domingo, 29 de setembro de 2019

Uma exposição na Junta, em Cascais!

              Não é hábito dos serviços de comunicação da Junta de Freguesia de Cascais e Estoril divulgarem as iniciativas que a Junta leva a cabo. Ou, pelo menos, raramente essa informação me chega. É pena, porque, como se sabe, não basta fazer, é preciso também dizer que se faz. Não para efeitos eleitorais ou de propaganda mas sim de… publicidade, entendendo por esta palavra a arte de tornar público, de dar a conhecer.
            Foi o escultor Óscar Guimarães, quando presidente, que fez questão em criar a Galeria JC, aproveitando para o efeito o bom espaço do rés-do-chão da sede da Junta, então só de Cascais, mas também a então Junta do Estoril lhe seguiu o exemplo. Tem-se ideia que há para aí (e também para o Estoril) uma programação cuidada, sobretudo virada para artistas locais, quer naturais do concelho, quer oriundos doutros países e aqui residentes, mas de inaugurações, prazos e artistas só indo lá é que se sabe. É pena!
            «Um Olhar Brasileiro sobre a Baía de Cascais» é o título geral da exposição que na galeria está patente até ao dia 31 de Outubro.
            Três artistas brasileiros: Rogério Tunes, com pinceladas fortes, quase dramáticas, de que a Marina aqui reproduzida pode ser exemplo; Márcio Atherino, numa preferência pelas figuras estilizadas, em ar bonacheirão («Sorriam! Vocês estão em Cascais!» – é o título do quadro dele que se reproduz); Olívia de Oliveira, por seu turno, deixou-se inebriar pela paisagem, de que é testemunho a serenidade quente do seu pôr-do-sol – e fez bem, que o pôr-do-sol cascalense, em Setembro, é pleno de romantismo e beleza!...
            Portanto, Amigo, se lhe adregar passar pelo centro da vila, dê uma saltada à salinha da Junta de Freguesia e gostará de ver a exposição que lá está!

                                                                    José d’Encarnação
 
Marina, de Rogério Tunes
«Sorriam, vocês estão em Cascais!» - de Márcio Atherino
Pôr-do-sol - de Olívia de Oliveira
                                                                   

Um musical para apreciar!

              Difícil será compreenderem os que eram menininhos ou ainda nem sequer tinham nascido nos primórdios da década de 70 o que então se viveu, a ‘revolução’ que se sentiu, a lufada de novos ares que, um pouco de toda a parte, mas sobretudo dos Estados Unidos, começara a soprar.
            Terão ouvido já falar na «Febre de Sábado à Noite» e imaginarão aquele desejo de, após uma semana de estudos ou de aturado trabalho, o que apetece é ir dançar, espairecer…
            Assim foi, de facto: essa febre irrompeu! Só que não havia assim tanta facilidade de meios financeiros e, por outro lado, também o que se chama ‘liberdade’ de acção, mormente para os jovens, não atingira – nem viria a atingir de imediato – os padrões a que hoje estamos habituados. A família, o parco salário, a ideologia reinante funcionavam, necessariamente, como entraves para uma explosão!
            Essa é a história que se conta no musical, que tem o título inglês Saturday Night Fever e que, desde o passado dia 19 de Setembro, se apresenta, nas noites de quinta a domingo, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril, numa versão encenada por Paulo Sousa Costa, com base no filem do mesmo filme, numa produção da Yellow Star Company, que já nos brindara com um musical do mesmo género, Grease.
            Actores-bailarinos recriam e divertem-se com toda a história, a que a possibilidade de rápida movimentação de cenários e de criação de espaços em altura que o palco do Casino mui apropriadamente proporciona empresta dinamismo singular.
            Apetece dançar também e, de resto, os actores até nos convidam no final para dançarmos com eles, porque o palco desce à plateia.
            Assisti à estreia e não posso deixar de referir o excelente ‘aperitivo’ que os três jovens do JLT Crew, de Lisboa – São Tomás Santos, Joana Gonçalves e Leonor Leucádio – nos serviram. Nos minutos antes de o pano correr, bailaram eles diante de nós, demonstrando um saber, um treino, um virtuosismo dignos do maior encómio. Um delicioso aperitivo, acreditem! Estão de parabéns! Como o está também toda a companhia!
                                                           José d’Encarnação

Todo o elenco de actores e bailarinos
Difícil obter uma imagem bem focada, tal a energia!...
Os três jovens que, mui animadamente, nos serviram o aperitivo dançado!

