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se tinham de que a travessia poderia não ter sido sempre pelo mesmo local e que
várias pontes houvera; contudo, o esmiuçar dessa história, comparando documentos
gráficos e escritos, colhendo pormenores onde menos se esperava, ainda estava
por fazer. E o que Jorge de Ala rcão
nos apresenta é, na verdade, o ressuscitar de todo esse viver coimbrão,
embalado pelo murmurar do Mondego ora latente, ora impetuoso, ora regrado.
Uma prosa
densa, bem alicerçada em documentação
– como o devem ser as pontes – e brilhantemente servida pelas ilustrações que
José Luís Madeira, eloquente e mui graciosamente, com todo o rigor soube
interpretar, ‘humanizando-as’, inclusive, como no caso da fig. 33, em que ouvimos
o tropear dos cavalos da caleche ou o bater metálico, descompassado e rouco dos
chocalhos dos bois a puxar carro ajoujado, ou como na fig. 40, em que
imaginamos almocreves e negócios na conversa... Aliás, logo a capa, com essa
elegantíssima reprodução de uma iluminura
da Crónica de D. João I, de Fernão
Lopes, nos cat iva: «Chegou el-rei a
Coimbra e muita gente com ele e pousou nos paços de Santa Clara, junto com a
ponte da cidade». E se este passo ora se transcreve é com o intuito de bem
demonstrar, logo assim, que o Autor a todas as minudências – aparentes
minudências… – não hesitou em lançar mão para ‘iluminar’ o caminho que, mui
cautelosamente, se aventurou a singrar. E fez bem.
111
páginas, profusamente ilustradas (são 52 as figuras, com legendas nas p.
105-107), ISBN 978-989-8152-08-4, adequado papel couché.
Apresentação a cargo de Celestino Flórido Quaresma (da Ordem
dos Engenheiros) e do Prof. Providência e Costa (de Engenharia Civil da FCTUC).
Aí se identificam de imediato as pontes em análise: a romana, de barcas
primeiro, quiçá, e de pedra depois, «que D. Afonso Henriques mandou restaurar
(e que terá tido reconstruções parciais entre os séculos XII e XIV) e a manuelina,
erguida em 1513» e que terá aproveitado alguns dos pilar es
da anterior. E se (afirma-se) «a ponte tem que respeitar, preservar e embelezar
o rio que atravessa e o local onde se insere», também o seu estudo se há-de
inserir nas vidas que rio e cidade sentiram palpitar; por isso, na Apresentação se acrescenta que este «é quase um tratado de história
da Engenharia portuguesa», com os seus altos e baixos, no salutar cruz amento da «História com a Engenharia» e «da
História da Arte com a Arquitec tura,
sem esquecer a Arqueologia».
Na
«nota introdutória» explicita o Autor, como é seu hábito, os objectivos que se
fixou, o público que visou entusiasmar: «Escrevemo-lo para leitores que, sem
habilitações académicas nessas áreas [História, Geografia, Ciências da Terra],
se interessam pela história da cidade de Coimbra». É também por isso que trata
em capítulo próprio a questão do assoreamento do rio, por requerer um olhar
mais técnico, linguagem mais hermética e, por conseguinte, menos atraente.
E
os capítulos ficaram assim distribuídos: «Da ponte romana à ponte de D. Afonso Henriques»
(p. 15-24); «A ponte de D. Manuel» (p. 25-53), com três subcapítulos (história documental,
a fábrica da ponte e seus defeitos, remendos e remédios da ponte manuelina até
1632); «A torre da Portagem» (da página 54 à 68 onde se inclui bonita
reconstituição , em graciosa aguarela
– fig. 40 –, assinada, mais uma vez, pelo talento de José Luís Madeira); «O
cais da cidade no século XVI» (p. 69-71); «O largo da Portagem» (p. 72-83); «O
assoreamento do rio e as cotas das pontes» (p. 84-104). As referências
bibliográficas vão da pág. 108 à 111 e por elas se verifica como o Autor também
soube exemplarmente convocar para o trabalho os resultados da investigação sobre os diferentes períodos da história da
cidade, levada a efeito pelos seus colegas, nomeadamente docentes da Faculdade
de Letras.
É,
afinal, se calhar, uma Coimbra desconhecida que das pontes se vai enxergando
séculos afora. Ficaremos a saber que, «na Idade Média, contribuir para obras em
pontes era considerado obra de caridade ou devoção »
(p. 19). Teremos por muito exemplar para a governação
actual a preocupação de el-rei D.
João II, em carta de 14 de Maio de 1488: «[…] Que vejais logo com bons oficiais
a dita ponte e se veja com bom exame e diligência o que por orçamento haverá
mister para, com a menos opressão do povo, se poder corrigir e remediar.» (p.
23, actualizei a grafia) – «Grande rei!» se exclamará! E haveremos de maliciosamente
sorrir, quando soubermos que, algures no século XVI, um guardião do convento de
S. Francisco, Frei João de Azevedo de seu nome, «não rezava o ofício divino,
dizia apressuradamente a missa e com pouca devoção ,
jogava cartas de noite, no mosteiro, com pessoa secular, tinha mulher em
Condeixa, com quem às vezes dormia em sua cela (para além de dormir com outras
duas mulheres casadas» (p. 31). Compreenderemos, enfim, que, apesar de estarmos
então em 1981, haja sido de muito lamentar que as obras levadas a efeito na zona
da torre da portagem não tenham tido «acompanhamento arqueológico que registasse
com rigor os dados», porque «o acompanhamento arqueológico de obras urbanas não
era ainda de regra em Coimbra e o sítio dos achados (o de maior trânsito da
cidade) não se compadecia com trabalhos prolongados» (p. 67), e se algo se logrou
registar foi porque o Autor, de passagem, solicitou a «um técnico da Direcção Regional dos Serviços Hidráulicos que acompanhava
a obra» lhe fizesse um esboço das «estruturas então redescobertas» (fig. 34, p.
62).
Apesar
da anunciada aridez dos dados técnicos, dir-se-á, porém, que Jorge de Ala rcão sabe burilar a linguagem de forma a tornar alicia nte até essa aridez. E sublinhe-se – porque é
cada vez mais de aplaudir, nos tempos que correm, em que facilmente se descura
a revisão… – que não encontrámos gralhas nem vírgulas fora do sítio. E o
‘salto’ na tradução do passo da Chronica Gothorum (p. 18) é mácula
imperceptível que mais realça ainda a extrema correcção
de todo o conjunto: As Pontes de Coimbra
que se Afogaram no Rio, um livro exemplar!
Publicado no Cyberjornal, edição de
12-02-2013:
Divulgado através da archport , a 13-02-2013:
Acessível também em: http://hdl.handle.net/10316/21644
Este também roubei; contudo, vale tanto a pena cometer estes delitos...
ResponderEliminarAntónio Tavares