quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Tempos de capa e espada regressaram ao Estoril

            O beberete que, ao final da tarde de sábado, 18, ocorreu no Centro de Congressos do Estoril, teve como ambiente uma exposição singular, de cartazes de filmes de capa e espada de outrora, em que campeavam Errol Flynn, os mosqueteiros, D’Artagnan e tantos outros que fizeram as delícias da nossa juventude. Foi um bem agradável retorno ao passado, a preparar-nos para a gala final do Campeonato do Mundo de Esgrima Artística que, a partir das 18.45 h., nos encantou.
            Esgrima, afinal, ficou assim demonstrado, não é apenas o devaneio de uns quantos: é uma Arte, uma Técnica, um saber de longa experiência feito, um hino à não-violência através de atitudes à primeira vista violentas. E quando, mesmo nos filmes, se vêem cenas ‘de espadeirada’, nada daquilo é improvisado: há muito treino, muita perícia e… muita elegância também!
            No sábado, tudo isso ficou amplamente demonstrado e bem podemos agradecer a Mestre Eugénio Roque, que preside à Academia das Armas de Portugal, ter solicitado o apoio do Município de Cascais para aqui se realizar de novo o Campeonato Mundial de uma modalidade bem agradável de ver-se, campeonato que se realiza de quatro em quatro anos e que teve o seu início em 1996, em Lisboa... De resto, o elevado nível da esgrima portuguesa ficou bem demonstrado e foi largamente referido pelos especialistas que a Cascais se deslocaram.
            Aliás, com apresentação de Ana Zanatti e Ricardo Carriço, a sessão foi memorável, a culminar os dias anteriores de ensaios, competições e actuações ao ar livre. A Academia de Dança Antiga de Lisboa brindou-nos, no começo, com duas danças do século XVIII. O ponteiro das horas tocava as 19 quando, na categoria «solo», se deu entrada à equipa da Ucrânia, a interpretar «A espada da morte», que arrebatou a medalha de bronze; seguiu-se a Suécia, com um «Don Juan», que lhe valeu a medalha de ouro; apresentou a França o mito da Fénix renascida que luta (medalha de prata). Entregou os prémios o anfitrião, Mestre Eugénio Roque.
            Seguiu-se a categoria «Ensemble». Portugal apresentou «Goldfinger» (medalha de prata); a Rússia, «Sob o reino da ilusão», de bem bonita coreografia, que merecidamente lhe valeu a medalha de ouro; a Espanha, com «Crazy, crazy, Amadeus», obteve a medalha de bronze. Prémios entregues pelo Subcomissário José Pereira, Director do Serviço de Peritagem de Armas da PSP, e Presidente da Comissão de Segurança do Campeonato.
            O duelo medieval, naquela eterna luta pelo Santo Graal e pela perfeição e pela donzela amada, a Rússia inspirou-se na Guerra de Tróia, uma passagem da Ilíada que celebra a morte de Heitor (medalha de ouro); celebrou a Polónia a fraternidade nas armas (medalha de bronze); ganhou Portugal a medalha de prata com «O poder da espada», bem agradável coreografia. Entregou as medalhas Sua Alteza Real D. Duarte Pio de Bragança.
Na modalidade «Batalha antiga e medieval», apresentaram-se a Noruega, com um «Ninguém passa!» pleno de humor, que arrebatou a medalha de ouro; e a Rússia, com «Guerreiros em repouso», agraciado com a medalha de prata. Entregou os troféus Clauso Neves, vice-presidente da Federação Portuguesa de Esgrima.
Após o intervalo, na classe «Duelo Renascença / Século XIX», Portugal arrebatou a medalha de bronze; a equipa francesa, a de prata; e coube à Rússia o melhor galardão, o ouro – prémios entregues por Marcel Dubois, Presidente de Honra da Academia de Armas Internacional,
Na classe «Batalha Renascença / Século XIX», bronze e prata para a Rússia, o ouro foi para a França. Entregou os galardões Frederico Valarinho, Presidente da Federação Portuguesa de Esgrima.
Na categoria «Duelo Fantasia / Intemporal», as classificações dos finalistas presentes foram: Bronze – Alemanha; Prata – Noruega; Ouro – Cazaquistão. Mike Bunke, Presidente da Academia de Armas Internacional, subiu ao palco para galardoar os vencedores.
E, a terminar, na modalidade «Batalha Fantasia / Intemporal»: Bronze – Rússia; Prata – Noruega; Ouro – França. Os galardoados tiveram a honra de ser medalhados pelo Actor homenageado Gérard Barray.
No final, todos os participantes medalhados subiram ao palco, emoldurando homenagens a Claude Carliez, Mestre de Armas, Presidente da Academia Francesa, coreógrafo e actor, e a Gérard Barray, célebre actor que incarnou as figuras de d’Artagnan, Cyrano de Bergerac e muitas outras personagens em filmes de capa e espada e de aventuras. Foi-lhes oferecida uma espada de honra com a gravação “Homenagem da Academia de Armas de Portugal – 2012”. Agradeceram comovidos e aplaudidos por todos os presentes.
Usaram da palavra Eugénio Roque, Presidente da Academia de Armas de Portugal e do Clube Duelo, e Mike Bunke, Presidente da Academia de Armas Internacional. Trocaram-se lembranças, ramos de flores e distinções internas.
Enfim, uma tarde excelente que se prolongou noite adentro e a todos deliciou (recorde-se que, após cada apresentação, até os agradecimentos eram coreografados!...). E nota bem alta recebeu a organização e, de modo especial, a esgrima portuguesa, que está verdadeiramente de parabéns pelo seu elevado nível, por todos, de resto, reconhecido sem favor, como atrás se assinalou.
[Fotos gentilmente cedidas por César Cardoso].