Patrimoniices cascalenses 36 - Arte nova no Alto Estoril

              A intenção de apresentar em pormenor este azulejo, que ornamenta a fachada de uma casa no Alto Estoril visou, fundamentalmente, chamar a atenção para o facto de ser essa uma zona do concelho de Cascais onde, no começo do século XX, os arquitectos se aprimoraram não apenas no requintado e original desenho das moradias mas, de modo especial, na escolha dos seus ornamentos azulejados.
          Bem sei que também o Monte Estoril é viveiro desses exemplares. De facto, a época é a mesma, a Arte Nova seduzia, mormente na aplicação de frisos em que os motivos ornamentais se desdobravam em motivos florais estilizados, avultando aqui a além uma figura, de inspiração mitológica, religiosa ou, simplesmente, imaginada do quotidiano.
            No caso vertente, seríamos tentados a ver na elegantíssima figura feminina a deusa Flora, tão rodeada ela está, mormente em torno da cabeça, dos atrás referidos motivos florais, caros à estética da Arte Nova.
            Onde se situa o prédio? Ora aí está o segredo! Não o poderia desvendar, porque a intenção é precisamente a de sugerir um passeio atento e vagaroso pelas ruas do Alto Estoril sobranceiras ao Vale de Santa Rita!
                                                                        José d’Encarnação

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Se forem de boa parreira…

              Tive o privilégio de receber comentários à crónica da passada edição, em que voltei a debruçar-me sobre termos e expressões típicas de Algarve e, concretamente, do nosso Barrocal.
            Tanto a nossa vice-presidente Marlene Guerreiro manifestou apreço, como Sofia Silva que, depois de me perguntar «como vai a ganga?», expressão típica de seus avós, garantiu ser esse um tema que lhe era «muito querido!».
            Apreciei.
            Maria Manuel Valagão, por seu turno, exclamou:
            – E que vivam as escaidinhas de uvas, especialmente se forem de boa parreira!...
            Claro, lá vinha o nosso termo: parreira!
            Permita-se-me que realce o agrado de Maria Manuel Valagão, por ser uma são-brasense bem conhecida pelos seus livros, no âmbito dos «comeres» (perdoe-se-me se não escrevo nem ‘culinária’ nem ‘gastronomia’, porque ‘comeres’ é mais do nosso jeito).
            Pois, a propósito do livro Vidas e Vozes, datado de 2018 (que M. M. Valagão escreveu com Nídia Braz, ilustrado com excelentes fotos de Vasco Célio), explicou Miguel Esteves Cardoso, na sua crónica do Público de 9 de Abril (p. 7), sob o título «O livro do peixe», que «sem os livros dela não se consegue verdadeiramente apreciar aquilo que fazemos e comemos».
            E acrescentou:
            «Infelizmente, há pessoas que se desinteressam quando lêem que ela é uma académica e investigadora. Sim, ela sabe trabalhar e recolher depoimentos. Mas é a maneira airosa e entusiástica como escreve e a inteligência das escolhas que faz que tornam os livros dela literalmente imprescindíveis».
            «Falta uma vez prá primêra» – diria meu pai – para que esses livros, deliciosos retratos dos costumes autênticos da nossa gente, não sejam devidamente apreciados.
            Apetecia-me brindar! E surgiu-me logo outra frase de antanho, quando, a determinado momento de servir um cálice de medronho para o brinde, ele acabara entretanto:
            Nam botes qu’eu nam bebo!
            Soltava-se uma gargalhada, o dono da garrafa saía airoso do desaire e… o convívio continuava, pois então! Não havia medronho? Haveria de figo e umas azêtonitas britadas!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 274, 20-09-2019, p. 13.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

