quarta-feira, 25 de abril de 2018

O mercado – ponto de encontro

            Isso é que foi uma manhã, vizinha!
            É verdade. Já sabe como é. Vem a Genoveva e conta-me dos filhos que estão na Inglaterra; a Antónia, dos achaques do marido, que mal pode andar; a Teresa, da filha que não arranja emprego; a Balbina, que rapa do telemóvel e se põe a mostrar as fotografias dos netinhos… E assim se passa a manhã, entre a compra de umas batatas, da carne no talho, dos nabos à da Ti Marquinhas…
            Vira-a a apanhar a carreira, ainda não eram dez horas, e encontrava-a agora, ajoujada com a alcova das compras, a descer do autocarro, quase à hora do almoço. Revivi, por conseguinte, o que aprendera acerca das feiras medievais: pontos de encontro dos vizinhos, lugares onde se sabiam as novidades, onde os almocreves contavam das suas andanças por esse País além…
            E, claro, lembrei-me de minha mãe, que tinha a quarta-feira como dia santo, não havia patroa nesse dia, que era para ir à praça e dar uma espreitadela na feira a ver se haveria umas camisetas para o meu pai, que andava precisado delas. Peixe habitualmente não comprava, que isso era pelouro de meu pai, no regateio com a menina Sara ou com a Carolina, as varinas que passavam lá por casa.
            Lembro-me de a acompanhar, era moço pequeno, quando a feira era à volta da Parada e o peixe se vendia num grande alpendre onde mais tarde viria a fazer-se o pavilhão do Dramático. Essa, a vaga imagem que tenho.
            E adregou chamar hoje à baila o mercado não só por mor da conversa com a vizinha Eugénia mas porque só agora me chegou à mão (distracção minha!...) o livro «História(s) do(s) Mercado(s) de Cascais 1952-2014». Edição camarária levada a efeito no quadro das comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a vila, da responsável de uma vasta equipa de técnicos camarários, coordenados por João Miguel Henriques, que, juntamente com Margarida Sequeira e Fátima Henriques, procedeu à miúda investigação nos arquivos municipais, à elaboração do texto e à selecção de imagens.
            Dizer que se trata de um «trabalho notável» pode, até, soar a lugar-comum. Não é. De mui excelente apresentação, o volume permite que passemos em revisão os momentos mais importantes do que foram as acções relacionadas com o estabelecimento de um local onde os «saloios» pudessem vir vender os seus produtos hortícolas e os pescadores o seu peixe, desde mesmo o século XIX! Vemos a par e passo tal odisseia. Imagens do mercado que foi encerrado na Primavera de 1944, sito por onde hoje passa a marginal, entre o Jardim Visconde da Luz o Hotel Baía; aliás, foi exactamente a necessidade de se prolongar a Marginal que determinou a transferência dos vendedores «para a Parada, para o local onde haviam funcionado os lavadouros e antigas oficinas municipais» (p. 24).
            Aplauso ainda maior à iniciativa da rubrica «Testemunhos» (p. 63-84), porque esta história «é feita de pessoas!». E nós gostamos disso!

                                               José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 231, 2018-04-25, p. 6.

Sem comentários:

Enviar um comentário