Primou
o de Luísa Sobral pelo intimismo, num palco onde o desenho de luzes jogou, na
verdade, um papel de excelência, a sublinhar a envolvência suave e – ouso dizê-lo!
– doce que a cantora quis imprimir à sua actuação .
Foi o de Camané o de um ambiente de fado, invulgar no grande salão,
habitualmente desprovido dessas características.
Luísa Sobral
Entraram
os músicos um a um e cumprimentaram o seu instrumento com uns acordes, num
clima de jaze: foi João Salcedo para os teclados; pegou Mário Delgado na
guitarra; sentou-se Carlos Miguel Antunes à bateria; e abraçou João Hasselberg o
contrabaixo. Um foco para cada um, o resto do palco às escuras. Pausa para a
entrada da artista. Veio, gravidíssima e descontraída, e entrou na música.
Esse,
o clima que perdurou: o da simplicidade, o da voz bem timbrada, o do virtuosismo
dos executantes, o da conversa quase informal, com histórias de vida («Quando
eu dancei esta e disse à minha mãe que tivera três contracções, ela entrou em
pânico; desta vez só foram duas!...»). Encanta Luísa Sobral por este à-vontade
com que está em palco, como, supomos, estará em sua casa. E os músicos
deliciam-se, eles também, a acompanhá-la nesse jeito de quase confidência.
Chamou
o irmão (era inevitável!) e interpretaram («Achas que eles sabem o que a gente
vai cantar?...» a canção com que arrecadaram
o prémio do Eurofestival. Nada de bazófias ou de ares de pompa… «Olhem, tanto o
João como o Carlos foram pais no mesmo dia e ambos de uma Maria. Eu, se este
for rapariga será Maria também, se rapaz vamos chamar-lhe José. Não sei se terá
a profissão que o João Monge deu a um José do seu «Jardim Roma»:
carteirista!...». «Jardim Roma», um texto ímpar que é apresentado como «dedicado a todos os piratas e as princesas que brincam e que sempre
brincaram nos jardins desse mundo a sonhar com o que seriam no futuro». Divertimo-nos.
Com esse e com o «paspalhão», também de João Monge, a história da menina
que se faz ao piso a um paspalhão,
porque… «Já bebi pelo teu copo
/ Deixei os lábios marc ados / Não
entendeste o piropo / Que é coisa de namorados»… Assim. Uma delícia.
Memorável. «E agora eu faço aquela cena de me ir embora e vocês continuam a
bater palmas, a bater, e eu sou forçada a voltar». Voltou. Com o irmão, que
imitou, com a voz, um trombone.
Ah!
Não poderia esquecer de assinalar que o atrás referido «clima de jaze» se
manteve, porque, de quando em vez, um dos músicos saltava para a ribalta a solo,
mostrando quanto sabia. E brilhava. E era saborosamente aplaudido.
Camané
Deliciou-me
também o concerto de Camané, pretexto para – além de nos cantar os êxitos
maiores do seu repertório («Sei de um rio / Rio onde a própria mentira / Tem o sabor da verdade […]
Meu amor, dá-me os teus lábios! Dá-me os lábios desse rio / Que nasceu na minha
sede!») – nos encaminhar para o mundo antigo e venerando do Marceneiro, tema
maior do seu último disco.
Casa
Camané, pelo timbre grave da sua voz e pela suavidade que empresta ao seu cantar,
o fado doutras eras, clássico sem nunca cheirar a bafio (será sempre eterna a
Casa da Mariquinhas!...), com as novas ressonâncias de agora.
Sim,
Camané trouxe fado genuíno. ¿ Mas quem ousaria falar deste concerto sem realçar
o virtuosismo (cá está outra palavra delida, mas não tenho outra, caramba!) do
José Manuel Neto a tratar por tu, extraordinariamente, a guitarra portuguesa, bem
acompanhada sempre, nos seus desvarios deliciosamente excêntricos, pela viola
de Pedro Castro e pela bem compassada sonoridade grave do contrabaixo de Paulo
Vaz.
Depois
da tal cena da saída, com os fartos aplausos, de pé, a postularem encores (que é como quem diz, assim mais
um ou dois fados para o deleite…), Camané voltou e quis homenagear João Ferreira-Rosa
(que, aos 80 anos, em Setembro passado nos deixou), «chamando» de novo, a
terminar, Alfredo Marceneiro e o seu «sonho dourado», o de qualquer fadista de
raça: «Sonho que minha alma quer / Que é morrer cantando o fado /
Nos braços de uma mulher»!
E lá vai mais um lugar-comum a que não resisto: na noite
do dia 14, sábado, o Fado morou no Estoril!
Agradecimento: fotografias gentilmente cedidas pelo Gabinete de Comunicação do Casino Estoril.
Agradecimento: fotografias gentilmente cedidas pelo Gabinete de Comunicação do Casino Estoril.
José d’Encarnação
Publicado em Cyberjornal , edição
de 15-04-2018.
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