Aprendizagens agrícolas
Em Abril de 1985,
realizou-se, em Sintra, o Colóquio da Associação
Portuguesa de Museologia sobre «O
Museu Moderno: conceito e contextos», que incluiu a visita ao Casal de Pianos,
uma casa que poderia considerar-se modelo da evolução
por que os casais saloios haviam passado, mormente devido aos sucessivos acrescentos
para as dependências destinadas aos filhos e, até, aos neto s.
A ideia era a de se consciencializarem
os museólogos para as características singulares da arquitectura dita «saloia» e
o seu possível aproveitamento museológico.
De caminho, passámos
por searas e, conversa puxa conversa, acabei por verificar que boa parte dos
meus colegas não sabia distinguir as espigas do centeio das da cevada ou do trigo.
E lá me entretive também a mostrar-lhes o aroma e o sabor adocicado das
madressilvas em flor…
Nada de especial para
quem sempre conviveu com as tarefas agrárias, porque este Cascais ocidental me
facultou essa aprendizagem.
As tarefas das crianças
Tinham as crianças oriundas,
como eu, da classe operária a necessidade de ajudarem os pais em tarefas que parecerão
estranhas em demasia, porque, para se ir à escola não se vai hoje por caminhos
de cabras, e os frangos vêm todos peladinhos e já assados, enquanto que, na altura,
tinham as casas galinheiro e coelheira anexos, para apoio das finanças domésticas.
Por isso, além de ter
de ir buscar água ao chafariz ou à nascente com dois baldes de zinco (e não de
plástico!) pendurados no chinguiço, eu era ‘convidado’ depois da escola a ir à
erva prós coelhos! E foi assim que eu aprendi a saber distinguir as ervas más
das que nos podiam ser úteis:
‒ as malvas, cuja
‘água’ é excelente para as lavagens desinfectantes das partes íntimas;
‒ a erva-cidreira, óptima
para chás digestivos;
- as amoras silvestres
(«Ai gostas de amoras? Vou dizer ao teu pai que já namoras!»);
- os abrunhos, que era
preciso ter cuidado com eles, porque, em excesso, poderiam provocar
desarranjos;
- os medronhos (alto,
que embebedam!);
- as amoras das
amoreiras que deixavam nódoas difíceis, mas cujas folhas a gente apanhava para
os bicho s-da-seda…
Mirtilos comíamo-los,
com aquele sabor acre. Não tínhamos a menor ideia
de que hoje iriam ser tão apreciados e, até, à primeira vista, temos
dificuldade em os identificar com os murtinhos, como então lhes chamávamos…
A serralha |
Ervas prós coelhos: as
serralhas, as mais apreciadas, pelo seu caule leitoso; a corriola, já mais para
o Verão, que se agarrava toda, esparregada como estava pelo chão, e se arrancava
pela raiz, enquanto as serralhas tinham de ser cortadas com o sacho na raiz…
Mais tarde, era de subir aos «urmeiros», nome que dávamos aos ulmeiros (era o l
mais difícil de pronunciar que o r…) e serrar umas pernadas mais folhadas, petisco
para os roedores… Dava-se bem o ulmeiro, como planta de água que é, nas margens
do Rio dos Mochos. Hoje, por mor da poluição ,
está em franco declínio. Achámos alguns no ribeiro de Freiria e pugnámos pela
sua preservação . Vamos ver se se
pensa nisso, que é árvore benquista pelos melros para nela fazerem ninho.
José
d’Encarnação
Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 235, 2018-05-23, p. 6.
José Cardim Ribeiro
ResponderEliminarquinta-feira, 19 de Julho de 2018 19:16
É um texto muito giro. Gostei mesmo!