No capítulo «O
adestramento do poder de observação», do seu livro A Arte de Estudar (Porto:
Educação Nacional, 1943, p. 69) propõe Mário Gonçalves Viana a seguinte
experiência:
«Se
por acaso alguém vos disser que acabou de ser apresentado a Fulano, com quem esteve
a conversar toda a tarde, perguntai-lhe de chofre:
–
¿ De que cor são os olhos desse indivíduo?
–
¿ De que cor era o fato?
–
¿ Que feições tem ele?
–
¿ A gravata era de laço ou de nó?
–
¿ Tem algum sinal particular no rosto?
–
¿ Usa, na conversa, alguma palavra-parasita?
–
¿ Qual é o seu gesto característico?
Disparai
esta e outras perguntas idênticas à pessoa que esteve toda a tarde com o
referido Fulano, e, regra geral, ela ficará desolada, por não saber responder-vos
a nenhum destes quesitos:
–
É curioso… Não reparei».
Olha-se,
mas não se vê.
Em
todas as ciências, quer nas ditas humanas e sociais, quer, sobretudo, nas experimentais,
a atenção ao pormenor assume importância capital. Todas as grandes descobertas,
sabe-se, se ficaram a dever à observação de algo que, até então, passara
completamente despercebido.
Sempre
o Homem gostou de deixar rasto da sua passagem, por exemplo através de letras
gravadas na pedra. Para que as lessem. «Amo-te pequenina» foi mensagem pintada a
negro, bem à vista, num painel da estrada para Venda do Pinheiro; está lá, há anos;
certamente a «pequenina» o terá lido – para consolo do seu louco amante.
De
facto, não basta escrever; importa que o destinatário leia o que se escreve.
Por conseguinte, se se talham letras no mármore, urge fazer para que fiquem visíveis.
Habitualmente, recorre-se à pintura, porque – ainda que gravadas em bisel com
badame – só em especiais condições de iluminação o claro-escuro funciona.
Temos,
pois, ideia de que muitas inscrições romanas, Para melhor se lerem, poderiam
ter sido pintadas, embora, na actualidade, essa pintura se tenha totalmente
perdido. Disso se procurou dar conta no Arquivo Epigráfico de Idanha-a-Velha, mostrando algumas inscrições pintadas
(fig. 1).
Isso mesmo se
vê nos cemitérios, de que, a título de curiosidade, pelo seu significado
sociocultural, se apresenta um testemunho. Morreu um soldado em combate; isso
se assinalou na fachada do jazigo de família; veio o 25 de Abril, essa morte
deixou de ser ‘heróica’ e motivo de orgulho; repintou-se, por isso, o nome e
deixou-se por pintar a causa da morte (fig. 2).
O letreiro invisível
Sirvam estas
reflexões para introduzir a história que o Doutor Carlos Fabião teve a gentileza
de me contar.
Enviou-me
a fotografia (fig. 3),
de um trecho marmóreo da entrada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Nada de especial: a parede com placas rectangulares, mármore branco e rosado, como
era de uso nas construções do Estado Novo.
Fiquei
deveras intrigado: que motivo teria levado Carlos Fabião a enviar-me estas
imagens?
Decidi-me,
então, a usar um daqueles truques a que hoje se recorre para descobrir o
oculto. E a surpresa surgiu! (Fig. 4).
A intenção
estava clara: milhares de pessoas têm passado por ali, ao longo de décadas.
Quantas se terão apercebido da existência do letreiro?
EDIFICIO CONSTRUIDO
PELO
MINISTÉRIO
DAS
OBRAS
PUBLICAS
1958
José
d’Encarnação
Publicado em Duas
Linhas,1-03-2023: https://duaslinhas.pt/2023/03/o-letreiro-invisivel/
 |
Fig. 1 - Inscrição romana, com letras pintadas agora.
|
 |
Fig. 2 - Pintura selectiva
|
 |
Fig. 3 - A parede nua
|
 |
Fig. 4 - O letreiro invisível
|