Publicado na edição de 22-08-2012 sw Cyberjornal:  

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Azulejos de Lisboa desaparecidos

            «Azulejos de Lisboa desaparecidos, num relatório de Irisalva Moita», da autoria de José Meco, constitui, com notáveis ilustrações, um dos artigos que integram o mais recente volume (2011) do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa (IV série, nº 96, 1º tomo), ora em distribuição.
Maria João Pereira Coutinho, Sílvia Ferreira, Susana Varela Flor e Vítor Serrão dão, por seu turno, «Contributos para o conhecimento dos pintores de Lisboa na época barroca (1664-1720)» (p. 39-98); Virgolino Ferreira Jorge faz uma «síntese de caracterização tipomorfológica», bem ilustrada, das igrejas medievais dos Franciscanos em Portugal (p. 99-126). E Maria Micaela Soares, a directora sempre no activo, brinda-nos com dois textos da sua área das falas populares e da Etnografia: «O Porto da Vila de Povos» (p. 127-216), que nos fornece – para além de preciosas informações toponomásticas – um panorama da antiga vida piscatória fluvial na zona de Vila Franca de Xira, alicerçado em documentação que reproduz; e, em «A propósito de uma centenária linguagem parietal» (p. 217-235), delicia-nos com um ‘passeio’ pelos diferentes tipos de linguagem, nomeadamente a dos vagabundos (é esse o ponto de partida, ilustrado, do texto!), dos pedintes, dos ciganos… Vale a pena ler!
            E o voto é de que, se se encarar o fim da existência de mais esta Assembleia Distrital, o seu legado, consubstanciado em tanta investigação que patrocinou e, de modo especial, no seu valioso boletim, venha a ser adoptado por uma entidade que nessa senda possa prosseguir!

Publicado na edição de 14-08-2012 do Cyberjornal:

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A noite é o tema da nova Egoísta!

            Está em distribuição o nº 49 (Junho 2012) de Egoísta, revista trimestral editada pela Estoril-Sol.
Cada número é surpreendente e inesperado; daí que a revista haja alcançado já tantos prémios, mormente pela originalidade ímpar da sua concepção.
Assim, este número é circular e apresenta, na capa, a imagem da Terra vista do espaço, à noite. Margarida Rebelo Pinto, Nuno Lobo Antunes, António Barreto (bem eloquentes as suas «imagens perdidas»!...), Pedro Almeida Vieira, Fernando Alvim… são alguns dos nomes que assinam e/ou ilustram os sugestivos textos que compõem este número de 120 páginas, que não nos cansamos de… saborear!
Sendo os casinos palco privilegiado de actividade nocturna, era de admirar que o tema «Noite» ainda não tivesse sido escolhido. Foi-o agora e ainda bem, porque, mais do que nunca, necessitamos do silêncio da noite para reflectirmos sobre as maleitas dos dias: «Pois é na serenidade da Noite que se aprende o que o tumulto do Dia tantas vezes nos desensina», escreve Mário Assis Ferreira, o director, no postal manuscrito que acompanha o meu exemplar, concluindo: «Talvez por isso Portugal precisasse de Noites mais longas…». Oh se precisa!

