perfeitamente a intenção e a pressa: Cascais vai ser, em 2018, Capital Europeia da Juventude. Tive o privilégio, a 29 de Setembro, de ver a minha correspondência selada não com um vulgar carimbo mecânico, mas presenteada com os selos comemorativos. O de 50 cêntimos tem cara de ancião – a homenagear (obrigado!) os que estamos bem no Outono da vida, os «menos jovens». Há, porém, um selo enorme, que mui habilidosamente a Marisa conseguiu colar no embrulho do livro dos provérbios que eu me propusera enviar para uma professora amiga. Meus senhores, uma panorâmica de Cascais com o farol de Santa Marta ao fundo! Maravilha!
            Maravilha vai ser também o Mountain Bike Skill Park, quando estiver prontinho, cheiinho de altos e baixos.

E o que é que eu vou pedir?
            Tinha que meter o bedelho! Vou pedir que a entidade competente ali coloque, em lugar de destaque, um ou dois painéis, em português e em inglês, a explicar o enorme significado histórico da designação toponímica «Outeiro da Vela».
            Vem nos livros. O Prof. J. Diogo Correia escreveu, na sua Toponímia do Concelho de Cascais (Câmara Municipal de Cascais, 1964, p. 45), que esta «eminência será um dia – que oxalá não venha longe – aproveitada para ponto de turismo da região» e explica: esse «morro, que altivamente se ergue como sentinela protectora da vila», servia de atalaia, em ocasião de perigo iminente», «ali se velava pela segurança dos moradores de Cascais e seu termo.
            Não veio muito longe, professor, esse aproveitamento turístico! De 1964 a 2018 passaram somente 54 anos!
            Os painéis são, pois, a meu ver, imprescindíveis!
            Devido a essa posição altaneira sobre a baía, em tempos imemoriais, quando a pirataria era exclusivamente a marítima, a população revezava-se a vigiar, a estar de vela, não adregasse navio pirata aproximar-se para semear devastação, pilhagem, mortandade…
            Outeiro da Vela a servir, em 2018, de radical ponto de encontro da juventude, continuará, portanto, a ser um símbolo: «Do alto desta montanha vos contemplo, senhores!».
 
                                                    José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais], nº 207, 18-10-2017, p. 6.

O mar ao fundo... E o Cabo Espichel, mais além...

E o Palacete Palmela a espreitar por entre o arvoredo...

E a vila, ali, a seus pés...

 

2 comentários:

  1. Marcelina Neves
    No Outeiro da Vela, um grande letreiro ostenta a frase seguinte: MOUNTAIN BIKE SKILL PARK, naturalmente "acessível" a qualquer nativo que por ali transite... Triste, mas é o que temos.

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    1. Pode não ser «acessível», mas é chiquérrimo, a menina p'cebe?! Isso quer dizer que era dali que o povo ficava de vela a ver se entravam piratas na barra. Agora, ficam de vela e descem até à baía de bike (não confundir com barco, que é palavra plebeia, ainda se fosse iate...). Mas diga lá a menina se Mountain bike skill park não soa bué de bem?!... Se se tivesse escrito algo como «a montanha pariu um rato» ficávamos mal vistos à brava e, assim, a montanha não dá à luz ratos nenhuns mas gente bem, assaz perita em fazer cavalinhos nas bicicletas... Abençoada Montanha. Até Moisés, se ora vivesse, teria dito a Jeová: «Olha, Senhor, eu agora vou descer de bike e atiro as tábuas da lei às trombas daquele bezerro d'ouro que a sacanagem do povo anda a adorar!». E a Mountain ficava prá história!

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