quarta-feira, 23 de maio de 2018

Ir à erva prós coelhos!


Aprendizagens agrícolas
           Em Abril de 1985, realizou-se, em Sintra, o Colóquio da Associação Portuguesa de Museologia sobre «O Museu Moderno: conceito e contextos», que incluiu a visita ao Casal de Pianos, uma casa que poderia considerar-se modelo da evolução por que os casais saloios haviam passado, mormente devido aos sucessivos acrescentos para as dependências destinadas aos filhos e, até, aos netos. A ideia era a de se consciencializarem os museólogos para as características singulares da arquitectura dita «saloia» e o seu possível aproveitamento museológico.
            De caminho, passámos por searas e, conversa puxa conversa, acabei por verificar que boa parte dos meus colegas não sabia distinguir as espigas do centeio das da cevada ou do trigo. E lá me entretive também a mostrar-lhes o aroma e o sabor adocicado das madressilvas em flor…
            Nada de especial para quem sempre conviveu com as tarefas agrárias, porque este Cascais ocidental me facultou essa aprendizagem.

As tarefas das crianças
            Tinham as crianças oriundas, como eu, da classe operária a necessidade de ajudarem os pais em tarefas que parecerão estranhas em demasia, porque, para se ir à escola não se vai hoje por caminhos de cabras, e os frangos vêm todos peladinhos e já assados, enquanto que, na altura, tinham as casas galinheiro e coelheira anexos, para apoio das finanças domésticas.
            Por isso, além de ter de ir buscar água ao chafariz ou à nascente com dois baldes de zinco (e não de plástico!) pendurados no chinguiço, eu era ‘convidado’ depois da escola a ir à erva prós coelhos! E foi assim que eu aprendi a saber distinguir as ervas más das que nos podiam ser úteis:
            ‒ as malvas, cuja ‘água’ é excelente para as lavagens desinfectantes das partes íntimas;
            ‒ a erva-cidreira, óptima para chás digestivos;
            - as amoras silvestres («Ai gostas de amoras? Vou dizer ao teu pai que já namoras!»);
            - os abrunhos, que era preciso ter cuidado com eles, porque, em excesso, poderiam provocar desarranjos;
            - os medronhos (alto, que embebedam!);
            - as amoras das amoreiras que deixavam nódoas difíceis, mas cujas folhas a gente apanhava para os bichos-da-seda…
            Mirtilos comíamo-los, com aquele sabor acre. Não tínhamos a menor ideia de que hoje iriam ser tão apreciados e, até, à primeira vista, temos dificuldade em os identificar com os murtinhos, como então lhes chamávamos…
A serralha
            Ervas prós coelhos: as serralhas, as mais apreciadas, pelo seu caule leitoso; a corriola, já mais para o Verão, que se agarrava toda, esparregada como estava pelo chão, e se arrancava pela raiz, enquanto as serralhas tinham de ser cortadas com o sacho na raiz… Mais tarde, era de subir aos «urmeiros», nome que dávamos aos ulmeiros (era o l mais difícil de pronunciar que o r…) e serrar umas pernadas mais folhadas, petisco para os roedores… Dava-se bem o ulmeiro, como planta de água que é, nas margens do Rio dos Mochos. Hoje, por mor da poluição, está em franco declínio. Achámos alguns no ribeiro de Freiria e pugnámos pela sua preservação. Vamos ver se se pensa nisso, que é árvore benquista pelos melros para nela fazerem ninho.

                                          José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 235, 2018-05-23, p. 6.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Sentir a três dimensões

             Passo diariamente, ao passear com o meu cão, sob um pinheiro do bairro. Outro dia, não resisti e fotografei-o cá de baixo. Impressionam-me sempre as voltas, reviravoltas, dobras e torceduras dos velhos ramos, em busca da melhor exposição à luz.
            Imaginei, imagino a luta de todos os seres vivos, cada um à sua maneira, para lograrem sobreviver e espreguiçar-se ao Sol.
            Quando me foi dado observar, agora, as peças escultóricas e as telas do jovem Filipe Curado, na exposição que celebra os seus 20 anos de carreira, surgiu-me logo a imagem do secular pinheiro do meu bairro. Na verdade, são assim as árvores do escultor. Lutaram, contorceram-se nas suas raízes, enrolaram-se na busca difícil da claridade em que a alvura do mármore resplandecia… E… desabrocharam!
            Explosão, diríamos, essas copas! Corais, esponjas, núcleos primordiais… donde brotarão formas a recompor! Sim, porque o desafio aí está, para cada um dos olhares: que vou eu fazer sair daqui?
            Inquietante, a mensagem, na sua génese. Consoladora, porém, se nela atentarmos melhor: são duas as árvores nascidas! Gémeas. Irmãs. No hino a recordar como, no estranho labirinto em que mui dolorosamente se nos vão as vidas, há por perto uma companhia fraterna, solene promessa de amparo!
            Suspenso está o jardim; mármores e telas transmitem-nos, no entanto, uma serenidade real.