Publicado no Cyberjornal, edição de 13-08-2012:

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Divulgar e usufruir património

            Falar em «património» sem outra especificação qualquer significa, hoje, referir-se ao «património cultural», tamanha a importância que se está a atribuir (felizmente!) aos monumentos, aos usos e costumes tradicionais.
            Quase poderia afirmar-se que «é bem» falar de património: enche a boca dos políticos; preenche páginas de revistas e jornais; dá azo a fotografias sugestivas e os textos ou se confiam a especialistas (o que é raro) ou airosamente se copiam de qualquer sítio ou blogue (o que é frequente!).
            Não me surpreendeu, pois, que o nº 31 (Maio 2010) da UP, revista da TAP, até pelas suas características – ver Upmagazine@tap.pt / www.upmagaine-tap.com –, haja dedicado a sua capa ao Minho, relevando os trajos, os bordados («Pode ser que Portugal seja o iniciador dos bordados pelo mundo» (Agostinho da Silva), com especial destaque para a singularidade dos lenços de namorados e seu uso tradicional e a filigrana. Anota-se que «o traje minhoto foi criado para a Exposição do Mundo Português de 1940, contrariando a nossa suposta identidade tristonha» (p. 2). Aliás, todo o número é dedicado ao Minho, «o exuberante berço de Portugal» e a revista UP anunciava nesse número que ousava sonhar mais alto: «tem como objectivo focar o que de melhor se faz em Portugal» (p. 7).
Confesso desconhecer se o propósito teve seguimento; contudo, as rubricas previstas ostentavam, sedutoramente, designações próprias da aviação:
1 embarque imediato: «Conheça um pouco as maravilhas de Portugal».
2 partida: «O fundamental sobre a região da capa».
3 bagagem de mão: «Aproveite para pôr a leitura em dia».
4 piloto automático: «Tudo o que o avião tem para lhe oferecer».
5 aterragem: «Saiba tudo sobre o universo TAP».
Louvem-se, por conseguinte, todas estas iniciativas. De louvar ainda mais as que visem um efectivo usufruto desse património por parte da população, mormente da que lhe está mais próxima e que, amiúde, o desconhece. Os habitantes locais devem ser os alvos primeiros dessa divulgação, para que sejam também eles os primeiros a zelar activamente pela sua defesa e conservação.

Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 598, 01-08-2012, p. 4.

Congresso aumenta responsabilidade camarária

Constituiu um êxito, do ponto de vista organizativo e científico, o XI Congresso Internacional de Reabilitação do Património Arquitectónico e Edificado, que teve como tema «O Património Ibérico» e se realizou em Cascais, de 12 a 15 de Julho, p. p.
            Nem sempre se dá o devido relevo a uma reunião científica internacional no que ela realmente significa para a localidade em que é levada a efeito. Na verdade, tal resulta de uma deliberação prévia da sua Comissão Internacional, em que são tidos em conta os mais variados factores, desde os meramente logísticos aos que se prendem com as características das entidades locais no que ao tema da reunião diz respeito. Do ponto de vista económico e turístico, a vinda de centenas de participantes corresponde a um incremento do consumo e, de regresso, se as impressões tiverem sido boas, cada participante é veículo privilegiado (porque culto) de uma promoção boca a boca, que resulta melhor do que panfletos e outras campanhas nem sempre devidamente estudadas nem correctamente endereçadas ao público adequado.
            Está, pois, de parabéns a Câmara Municipal de Cascais por ter aceitado a proposta que lhe foi endereçada através do ICES – Instituto de Cultura e Estudos Sociais, associação sem fins lucrativos fundada a 10 de Junho de 1998, sediada em Cascais, em instalações camarárias, posto que a sua actividade se desenvolve em estreita articulação com a Câmara, tendo como parceiro a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Como se sabe, tem sido o ICES o organismo promotor dos mediáticos Cursos Internacionais de Verão, que, orientados para temas específicos e de actualidade, trazem à vila especialistas de renome nacional e internacional. Coube também ao ICES a organização de um Mestrado em Estudos Regionais e Autárquicos, que, a exemplo do que já se fazia em Coimbra – aí numa estreita colaboração entre o Centro de Estudos e Formação Autárquica (CEFA) e a Faculdade de Letras – visa dar formação específica a quem, já licenciado, pretenda seguir uma careira de âmbito cultural numa autarquia.

