terça-feira, 17 de outubro de 2017

Ter uma licenciatura!

            Custa-me a acreditar toda essa trapalhada – de facto, até lhe poderia dar outro nome mais acutilante… – das falsas licenciaturas indicadas no currículo de detentores de cargos públicos para os quais, por lei, o «canudo», como vulgarmente se dizia, é condição sine qua non.
            Custa-me a acreditar por dois motivos.
            Primeiro, pelo que isso significa de má consciência e, até, de imaturidade. Penoso é dizê-lo, mas importa que «eles» e nós o consciencializemos.
            Depois, pelo que tal «exigência» pretende significar: a experiência vivida de três anos a estudar. Três anos, agora, uma insignificância em termos de possibilidade de aprofundar saberes e mesmo em termos de convivência e possibilidade de amadurecimento em partilha. Mas, sem dúvida, uma experiência por que se deve passar, como, em tempos, se dizia da tropa, que era o que nos «fazia homens». E três anos de estudo não são vida militar; consubstanciam, contudo, a necessidade de uma certa imprescindível disciplina, que urge aprender. Por isso se preconiza que todos possam ter acessibilidade a esse «estágio» de vida.
            Ignorância será, porém, imaginar que só a Universidade ou o Politécnico são caminhos ou veredas para atingir a maturidade ou a experiência. Os cursos profissionais, de que cada vez mais estamos necessitados, constituem óptima senda também para os que mostrem vocação para determinada área concreta da actividade humana.
            É curioso verificar – e essa reflexão amiúde se faz, felizmente – que, no perfil das redes sociais, há quem goste de assinalar que as suas habilitações foram conseguidas na «Universidade da Vida». Congratulo-me sempre, ao ler essa frase. Não pelo que ela possa encobrir de desdém por quem teve recursos para fazer um curso, mas porque, de um modo geral, revela se algum orgulho, que é como quem diz: «Amigos, sou o que sou, porque subi na vida a pulso, pelos escassos meios que tinha ao meu dispor, e estou orgulhoso por os ter aproveitado ou os estar a aproveitar!».
            «Os estar a aproveitar»! A frase saiu-me e obrigou-me a parar. Acabo de ler o livro de David Kundtz, «Parar», que tem como subtítulo «Como parar quando temos de continuar». Parei. David Kundtz demonstra a importância que têm, no nosso dia-a-dia, as pausas conscientes. E eu pensei: essa questão das falsas licenciaturas ou da eventual dificuldade em seguir a carreira académica universitária ou politécnica proporciona mais uma pausa, mesmo para os que lograram atingir o mais elevado nível de estudos: sim, como é que eu tenho posto a render os meus talentos?
                                              José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 716, 15 de Outubro de 2017, p. 11.

13 comentários:

  1. Ana Teresa
    Não só políticos, Professor. Veja o caso dos (que recentemente foram demitidos) da Protecção Civil. Tinham feito 4 CADEIRAS... !!! O resto foi por passagem administrativa. E quantos mais haverá? Eu sinto que os que fazem isso (incluindo os Reitores que lhes dão as equivalências) estão a insultar os que verdadeiramente fizeram as cadeiras todas da licenciatura…

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  2. Helena Santos
    Cada um dos indivíduos que foram apanhados nesta mentira das falsas habilitações académicas devia pintar a cara de preto e esconder-se num buraco muito escuro para não ser mais visto. É tão, mas tão demonstrativo de inteligência diminuta julgar que nunca seria apanhado na curva.
    Mais cedo ou mais tarde os podres sabem-se. Sempre. Sempre. Como o azeite:)

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  3. Neyde Theml (do Brasil)
    É, tem muito disto por aqui. Há quem diga que nem precisa estudar, menos que uma licenciatura, para ser Presidente. Dá palestras milionárias, justificativa para receber a propina combinada. E tem gente que acredita e ainda defende esta postura…

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  4. Muito orgulho por ter sido sua aluna!Ainda o sou! Obrigada!