                                                           Cascais, 8 de Maio de 2018                                

                                                       José d’Encarnação

Abertura do catálogo da exposição «Jardim Suspenso», do escultor Filipe Curado, patente na galeria do Casino Estoril desde 19 de Maio até 18 de Junho.

Patrimoniices cascalenses 8

                                Ora então descubra lá:
                                Onde é que isto está?


            Acertou quem intuiu de imediato que seria brasão de chafariz. Está, de facto, na fonte de Freiria, no vale que separa Polima de Outeiro de Polima, na freguesia de S. Domingos de Rana.
            Trata-se de típico conjunto arquitectónico, constituído pelo fontanário, com respectivo tanque de apoio ao vasilhame a encher, pelo bebedouro dos animais, tanque de passar e tanque de lavar roupa – como será costume, durante décadas, no concelho de Cascais, até porque assim a água não se esperdiçava, uma vez que passava de uns ‘compartimentos’ para os outros. E ainda hoje os rebanhos vão lá beber.
            O brasão – que ainda não foi estudado na sua simbologia e no eventual paralelismo com outros da mesma época – marca a propriedade da Câmara Municipal de Cascais, em 1928, sendo as siglas R P República Portuguesa.
            Registe-se que ali corre água permanentemente, oriunda do ribeiro que brota da rocha a centena e meia de metros a montante. Uma água refrescante e potável, de mui excelente sabor, quando, nos finais da década de 80, começámos as escavações na vizinha villa romana; hoje, por completo inquinada, por causa das fossas mal vedadas. Por isso, há duas bicas: a natural e a «da Companhia».
            Fotos de Guilherme Cardoso.
                                                                       José d’Encarnação

sábado, 19 de maio de 2018

Acolher quem nos procura!

              Acolhimento é palavra que diariamente nos assalta, ilustrada pelas imagens lancinantes de tantas famílias que fogem dos cenários da guerra sobretudo no Médio Oriente. Um prato que fazem questão em nos servir às refeições, saberemos quiçá, um dia, com que real finalidade, pois os responsáveis das nações continuam a dar mais importância aos benefícios que a guerra lhes traz, mesmo que, para os auferirem, os direitos humanos sejam mui religiosamente postergados…
            S. Brás de Alportel consagrar-se-á, porém, como um dos oásis procurados não por esses refugiados exangues mas pelos europeus, que vão sabendo que por aqui podem contar com um clima apreciável, uma biodiversidade preservada e mui singular hospitalidade.
            Regozijo-me, por conseguinte, que a autarquia são-brsaense tenha criado, em 27 de Novembro de 2006, o Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes. Na edição do mês de Março (p. 31), se fez um balanço da actividade que o Centro vem desenvolvendo, digna, sem dúvida, do maior encómio, pelo que representa de atenção às pessoas por parte da Câmara Municipal.
            Nessa local se anota que, de acordo com os dados oficiais, S. Brás tinha, em 2016, 10 662 residentes que integravam 51 nacionalidades diferentes. 10% da população! E sublinhava-se que essa diversidade cultural constituía «uma das maiores riquezas do concelho», justamente porque as diversas instituições locais lhe estão a prestar a maior atenção. Dentre elas, cumpre naturalmente destacar o Museu do Trajo através das múltiplas actividades que apoia e que fomenta.
            A intenção é continuar. E bom seria que «migrantes» fossem também, cada vez mais também, descendentes dos são-brasenses que, nas décadas passadas, se viram forçados a procurar subsistência em outras terras de Portugal e do estrangeiro. Até para proporcionarem, com o imprescindível apoio camarário, a reabilitação de tantas habitações e propriedades agrícolas que por aí jazem abandonadas.

