Nós
víamos dois pequeníssimos pássaros de penas castanho-claras esvoaçar da vedação para a buganvília. Carriças. Sim, parecia-nos
que eram dois, não tínhamos a certeza, porque, se eram dois, pareciam-se
tremendamente. Imaginámos: um casal. Pronto, um casal. Pelo jeito dos voos breves
e silenciosos, buscariam sítio para nidificar? No ângulo do alpendre,
acumulara-se a hera, a buganvília dera um jeito e aquele amontoadozinho de
folhas secas de braço dado com as verdes afigurava-se-nos cama ideal para
ninho. Mas, por mais que sorrateiramente espreitássemos, nada lobrigávamos. E,
todos os dias, a horas diferentes, quando adregava virmos cá fora, lá estava um,
empoleirado na vedação . Olhava para nós,
um bem tímido pipilar e fugia para
as mulatas. Procurávamos não fazer barulho, não fosse haver enjeitamento. Lembro-me
de, em pequeno – junto de casa havia carrascos, o local preferido para as
felosas pretas – meus pais me dizerem que não me aproximasse muito, para os
pais não enjeitarem os ovos ou, o que seria pior, as crias!
Havia
uma ideia fixa: os meninos têm ninho
ali à frente e havemos, um dia, de descobrir. E descobrimos! Mas sob a varanda,
aconchegadinho nos grossos fios eléctricos e nos braços da trepadeira. Um ninho
bem bonito, mui cuidadosamente arquitectado com as folhas mortas e penugentas
da palmeira próxima. Discretamente, um buraquinho redondo lateral, de uns três
centímetros de diâmetro, era a entrada.
Agora,
já os vemos entrar e sair mais amiúde, por vezes com cibos no bico. E creio que
se habituaram bem à nossa presença. Aliás, evitamos andar por ali e fazer
barulho e recomendámos ao Spike (o nosso labrador) que não ladrasse ao Baltazar
(o nosso cágado) quando ele viesse apanhar sol no tapete da entrada.
São
os nossos «meninos» desconhecidos.
Nunca
pensei que um ninho assim ainda mais nos envolvesse de ternura. No respeito por
vidas tão pequenas!
José
d’Encarnação
Publicado em Renascimento
(Mangualde), nº 730, 01-05-2018, p. 10.
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