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  5. Mario Cornelio 20/10 às 23:24
    Caro Amigo Zé, sou daqueles que digo "Sou Doutor Honoris Causa pela Universidade da Praia do Peixe, em Burrunculogia Abstracta". Mas, e agora a sério, aos 48 Anos voltei a sentar-me numa Carteira! Entrei na Polivalente com a intenção de tirar o 9º ano intenção de tirar o 9º ano e, talvez o 12º. Meteram-me no Ensino Recorrente! Deixa-me que diga que era um Ensino altamente exigente, explico porquê, o Ensino era por Unidades Capitalizáveis e só se passava de Unidade caso passássemos na anterior. Como tinha a frequência do antigo 4º Ano do Liceu deram-me Equivalências, por exemplo a Geografia das 4 Unidades Capitalizáveis apenas tinha que fazer 1... como vieram tarde já tinha feito as 4 quando a informação das Equivalências chegou. No entanto o maior problema neste Ensino não estava na atribuição das Equivalências! Estava sim no Processo! Os Manuais eram produzidos na Tipografia do Ministério, só que a Secretária de Estado para o Ensino Recorrente deu ordens expressas para não se publicarem os Manuais, mais grave, proibiu os Professores de darem Explicações ou Informações sobre as Matérias a estudar! Houve "professores" que acataram as ordens de Ana Benavente, outros foram PROFESSORES e mandaram essa senhora às urtigas. Só para terminar, apanhei um Professor de História que me deu as Unidades para o 10º e 11º Anos, para o 12º diz-me que não havia Manual mas que o conteúdo versava sobre a Água e as Migrações. Desafiou-me a escrever o Manual para essa Unidade pegando em tudo o que tinha sobre o Tema, assim o fiz e entreguei-lhe um Manual com 280 Páginas, com bastantes Fotos e vários Mapas. O curioso é que esse Manual ainda esteve em uso largos anos. O que vale é que sou "douturado" em Burruncologia Abstracta !!!!!!!! Um abraço.

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    1. José d'Encarnação Excelente doutoramento esse, Mário, em Burrunculogia Abstracta! Não dá para perceberes bem se deves limpar a mata à volta da tua casa na Primavera, no Outono ou no Inverno ou no Verão antes dos Incêndios. Ou se deves tirar licenças de «porte de machado» para abateres os ramos susceptíveis de provocar projecções. Mas deu bem para umas manhãs bem passadas na Praia do Peixe, isso deu! E mandem-se os canudos às urtigas! Um abraço!

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    2. Mario Cornelio 24/10 às 0:49
      Um abraço! Por acaso tenho o cuidado de limpar tudo em redor da minha Casa, não é altura de podar? Aguardo que não haja Passarada! Então desbasto o arvoredo e as silvas, fiz um Queimador e entretenho-me a queimar as ramas, mas tudo controlado, quanto aos ramos das podas têm dois caminho: Triturador ou Queima, do Triturador aproveito as aparas e dá para colocar nas cavas das árvores, do Queimador aproveito as cinzas para espalhar nos canteiros ou então tanto uma coisa como a outra vão para a Compostagem. Tenho aqui uma amigas Minhocas Vermelhas que adoram! Como vês ... não me chateio

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  6. André Varela Remígio
    Quando leio estas opiniões de académicos a defenderem a "Universidade da Vida", fico a pensar o que fizeram a vida inteira na Academia e o que a Academia significará para eles. Será que foi um mero emprego? O mesmo se aplica a licenciados com a mesma postura. Porque é que tiraram um curso superior?

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  7. Mario Cornelio 24/10 às 9:04
    Senhor André Varela Remígio, será que, por mero acaso, sabe em que conceito se utiliza o Termo "Universidade da Vida"? Com este Termo quem o utiliza quer dizer que se fez a ele próprio no Trabalho e não nos Estudos. Antigamente, não há muitos anos, dizia-se que a Teoria deveria andar de mãos dadas com a Prática, Hoje inventaram essa coisa das Equivalências tornando a Experiência Prática em Experiência Teórica e, aí tem você a carga de Doutores e Doutorados que apareceram. Académicos como o J. d'Encarnação ou o Guilherme Cardoso seguem as Pegadas de Luís Verney, querem uma Academia em que se ligue a Teoria à Prática, talvez por causa das Áreas em que se Doutoraram. Estas obrigam-os a sair do remanso dos Gabinetes e trabalharem no Campo a cartografarem, cavarem, apanharem, limparem, analisarem e registarem. Muitos há que seguem a mesma postura, têm a mesma atitude, mas não é por isso que deixam de ser licenciados. Quanto ao terem tirado um Curso Superior, permita-me, em minha opinião foi por quererem alargar os seus horizontes. O grande problema da "Universidade da Vida" é limitar os horizontes de cada um, ou então teremos que ser um homem dos Sete Ofícios. Permita-me terminar com esta Máxima, creio que foi o Astronauta Armstrong que a proferiu, "Um Perito é Aquele que cada vez sabe mais de menos."