                                                                       José d’Encarnação

P. S.: Congratulo-me com o interesse despertado pela crónica da passada edição acerca duma festa de beneficência no Corotelo. Realço o comentário de Sofia Silva, que agradeço:

            «A minha família é da zona interior do concelho de Loulé e também por lá se fizeram muitos eventos destes… Como a minha avó dizia “eram tempos de miséria”. Como eu digo, eram tempos com gente de muito valor!
            Deu-me a curiosidade… Será que não se trata de Agosto de 1957? Nesse ano, os dias 17 e 18 são ao fim de semana…»

            Fica assim esclarecida a data: 1957!

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 258, 20-05-2018, p. 13.

Murmuram ou cantam as fontes?

             Quando, pela década de 90, fui incentivando os meus estudantes do Curso de Especialização em Assuntos Culturais no Âmbito das Autarquias a que preparassem relatórios de estágio sobre o aproveitamento da água nos respectivos concelhos, pareceu-me ter encontrado, a princípio, alguma relutância. Pouco a pouco, porém – como sói dizer-se e aqui de forma bem apropriada, «água mole em pedra dura…» –, a consciencialização surgiu.
            É que a preocupação pelo abastecimento domiciliário de água levara ao abandono de poços, de fontanários, de nascentes, até porque outros ‘valores’ empresariais vieram, paulatina e mui sorrateiramente, a ganhar terreno e sabemos, na factura mensal, o que hoje esse capitalismo significa e nos dói.
            Acabaram por apresentar-se, pois, com muito agrado, no âmbito do Património, levantamentos deveras interessantes e, sobretudo, começou a generalizar-se pelo País a preocupação em voltar a olhar, agora com outros olhos, para esses ‘monumentos’ de antanho.
            Municípios houve – e recordo Sintra, S. Brás de Alportel… – que alindaram esses recantos, reabilitando-os e incentivando os habitantes, mediante singelo ordenamento urbanístico, a deles usufruírem melhor, para piqueniques e festas de aniversários, por exemplo.
Numa das fontes valorizada pelo município de S. Brás de Alportel
            Regozijei, por conseguinte, ao verificar que, numa das suas crónicas do seu mais recente livro – «Digressões Interiores – 2», a que já aqui me referi – o Doutor João Lourenço Roque tenha desabafado:
 
            «Entristecem-me as fontes abandonadas que já ninguém procura ou sabe onde ficam. Mataram a sede a tanta gente, ouviram conversas e segredos que davam um romance. Algumas até já secaram, perdidas no esquecimento ou desgostosas de só verem bichos e matagais. Outras ainda esperam por algum pastor ou eremita sequioso de águas puras, de águas bíblicas» (p. 203).

            Eu não saberia escrever assim; mas ouso fazer minhas as suas eloquentes palavras.

                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 731, 15-05-2018, p. 10.

terça-feira, 15 de maio de 2018

Ainda a história do mercado

           Agradou-me, de facto, ter sido publicado com tanta informação o livro sobre a evolução história do mercado de Cascais, a que já houve oportunidade de me referir na passada edição.

Manancial de informação
            Recordo que se informava, por exemplo, que houvera uma transferência, do mercado, da zona por onde depois passou a marginal «para a Parada, para o local onde haviam funcionado os lavadouros e antigas oficinas municipais» (p. 24).
            Informação como esta, à primeira vista insignificante, detém, na realidade, um grande alcance para quem deseje estudar a evolução urbanística da vila. Deveras interessante a referência a lavadouros nessa área da Parada, o que é capaz de fazer sentido se pensarmos que passava não muito longe o Rio dos Mochos e, porventura, a conduta que abastecera outrora o Convento de Nossa Senhora da Piedade.
            E o livro está pejado de pormenores que, bem analisados, constituem verdadeiros achados. As fotografias das páginas 32 e 33, por exemplo… ¿quem, natural de Cascais, resistirá a não olhar para elas com a maior atenção, na tentativa de discernir o que hoje resta das casas aí mostradas?
            Vamo-nos entretendo a ver datas, documentos oficiais, carimbos de casas autografados, recortes de jornais… até às renovações já da nossa época, a requalificação levada a cabo em 2014, ano que marca, como aí se proclama (p. 62) «o efectivo regresso do Mercado da Vila à vida dos cascalenses, dotado de nova imagem e espaços renovados, bem como da centralidade de outros tempos».

