quinta-feira, 3 de maio de 2018

O ninho

            Nunca me passara pela cabeça que seria assim tão importante no meu dia-a-dia ter um ninho junto à entrada da porta.
            Nós víamos dois pequeníssimos pássaros de penas castanho-claras esvoaçar da vedação para a buganvília. Carriças. Sim, parecia-nos que eram dois, não tínhamos a certeza, porque, se eram dois, pareciam-se tremendamente. Imaginámos: um casal. Pronto, um casal. Pelo jeito dos voos breves e silenciosos, buscariam sítio para nidificar? No ângulo do alpendre, acumulara-se a hera, a buganvília dera um jeito e aquele amontoadozinho de folhas secas de braço dado com as verdes afigurava-se-nos cama ideal para ninho. Mas, por mais que sorrateiramente espreitássemos, nada lobrigávamos. E, todos os dias, a horas diferentes, quando adregava virmos cá fora, lá estava um, empoleirado na vedação. Olhava para nós, um bem tímido pipilar e fugia para as mulatas. Procurávamos não fazer barulho, não fosse haver enjeitamento. Lembro-me de, em pequeno – junto de casa havia carrascos, o local preferido para as felosas pretas – meus pais me dizerem que não me aproximasse muito, para os pais não enjeitarem os ovos ou, o que seria pior, as crias!
            Havia uma ideia fixa: os meninos têm ninho ali à frente e havemos, um dia, de descobrir. E descobrimos! Mas sob a varanda, aconchegadinho nos grossos fios eléctricos e nos braços da trepadeira. Um ninho bem bonito, mui cuidadosamente arquitectado com as folhas mortas e penugentas da palmeira próxima. Discretamente, um buraquinho redondo lateral, de uns três centímetros de diâmetro, era a entrada.
            Agora, já os vemos entrar e sair mais amiúde, por vezes com cibos no bico. E creio que se habituaram bem à nossa presença. Aliás, evitamos andar por ali e fazer barulho e recomendámos ao Spike (o nosso labrador) que não ladrasse ao Baltazar (o nosso cágado) quando ele viesse apanhar sol no tapete da entrada.
            São os nossos «meninos» desconhecidos.
            Nunca pensei que um ninho assim ainda mais nos envolvesse de ternura. No respeito por vidas tão pequenas!

                                    José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 730, 01-05-2018, p. 10.

Sem comentários:

Enviar um comentário