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  8. André Varela Remígio 24/10 às 9:19
    Senhor Mario Cornelio, agradecia que me permitisse considerar o termo "Universidade da Vida" estúpido, principalmente quando se equipara ou mesmo eleva a "Universidade da Vida" à Academia.
    Sim, é verdade que agora há essas equivalências académicas, mas pela mesma linha de raciocínio discordo frontalmete delas. Defender a "Universidade da Vida" e depois criticar essas equivalências é que é uma contradição.
    A Academia tem naturalmente uma componente prática, tal com sempre teve. Depois há cursos com mais e outros com menos, uns melhores e outros piores. Há mesmo uns bons e outros manifestamente maus, mas não será isso que põe em causa o modelo da Academia, como formação superior, superior aos demais.

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  9. Mario Cornelio
    Senhor André Varela Remígio, nunca comparei a "Universidade da Vida" à Academia, e se reparar bem eu digo que sou "Doutor Honoris Causa" pela Universidade da Praia do Peixe! Estamos a glosar o Tema, mas parece que o senhor não o entende assim. Ainda bem que o senhor usa o seu livre arbítrio e mesmo não concordando com aquilo que diz sou obrigado a aceitar o que diz apenas porque você escreve o que pensa por si só. Boa tarde.

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  10. José d'Encarnação
    Olá, meu caro André! Permita-me que o trate assim. Desejo, em primeiro lugar, que obtenha o maior êxito no seu mestrado em Conservação e Restauro, numa Faculdade que muito prezo e onde fui docente. A sua é, aliás, uma área com que amiúde tenho de cooperar, com todo o gosto, porque como docente de Património Cultural, as questões de Conservação e Restauro assumem importância primordial. Tive ocasião, no passado dia 11, de moderar, durante todo o dia, na Sociedade de Geografia de Lisboa, um fórum em que justamente se discutiu essa problemática em relação aos espólios arqueológicos. E publiquei recentemente um artigo em colaboração com colegas seus, que estão a trabalhar no restauro de monumentos na Quinta da Cardiga (Tomar). Permita-me, por isso, que entre na discussão, que em boa hora levantei, porque se me afigura que a sua perspectiva de ensino e aprendizagem é um tudo-nada diferente do que foi a minha, no Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras de Coimbra: a teoria é boa, mas é ainda melhor se ligada à prática. Assim para os arqueólogos, como Mário Cornélio sublinhou, assim para os conservadores/restauradores (e eu posso falar assim, porque tirei o Curso de Conservador de Museus no Museu Nacional de Artte Antiga em 1973). Por conseguinte, eu não defendo a «Universidade da Vida» contra a Universidade no seu sentido concreto; para mim, é uma expressão qúe põe o acento na experiência, no «saber de experiências feito», como proclamava um dos nossos humanistas. Conservador que não saiba olhar para as pedras - e a «arte do olhar» não se aprende na Academia, mas na prática - terá muitas dificuldades em singrar no seu mester. Termino agradecendo-lhe o repto que nos lançou, a mim e a Mário Cornélio, por nos ter permitido, desta forma, esclarecer as posições tomadas e as opiniões expendidas.

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  11. André Varela Remígio, 24/10 às 16:00
    Caro Prof. José d'Encarnação, para além de detestar o termo "Universidade da Vida", parece então que divergimos no seu emprego. Este termo é frequentemente usado por quem não tem formação académica, muitas vezes sobrevalorizando-o e até ridicularizando a Academia, atitude muito em vouga ultimamente. Na mesma linha, quantas vezes ouvimos falar na "antiga quarta classe" como se fosse equivalente ao actual 12.º ano?! É óbvio que toda a formação académica carece de ser complementada pela prática, pelo exercício da profissão. Um curso é isso mesmo, um início. Ninguém sai de um curso ensinado, mas dificilmente o será sem tirar um curso. "Universidade da Vida" é que é um termo muito mau. Agradeço então o seu simpático esclarecimento.

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