Falei
da Índia a um condiscípulo meu goês. E contou-me:
‒
Eu vim para Portugal em 1957; o meu pai foi o 1º português a ser expulso da
Índia, nessa altura de Bombaim, por ser estrangeiro, português. Desde 1949 que
a União Indiana queria expulsar tudo
o que fosse civilização ocidental,
depois da expulsão dos Ingleses, que possibilitou a independência da União Indiana , ou seja, nessa altura, a união da Índia com o
Paquistão, o actual Bangladesh, o Tibete, o Butão e o Sri Lanka. Infelizmente,
Goa não se soube impor. O meu pai bem quis e Salazar retorquia-lhe: «F., eu sei
que Goa está apta a ter autonomia, mas dar-lha seria abrir um precedente!».
Assim, ficámos à mercê dos indianos. E os goeses foram engolidos. Hoje, a
cultura goesa em Goa não existe. Foi uma invasão e a destruição da cultura dos goeses. Os académicos,
"vendidos" aos partidos, não falam sobre esta realidade.
Estava
a ouvi-lo e lembrava-me de Sousa Lara
me ter contado que, quando lá foi, em 1992, integrando, como Secretário de
Estado da Cultura, a comitiva de Mário Soares, um senhor de idade o convidou a
ir a casa dele e mostrou-lhe, escondidos numa arca, os livros antigos, aqueles
por onde nós estudámos na Instrução
Primária:
‒
Guardo-os aqui ciosamente, sabe. E é por eles que eu ensino a língua portuguesa
aos que a querem aprender!
Sousa
Lara acabaria por mandar enviar-lhe
muitos mais livros para ele poder continuar a sua nobre missão de manter acesa
a chama da portugalidade nessa longínqua paragem.
E
recordei as imagens que Maria Júlia Fernandes fez em Baçaim, no Convento dos
Agostinhos em ruínas: o chão da nave principal da igreja era um mar
ininterrupto de lápides funerárias, com os nomes de portugueses ilustres e
brasões de famílias nobres e tudo isso iria, daí a pouco, ficar debaixo de
sólida camada de cimento…
Também
esses são retalhos lusos em manto indiano. E quando, a 10 de Dezembro de 2017,
no âmbito da série «Um poema na vila», iniciativa de Ana de Freitas, se ouviram,
no Auditório José Labaredas do Museu Municipal de Coruche, «Contares e Cantares
de Goa», pelo Grupo Ekvat da Casa de Goa, voltámos a ter consciência disso:
urge fazer reluzir esses retalhos no manto indiano. Raízes escondidas que
poderão frutificar!
José d'Encarnação
Publicado em Ponto & Vírgula, jornal do Gabinete de Imagem e Comunicação da Escola Calazans Duarte, da Marinha Grande,
edição de Março de 2018, p. 19.
finalmente alguem escreve a verdade sobre Goa, mas ainda ninguem falou da condenação pelo Tribunal de Haia à invasão de Goa pelas forças indianas.
ResponderEliminarJá passaram alguns dias desde que o meu colega goês teceu novos comentários sobre o que se escreveu; afigura-se-me, todavia, que merece partilha o que me escreveu.
ResponderEliminarO pai foi expulso de Goa em 4 de Julho de 1954, por força do Foreigner Act: os indianos consideraram-no estrangeiro, por ser português; no entanto, acrescentou, numa carta que Nehru dirigira ao pai, em 1946, manifestava já a sua intenção de expulsar os estrangeiros de Goa e invadir Goa e as possessões francesas na Índia.
Haverá muito a fazer para que Goa e os portugueses originários da Índia possam vir a ser tidos em devida consideração. Deu-me dois exemplos:
«Estive, há dias, a ler uma obra sobre as casas do Sacete, Goa, feita por um grupo de investigadores. Na bibliografia não havia uma única referência acerca do que tinha sido escrito sobre a mesma realidade pelos nossos antecessores!! Apenas o que tinha sido escrito em 2002 e por indianos sediados em Londres!!! E os nossos historiadores que tanto têm escrito sobre as casas em Goa desde 1580 - nada?? E são investigadores?? E o que escreveu Raquel Soeiro de Brito –nada? E o Orlando Ribeiro – nada?».
«Assisti, há anos, na Faculdade de Letras, a uma conferência sobre a literatura romântica em Goa. Imagina: não fizeram uma única referência aos poetas portugueses!!! Só aos poetas "britânicos indianistas"! Não sei o que é um britânico indianista!».
O depoimento de Elisabeth le Paige
ResponderEliminarCreio que pode aduzir-se aqui, em complemento do que se escreveu sobre a Índia portuguesa, este depoimento de Elisabeth le Paige, ainda que exarado (a 11-4-2018) num outro contexto. Transcrevo-o, com a devida vénia:
«Sou belga, a viver em Portugal há 18 anos, apaixonada pela história marítima de Portugal no mundo. Gostava de lhe contar um detalhe de uma viagem que fiz à Índia com a minha filha ao Estado do Kerala e, mais precisamente, à cidade de Kozhikode (antiga Calicut), onde passámos uns dias num hotel à beira-mar, situado frente à praia de Kappad. O motorista parou a minutos do hotel para nos mostrar onde Vasco da Gama pusera pé em terra. Junto envio uma foto do pequeno obelisco que comemora o desembarque do navegador nessa praia.
E há mais. A longa parede por trás do balcão da recepção do Hotel é adornada com uma pintura mural gigantesca que representa a visita de Vasco da Gama ao Zamorim. O navegador em pé, o Zamorim sentado no seu trono. Todas as personagens pintadas são de dimensão superior à real. Impressiona. Fiquei fascinada também pelo gesto do motorista que nos mostrou o lugar, sem saber que vínhamos de Portugal. Da dominação inglesa não havia qualquer indicação.»
Agradeço a Elisabeth le Paige este eloquente testemunho. Na impossibilidade de inserir aqui a foto que gentilmente enviou, vou inseri-la no final do meu texto.
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