A alternativa

            – Está de serviço a Farmácia Nêspera!
            – Bolas, logo essa! Onde é que se vai estacionar o carro?...
            Ouvi. Magiquei no que poderia ser uma reacção alternativa, melhor:
            – Boa! Há um ror de tempo que não vou ao centro da vila! Sempre é um pretexto para ver como o alindaram agora!
ooo
            A condutora teve de fazer uma manobra rápida para fugir a dois inesperados buracos da rua.
            – Queres atirar o carro para onde? (o tom, áspero, de censura).
            A alternativa:
            – Boa destreza, menina, boa destreza! Aliás, eu até acho que eles deixam os buracos para nós treinarmos a condução!... (E a gargalhada soaria).
ooo
            – Telefonou a Genoveva a saber como decorrera o funeral da Marquinhas.
            – A senhora foi enterrada, não?
            A alternativa:
            – Sempre uma atenciosa, a Genoveva. Ela adorava a Marquinhas e não pôde ir ao enterro.
ooo
            O Artur bateu com a janela um tudo-nada mais forte.
            – Foi pena não a teres partido! (A voz era agreste, maldosa!...)
            A alternativa:
            – A aragem ia-te enganando!... Vá lá que conseguiste tirar o dedo a tempo!…
ooo
            Poderia continuar a lengalenga de flagrantes da vida real, em que a palavra violenta detém primazia. Palavra que, no fundo, ainda massacra mais quem a diz do que os alvos que atinge. Faz pena!
            Cenas tão correntes, afinal, no dia-a-dia, sem que do seu reflexo emocional raramente nos consigamos aperceber. Setas venenosas que ferem mesmo! Em primeiro lugar, quem as desfere também!
                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 761, 2019-09-15, p. 11.

Sandra Catarino, escritora cascalense

© Vera Machado da Costa
      
             Sandra Catarino nasceu em Cascais (1972). Nas escolas de cá fez os seus estudos para ingressar na Faculdade onde se licenciou em História. Seduziu-a o ensino (fez pós-graduação em Ciências da Educação) e a essa missão de leccionar se dedicou, até que o gosto pela escrita falou mais alto e à escrita pôde entregar-se, seguindo a paixão de sempre.
            O seu 1º romance, Os Fios, publicado pela Casa das Letras (Lisboa, 2018), apresentado na Buchholz a 12 de Outubro, figurou entre as três obras nomeadas pela Sociedade Portuguesa de Autores para o Prémio Autor 2019, como «melhor livro de ficção narrativa», ao lado de «A Saga de Selma Lagerloff», de Cristina Carvalho, e «O Invisível», de Rui Lage. A cerimónia da atribuição dos prémios decorreu no Centro Cultural de Belém, a 27 de Março.
            Nada e criada nesta vila, expectável seria que em ambiente urbano as suas personagens se movimentassem, aproveitando para escalpelizar vivências, suas ou alheias. Não. E essa pode ser, de facto, a primeira grande surpresa.
            Poderá o título lembrar aos que nos dedicamos à História Antiga personagens como Ariadne, que, de um fio se serviu para lograr entrar e sair do labirinto – e de fios necessitamos amiúde para nos desenvencilharmos dos labirintos em que se nos vai a vida… Ou a astuta Penélope, fiel ao seu Ulisses, a desfazer de noite o manto que tecera de dia – e a estratagemas desses tanta vez não temos de recorrer para não soçobrar!...
            Mas é mesmo de fios de tecer que o livro trata, na medida em que Antónia, uma das narradoras, viúva de marido insensível («Naqueles tempos, já se sabe, o Ramiro tinha uma junta de bois, e isso era o mais importante» – p. 73; «Tivemos dois filhos mas nunca demos um beijo» (p. 74), se entretém nas horas vagas a fazer mantas que «dava aos latoeiros, que andavam sempre rotos e tinham uma casa gelada no Inverno» (p. 75). E esse marido, um dia, «fez uma fogueira ao jeito das queimadas e deitou as mantas ao fogo. Da janela da casa podia ver os meus filhos pequenos, sentados ao longe, soluçando enquanto olhavam as chamas» (p. 75).
            Entretenha de fazer malha leva-nos, pois, a ambiente rural, num Portugal (supõe-se…) de interior, nos anos 40 ou 50 do século passado, diríamos, porque, nessa inventada aldeia de montanha, há candeeiros a petróleo, o fogo é a lenha, os «galos enfunam-se, abrindo os bicos para chamar a madrugada» (p. 130), secam-se «os figos sobre a esteira» (p. 165), houve «um ano em que o vinho gelou nas galhetas da igreja» (p, 80), onde neva e nem sempre há gasalho… Toda a gente se conhece, toda a gente se mete na vida alheia, toda a gente propensa a mexericos e, também, obviamente, a dar a mão, quando preciso, a quem de ajuda carece.
            O padre – presença ausente – só transparece por haver uma beata («a primeira a comungar, todos os dias enfiada na igreja coberta de mantilha preta de renda, mas com a língua mais afiada do que as facas de talhar carne» – p. 83.84). Não é, porém, dessa religião que se fala; das crenças populares, sim.
            Há a parteira, narradora ela também, triste por lhe ter morrido nas mãos a Senhora, salva que foi a menina parida: «Nunca perdi uma vida até àquela noite» – p. 39).
            Há a «senhora de virtude». Não se chama assim no romanece, mas a ela se recorre para mezinhas, males de amor, previsões….
            Há o misterioso estrangeiro, que, em noite de grande invernia, vem com a filhota, surgido não se sabe donde: Scusi, signora, piove molto e mia figlia è tutta bagnata. Potrebbe accoglierci nella sua casa? De falas raras, toca violino, envolto em mistério de permanente intriga e desconfiança: “Que é feito da mãe da menina?”
            Há o Senhor, mais ausente que presente, qual sombra a mal preencher o solar das laranjeiras, desvairado sempre com a inesperada morte da mulher.
            Há a fiel criada, que se torna a absorvente mãe adoptiva da criança sobrevivente.
            Há um professor que ensina a fazer pássaros de papel e é expulso…
            Há o moço que alinhava versos.
            E tudo se passa num ambiente em que ao concreto se ligam indissoluvelmente os «sinais», uns olhos femininos misteriosamente penetrantes, de uma «fundura cinza» (p. 71)…
            A poesia na sua expressão singela («escondeu a cabeça nos joelhos e chorou um lago» – p. 101), numa prosa límpida em que, por opção, o discurso directo se mistura com a narração e há uma frase que, de vez em quando, se desgarra, se isola – para que se não dê o caso de, distraìdamente, a não consigamos ler bem. Assim:
           
