quarta-feira, 23 de maio de 2018

Ir à erva prós coelhos!


Aprendizagens agrícolas
           Em Abril de 1985, realizou-se, em Sintra, o Colóquio da Associação Portuguesa de Museologia sobre «O Museu Moderno: conceito e contextos», que incluiu a visita ao Casal de Pianos, uma casa que poderia considerar-se modelo da evolução por que os casais saloios haviam passado, mormente devido aos sucessivos acrescentos para as dependências destinadas aos filhos e, até, aos netos. A ideia era a de se consciencializarem os museólogos para as características singulares da arquitectura dita «saloia» e o seu possível aproveitamento museológico.
            De caminho, passámos por searas e, conversa puxa conversa, acabei por verificar que boa parte dos meus colegas não sabia distinguir as espigas do centeio das da cevada ou do trigo. E lá me entretive também a mostrar-lhes o aroma e o sabor adocicado das madressilvas em flor…
            Nada de especial para quem sempre conviveu com as tarefas agrárias, porque este Cascais ocidental me facultou essa aprendizagem.

As tarefas das crianças
            Tinham as crianças oriundas, como eu, da classe operária a necessidade de ajudarem os pais em tarefas que parecerão estranhas em demasia, porque, para se ir à escola não se vai hoje por caminhos de cabras, e os frangos vêm todos peladinhos e já assados, enquanto que, na altura, tinham as casas galinheiro e coelheira anexos, para apoio das finanças domésticas.
            Por isso, além de ter de ir buscar água ao chafariz ou à nascente com dois baldes de zinco (e não de plástico!) pendurados no chinguiço, eu era ‘convidado’ depois da escola a ir à erva prós coelhos! E foi assim que eu aprendi a saber distinguir as ervas más das que nos podiam ser úteis:
            ‒ as malvas, cuja ‘água’ é excelente para as lavagens desinfectantes das partes íntimas;
            ‒ a erva-cidreira, óptima para chás digestivos;
            - as amoras silvestres («Ai gostas de amoras? Vou dizer ao teu pai que já namoras!»);
            - os abrunhos, que era preciso ter cuidado com eles, porque, em excesso, poderiam provocar desarranjos;
            - os medronhos (alto, que embebedam!);
            - as amoras das amoreiras que deixavam nódoas difíceis, mas cujas folhas a gente apanhava para os bichos-da-seda…
            Mirtilos comíamo-los, com aquele sabor acre. Não tínhamos a menor ideia de que hoje iriam ser tão apreciados e, até, à primeira vista, temos dificuldade em os identificar com os murtinhos, como então lhes chamávamos…
A serralha
            Ervas prós coelhos: as serralhas, as mais apreciadas, pelo seu caule leitoso; a corriola, já mais para o Verão, que se agarrava toda, esparregada como estava pelo chão, e se arrancava pela raiz, enquanto as serralhas tinham de ser cortadas com o sacho na raiz… Mais tarde, era de subir aos «urmeiros», nome que dávamos aos ulmeiros (era o l mais difícil de pronunciar que o r…) e serrar umas pernadas mais folhadas, petisco para os roedores… Dava-se bem o ulmeiro, como planta de água que é, nas margens do Rio dos Mochos. Hoje, por mor da poluição, está em franco declínio. Achámos alguns no ribeiro de Freiria e pugnámos pela sua preservação. Vamos ver se se pensa nisso, que é árvore benquista pelos melros para nela fazerem ninho.

                                          José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 235, 2018-05-23, p. 6.

1 comentário:

  1. José Cardim Ribeiro
    quinta-feira, 19 de Julho de 2018 19:16
    É um texto muito giro. Gostei mesmo!

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