Cascais, sede de uma organização internacional
            Está o ICES filiado numa federação que congrega os CICOP – Centros Internacionais para a Conservação do Património. Por isso, a Câmara Municipal aproveitou sabiamente o ensejo de aqui organizar este congresso para apresentar a sua candidatura de instalação em Cascais da sede do CICOP Europa. Havia mais duas candidaturas, a da Itália e a da Grécia, países em que as problemáticas do restauro e da conservação do património edificado são devidamente acauteladas; mas a votação recaiu sobre Cascais, que assim se une a Nova Iorque, Buenos Aires, Havana e La Laguna (Tenerife), como cidades-sede da Federação.
            Ao receber a informação, o presidente do Município não hesitou em afirmar que, se a decisão nos honra, «acarreta também uma grande responsabilidade», pois importa «fazer tudo para estar à altura da vossa confiança e de podermos beneficiar do vosso conhecimento e talento».
Trata-se, de facto, de uma responsabilidade acrescida, com que muito nos congratulamos se a Câmara a não enjeitar. E, para isso, é urgente dar uma atenção cada vez maior ao património cultural, nas suas diversas vertentes, designadamente a edificada e a paisagístico-ambiental.
Foi pecado mortal paisagístico a construção do Estoril Residence. Esperemos que não venham a constituir outros pecados mortais a excessiva volumetria prevista para o que vai substituir o emblemático Hotel Atlântico, em fase de desmantelamento, ou o projecto que se arrasta para o local do Hotel Miramar, destruído por um incêndio em 1975, no Monte Estoril.
A Câmara tem agora, nesse domínio, mais dilatada responsabilidade. E outros pecados mortais se antojam no horizonte: o que vai fazer-se do Cruzeiro, também ele edifício emblemático do Monte Estoril (goste-se ou não da sua traça, que foi a de uma época)? Como se resolvem (ou dissolvem) a esquelética carcaça em frente à estação dos caminhos-de-ferro de Cascais, uma vergonha à entrada da vila, ou o amarelão de Troufa Real, de azulejos a cair, possível super-esquadra da PSP, plantada em cima do passeio e que nunca mais ata nem desata?...

O património paisagístico
            Lutámos muito para que a A5 se não prolongasse até ao Guincho, porque tínhamos a certeza de que rapidamente se cederia à tentação de urbanizar o espaço envolvente. Ora, toda essa zona do Mato Romão, ou seja, desde S. Gabriel até à gurita (o marco geodésico do Selão) representa imprescindível salvaguarda da vila de Cascais. O mato que a cobre, além de ser repositório de espécies endógenas, é local de nidificação e, sobretudo, é o solo permeável que absorve as águas pluviais, impedindo-as de, em enxurrada, entrarem pelas povoações a jusante: Birre, Pampilheira, Cascais ocidental e Parque Marechal Carmona. Não podemos esquecer que é aí que nasce o Rio dos Mochos!
            Lutámos contra a peregrina ideia de aí se instalar uma cidade do cinema; ao que parece, porém, a urbanização desse espaço estará de novo, incompreensivelmente, em cima da mesa, no PDM. Incompreensivelmente, porque o parque habitacional do concelho já é mais do que suficiente; incompreensivelmente, pelas razões ecológicas apontadas.
            Sede europeia do CICOP, Cascais assume-se, pois, como defensora inquebrantável da biodiversidade, do património edificado que se deseja preservável, reconstruído, autêntico. Basta de super-esquadras, basta de «três parcas»! Que os senhores arquitectos famosos se inspirem no que foi feito em Janes, onde podem, perfeitamente, dar azo à sua imaginação e criatividade, mas… respeitando o ambiente e o enquadramento!

[Publicado no Jornal de Cascais, nº 319, 01.08.2012, p. 6].

As nossas falas

           Cada vez mais me seduz o encanto das palavras próprias de um quotidiano a esvair-se por entre os dedos uniformizadores da comunicação urbana, desgarrada e, porventura, propositadamente alheada do viver aldeão, esse, sim, em contacto com a Natureza concreta. Sou, porém, dos que pensam que a morte anunciada – ou o assassinato cruel – do paradigma socioeconómico para que nos arrastaram vai determinar um regresso ao terrunho no que ele tem de mais salutar
            E com esse retorno reavivar-se-ão as nossas falas, a tratar as coisas pelo seu nome e não pelas generalidades citadinas.
            – «Estou já bichosa», dizia-me a anciã.
            Quem há aí que compreenda à primeira vista o significado profundo da frase, colhida no pomar da maçã, essa sim, bichosa às vezes?!...
            – Pronto, lá estás tu a empencer comigo!
O dicionário traz «empecer», relacionando-o com empecilho, estorvo; mas, entre nós, nestas plagas meridionais, acrescentamos um n, a nasalar, que soa melhor e acerta mais no sentido que lhe queremos incutir: «meter-se», «aborrecer», «não largar da mão»... Melga!...

Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 162-163 (Julho/Agosto 2012) p. 10.