            «Sabe se também ela chorou um lago?» (p. 102).

            Um lirismo suave, consubstanciado, afinal, no amor de dois jovens que, perdidos, enfim se encontram, após bem tormentosas caminhadas.
+++
            Li, pouco depois, Teoria Geral do Esquecimento, de José Eduardo Agualusa, olhar arguto sobre a estranha Luanda dos primeiros tempos após o 25 de Abril, que termina assim:
            «E avançaram ambos em direcção à luz».
            No final do livro de Sandra, um pássaro «sobe acima das nuvens e continua, como se fosse directo ao Sol».
            Ambos os autores, sem disso se terem apercebido, a transmitirem-nos mensagem urgente: carecemos de Luz!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 295, 2019-09-18, p. 6.

sábado, 14 de setembro de 2019

«O mar começa aqui»

             «O mar começa aqui» foi o mote de uma campanha lançada pela empresa municipal Cascais Ambiente.
            No ofício, datado de 9 de Julho, mas que só chegou bastantes dias depois à caixa de correio dos tutores de bairro, explicava a vereadora Joana Pinto Balsemão que esta era a segunda fase de uma campanha que se iniciara a 22 de Março, Dia Mundial da Água. Pintaram-se, então, em «cerca de 500 sarjetas» quatro mensagens, com o objectivo de recordar que as sarjetas e os sumidouros se destinavam a «canalizar as águas da chuva para o mar». Tinha, pois, plena razão de ser a frase «O mar começa aqui».
            Na sequência dessa afirmação, vinha, pois, a advertência para que se não utilizassem as sarjetas e os sumidouros para neles se depositarem resíduos, «como é o caso das betas e dos papéis, as águas sujas de diversos tipos de lavagens e os resíduos provenientes de obras, como tintas e solventes», tudo detritos que muito contribuem para poluir os oceanos.
            Custa-nos ver, na verdade, que – junto a papeleiras ou mesmo a caixotes de lixo e, até, ecopontos – há quem deite pró chão aquilo que, com um pouco mais de cuidado, poderia facilmente ser depositado nos recipientes próprios, que, a maior parte das vezes, até estão mesmo ali, à mão de semear.
            Uma questão de cultura, dir-se-á; ou, se se preferir, de instrução. E, amiúde, há quem imagine ser também algo que tem a ver com o poder económico: são os pobres uns desleixados, sem educação… Lamento que assim possa pensar-se. E exemplifico. Passeio amiúde com o meu cão no Parque da Pampilheira. É um parque de estacionamento automóvel gerido pela Mobi Cascais, carote, que serve os utentes do Hospital CUF. Parte-se, pois, do princípio, que os seus frequentadores têm estudos, não fizeram apenas a antiga 4ª classe, muito carro topo de gama, de matrícula recente… Dir-vos-ei que, apesar das papeleiras dispersas por ali, topo, pelo chão e pelos canteiros, garrafas de plástico, beatas, sacos plásticos, resto de farnéis, para além, diga-se, abundantes detritos de canídeos em plenas faixas de rodagem…
            Voltemos, porém, à campanha «O mar começa aqui». A segunda fase decorreu a 12 de Julho. Não pude participar, por não me encontrar no concelho e não pude igualmente incitar os meus vizinhos a participarem, devido ao facto de só em cima da hora dela ter tido conhecimento. É que, na verdade, a ideia era genial: falar com o pessoal do bairro, designadamente aqueles de aptidões artísticas, a pintarem adequadas mensagens nas sarjetas. Não se especificava, no folheto que acompanhava o ofício da senhora vereadora, que frases poderiam ser, mas adivinha-se. Para mim, a melhor era mesmo: «O mar começa aqui». Não só porque é verdade, mas também porque – confesso – cada vez gosto menos de proibições. «Não deite lixo na sarjeta», «Não atire beatas pró chão», «Não despeje água suja»… Proibições, mensagens negativas… Tanto «não» acaba por aborrecer. E depois, se não despejo aqui, então onde é que eu despejo?
            É isso: a mensagem positiva, a incitar a fazer bem – precisa-se!… Até lhe dá gosto obedecer!                                                          