O novo conceito
            Mais abrigado e menos perturbador do que a esplanada frente à Praia do Peixe, o recinto do mercado presta-se, na verdade, a acoitar os mui frequentes eventos que animam a vila. De resto, um pouco por toda a parte, os mercados tradicionais (veja-se agora o encerramento do do Bolhão, no Porto) se renovam, irmanando os costumes tradicionais com as exigências da modernidade.
Um saloio da Malveira em azulejo do mercado de Cascais
            Direi que apenas apreciei uma frase que li de soslaio e que dava a entender que se pensava que à dos saloios era mais barato, mas não era! Eu acho que era, porque – nessa altura – não havia os impostos que hoje há e os produtos vinham da terra para a banca, como escreve Carlos Carreiras (p. 3), os produtos «carregam o peso da identidade de um produtor ou de um artesão da terra». Em menino, vivendo em Birre, eu adregava ir, na tarde do dia anterior ao da «praça», ajudar a Rosa do Ti António Fernando ou a Ti Adelaide a apanhar nabos a caminho da Areia, nas terras de cultivo que aí tinham, abrigadas como estavam das aragens da maresia pelos toscos muros de pedra solta (alguns ainda por aí resistem!). Tudo era simples e natural!

Instantâneo da praça saloia, num desdobrável turístico de há anos...
Uma proposta desonesta
            Eu cá gostaria que as publicações da Câmara passassem a ter o mesmo formato.
            As minhas prateleiras da estante que tem os livros sobre Cascais são pistas de motocross: aos altos e baixos! Alturas diversas, modelos díspares. Veja-se a colecção do centenário; veja-se a série «Memória de Cascais» ou os livros dos Cursos de Férias… Sei que os gabinetes gráficos gostam de mostrar originalidade. Mas tanto!...

                                                              José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 233, 2018-05-09, p. 6.

domingo, 13 de maio de 2018

Patrimoniices cascalenses 7

                                                             Ora então descubra lá:
                                                             Onde é que isto está?


            Acertaram, claro está, quantos apontaram para a capela da Quinta de Manique, em Manique de Baixo, na estrada para Tires. E Carlos Inocêncio acabou por incluir a fachada toda, para que melhor se identificasse o pormenor.
            Estamos perante a capela – que, em seu tempo, também servia a população – de uma das mais bonitas quintas senhoriais do interior do concelho de Cascais. Rica é a mansão em azulejaria, por exemplo; deleitosos os jardins, com recantos deveras românticos.
            É particular e, por isso, tanto a sua manutenção como a eventual abertura ao público depende do seu proprietário.
            Quanto ao corpo mumificado lá existente, direi que o prior que, em 1758, respondeu ao inquérito do Marquês de Pombal, refere o seguinte: «[…] ermida, na quinta de Rodrigo de Sanches, a que chamam Nossa Senhora do Pilar, tem romaria em 29 de Setembro, com três dias de feira a Santa Agatamera; é franca”.
            Existe lá singela placa funerária epigrafada, seguramente datável, pelo tipo de letra, do período paleocristão, onde se lê: AGATEMERA / D(omini) IN P(ace) XII (duodecimo die ante) K(a)L(endas) FEB(ruarias): “Agatemera na paz do Senhor no 12º dia das calendas de Fevereiro”, ou seja, a 21 de Janeiro. Omite-se o ano; o mistério permanece.

                                                           José d’Encarnação

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Rui Massena encantou com as suas novas sonoridades

