– É verdade. Já sabe como é. Vem a
Genoveva e conta-me dos filhos que estão na Inglaterra; a Antónia, dos achaques
do marido, que mal pode andar; a Teresa, da filha que não arranja emprego; a
Balbina, que rapa do telemóvel e se põe a mostrar as fotografias dos netinhos…
E assim se passa a manhã, entre a compra de umas batatas, da carne no talho,
dos nabos à da Ti Marquinhas…
Vira-a
a apanhar a carreira, ainda não eram dez horas, e encontrava-a agora, ajoujada
com a alcova das compras, a descer do autocarro, quase à hora do almoço.
Revivi, por conseguinte, o que aprendera acerca das feiras medievais: pontos de
encontro dos vizinhos, lugares onde se sabiam as novidades, onde os almocreves
contavam das suas andanças por esse País além…
E,
claro, lembrei-me de minha mãe, que tinha a quarta-feira como dia santo, não
havia patroa nesse dia, que era para ir à praça e dar uma espreitadela na feira
a ver se haveria umas camisetas para o meu pai, que andava precisado delas.
Peixe habitualmente não comprava, que isso era pelouro de meu pai, no regateio
com a menina Sara ou com a Carolina, as varinas que passavam lá por casa.
Lembro-me
de a acompanhar, era moço pequeno, quando a feira era à volta da Parada e o
peixe se vendia num grande alpendre onde mais tarde viria a fazer-se o pavilhão
do Dramático. Essa, a vaga imagem que tenho.
E
adregou chamar hoje à baila o mercado não só por mor da conversa com a vizinha
Eugénia mas porque só agora me chegou à mão (distracção
minha!...) o livro «História(s) do(s) Mercado(s) de Cascais 1952-2014». Edição camarária levada a efeito no quadro das
comemorações dos 650 anos da elevação
de Cascais a vila, da respons ável de
uma vasta equipa de técnicos camarários, coordenados por João Miguel Henrique s, que, juntamente com Margarida Sequeira e
Fátima Henrique s, procedeu à miúda
investigação nos arquivos
municipais, à elaboração do texto e
à selecção de imagens.
Dizer
que se trata de um «trabalho notável» pode, até, soar a lugar-comum. Não é. De
mui excelente apresentação , o volume
permite que passemos em revisão os momentos mais importantes do que foram as
acções relacionadas com o estabelecimento de um local onde os «saloios»
pudessem vir vender os seus produtos hortícolas e os pescadores o seu peixe,
desde mesmo o século XIX! Vemos a par e passo tal odisseia. Imagens do mercado
que foi encerrado na Primavera de 1944, sito por onde hoje passa a marginal,
entre o Jardim Visconde da Luz o Hotel Baía; aliás, foi exactamente a
necessidade de se prolongar a Marginal que determinou a transferência dos
vendedores «para a Parada, para o local onde haviam funcionado os lavadouros e
antigas oficinas municipais» (p. 24).
Aplauso
ainda maior à iniciativa da rubrica «Testemunhos» (p. 63-84), porque esta
história «é feita de pessoas!». E nós gostamos disso!
José d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 231, 2018-04-25, p. 6.
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