                                         José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 293, 2019-09-04, p. 6.

Elucidativo o desenho; negativas, as mensagens: «não», «não», «não»...

Farto, farto, farto!

             Poder-se-ia, quiçá, perguntar porque optei, nas últimas crónicas, pela tri-repetição. Tem razão de ser a pergunta e eu respondo.
            Primeiro, porque, no dia-a-dia, cada vez andamos a repetir as frases. Nem sempre temos sorte e, por mais que a água bata na pedra, há pedras duras de mais e não passamos da cepa torta!
          Depois, porque se está a tornar um hábito repetir a pergunta que nos fazem. Sei que, em ambiente de exame, o aluno repete não apenas para se aperceber se compreendeu a questão, mas também – e sobretudo! – para ganhar tempo, pois a repetição lhe dá azo a repensar na resposta.
            Em terceiro lugar, porque Amália Rodrigues agradecia sempre três vezes os aplausos e agora é que eu apreendi que se deve agradecer três vezes: bem hajam! Bem hajam! Bem hajam!...
           Neste caso, a minha intenção foi partilhar uma ideia. Aquela do copo meio cheio ou meio vazio, a visão optimista ou a pessimista.
            Todos a conhecemos e aproveito a pausa de Agosto – mesmo que não estejamos em férias, o País pára bastante, há menos trânsito, menos correio, muita repartição a meio gás… Gosto mesmo do mês de Agosto por causa disso, até há menos cães a passear e o meu Spike anda mais à vontade!...
           Pensei em frases negativas que oiço e aqui vão algumas, susceptíveis de denunciar como, amiúde, não estamos bem connosco nem com o mundo em que vivemos, o nosso mundo de familiares, dos amigos e dos vizinhos… assim como o mundo em que os políticos nos obrigam a viver….
            «Tem avondo!» – desta gosto. É a frase que podes dizer quando te põem um bom vinho no copo e te parece que já chega. Claro, aplicada à política, às asneiras cometidas por quem não vive o País real, «tem avondo!» é o mesmo que dizer «Chega! Vocês não percebem nada disto! Desçam à realidade!»…
            Há frases e palavras de que eu não gosto:
            – «Isto é tudo uma porcaria!».
            Não gosto da palavra nem da frase. Primeiro, porque muitos dias como carne de porco e sabe-me bem; depois, porque, o porco já não é criado, hoje em pocilgas mal-cheirosas; e, em terceiro lugar, porque nem tudo é sujidade o que se vê.
            – «Estou farto disto tudo!»
            Se calhar, não. O menino só está cansado é dalgumas coisas; mas… a culpa não será sua, de lhes dar importância de mais?...
            – «Bolas! Estás cheio de pêlos dos gatos! Nunca estás atento! É sempre assim! Todos fazem o mesmo!».
            Cheio, nunca, sempre, todos – vocábulos que nos enchem a boca. Felizmente, porém, não enchem (não deviam encher!...) os nossos dias!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 760, 2019-09-01, p. 12.