sábado, 19 de maio de 2018

Murmuram ou cantam as fontes?

             Quando, pela década de 90, fui incentivando os meus estudantes do Curso de Especialização em Assuntos Culturais no Âmbito das Autarquias a que preparassem relatórios de estágio sobre o aproveitamento da água nos respectivos concelhos, pareceu-me ter encontrado, a princípio, alguma relutância. Pouco a pouco, porém – como sói dizer-se e aqui de forma bem apropriada, «água mole em pedra dura…» –, a consciencialização surgiu.
            É que a preocupação pelo abastecimento domiciliário de água levara ao abandono de poços, de fontanários, de nascentes, até porque outros ‘valores’ empresariais vieram, paulatina e mui sorrateiramente, a ganhar terreno e sabemos, na factura mensal, o que hoje esse capitalismo significa e nos dói.
            Acabaram por apresentar-se, pois, com muito agrado, no âmbito do Património, levantamentos deveras interessantes e, sobretudo, começou a generalizar-se pelo País a preocupação em voltar a olhar, agora com outros olhos, para esses ‘monumentos’ de antanho.
            Municípios houve – e recordo Sintra, S. Brás de Alportel… – que alindaram esses recantos, reabilitando-os e incentivando os habitantes, mediante singelo ordenamento urbanístico, a deles usufruírem melhor, para piqueniques e festas de aniversários, por exemplo.
Numa das fontes valorizada pelo município de S. Brás de Alportel
            Regozijei, por conseguinte, ao verificar que, numa das suas crónicas do seu mais recente livro – «Digressões Interiores – 2», a que já aqui me referi – o Doutor João Lourenço Roque tenha desabafado:
 
            «Entristecem-me as fontes abandonadas que já ninguém procura ou sabe onde ficam. Mataram a sede a tanta gente, ouviram conversas e segredos que davam um romance. Algumas até já secaram, perdidas no esquecimento ou desgostosas de só verem bichos e matagais. Outras ainda esperam por algum pastor ou eremita sequioso de águas puras, de águas bíblicas» (p. 203).

            Eu não saberia escrever assim; mas ouso fazer minhas as suas eloquentes palavras.

                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 731, 15-05-2018, p. 10.

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