            Longo aplauso de pé, a exigir actuação complementar, sublinhou a actuação da Rui Massena Band, na noite de sábado, 5, no Salçáo Preto e Parta do Casino Estoril.
            Espectáculo singular, donde não pode sair-se indiferente: ou se gosta ou se detesta.
Instantâneo do espectáculo. Foto: Casino Estoril.
            Escrevi «espectáculo» e não «concerto». Concerto foi, sem dúvida; eu acentuaria, porém, a sua vertente global. Tivemos o Rui ao piano, o motor da engrenagem; tivemos os seus cinco companheiros, cada um a proporcionar-nos estranhos sons indizíveis:
            Sim, havia instrumentos de cordas: Bernardo Fesch no baixo, Daniela Silva no violoncelo, e Rui Moreira na viola arco; havia as baterias e toda uma parafernália de percussão (Sandro Mota e João Cunha); mas os sons – perfeitamente caldeados num grande apuro da sonoplastia, a cargo de João Paulo Nogueira – casaram mui harmoniosamente com os jogos de luz, sob a maestria de Nuno Salsinha. Por isso, foi espectáculo, genialmente urdido. Admiramos as sombras chinesas – que, amiúde, desaparecem executantes, desaparecem instrumentos e há apenas sugestões em pano de fundo para que, com maior intimidade, nos deixemos enlevar e envolver num mundo quase exótico, etéreo, galáctico… Para outros mundos vamos…
            Voluntariamente, creio, não foi distribuído programa, não nos explicaram donde vinham os sons, embora ousássemos identificar a pureza do xilofone, o suave passar dos dedos por harpejos ou as carícias em rude bilha elevada ao estatuto das sonoridades novas… Dizem que assim se penetra num mundo «neo-clássico», por o músico ter partido da música dita clássica e a ter vestido de novas roupagens. «Neo-clássico» grafado com hífen, para se não confundir com o Neoclassicismo antigo. Certo é que – como sempre – a inovação tem as suas fundas raízes e não podem fazer-se trechos assim sem um domínio perfeito da arte dos sons.
            Li que Rui Massena explicara, a propósito de uma das suas iniciativas, que «Abraço, Estrada, Alento, Liberdade, Dúvida, Borboleta, Amanhecer, Meditação e o Renascer» eram, para ele, «algumas das emoções traduzidas em sons». É-nos, de facto, impossível não comungar com os músicos, nesse ambiente onírico em que se movem. E todas essas são, não há dúvida, emoções que nos invadem.
            Gosta-se ou detesta-se. Eu gostei e aplaudi!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, 09-05-2018:

A actividade rotária em Cascais foi consignada em livro

              Lançou mãos o Comendador Joaquim Baraona à elaboração do livro «Rotary Clube de Cascais-Estoril – Meio Século ao Serviço de Cascais, da Comunidade e do Rotary Internacional», que tive a honra de apresentar, no passado dia 5 de Maio, por ocasião do almoço comemorativo do 48º aniversário do clube.
            Antes de sintetizar, a traços largos, as reflexões que tive oportunidade de fazer, direi que estiveram presentes membros de clubes amigos; foram lidas mensagens de congratulação; entregou-se um donativo à Associação Jerónimo Usera, uma IPSS com sede na Abuxarda e que tem como patrono o fundador do Instituto do Amor de Deus. O autor agradeceu todo o apoio recebido – nomeadamente do companheiro, desde a primeira hora, Alberto Maia e Costa, grande entusiasta pela concretização deste sonho – e apresentou uma panorâmica do que tem sido a actividade do clube, designadamente em prol da comunidade cascalense. Não esqueceu, por exemplo, o monumental presépio anualmente colocado na «rotunda de Cascais» (a Praça Sá Carneiro), assim como a desfeita perpetrada na Câmara quando esta deliberou colocar em esconsa escadaria a placa comemorativa dos 650 anos de elevação de Cascais a vila, que inclusive era previsto ser acompanhada por alusivo painel de azulejo, tudo oferta do Rotary.

            A sessão teve, naturalmente, o costumado ritual das sessões rotárias com a saudação às bandeiras, a apresentação dos membros e convidados, assim como os discursos da praxe.

O homem e a obra
            «A Montanha» é o título do livro, apresentado a 15 de Novembro de 2001 no Aparthotel Equador, que consigna apontamentos biográficos de Joaquim Baraona. Natural de Ourique (23 de Setembro de 1930), o autor pode, na verdade, assemelhar-se a uma montanha, na impressão que ela nos dá de fortaleza e desassombro.
O Governador do Estado do Espírito Santo,
Dr. Geron Camata, condecora Joaquim Baraona
            Em Cascais se notabilizou como empreendedor. Por isso, o COPCON o perseguiu, o que o obrigou a fugir para o Brasil, onde, na cidade de Vitória do Espírito Santo, de tal modo se evidenciou que lhe foi atribuída uma comenda. Ao assumir a função de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, não descansou enquanto não modernizou e ampliou o hospital, pertença da instituição. Recordo-me de que logo aí foi pioneiro: com orgulho me mostrou como as canalizações, ao contrário do que se fazia até então, ficavam fora das paredes, para mais fácil reparação em caso de rotura.
            Cedo se dedicou ao jornalismo. Quando, por desentendimento com a direcção do Dramático, a equipa de João Martinho de Freitas abandonou o jornal «A Nossa Terra», para fundar, a 25 de Abril de 1964, o «Jornal da Costa do Sol», Joaquim Baraona, perante a eminência de tão tradicional órgão de comunicação local vir a desaparecer, não hesitou em assumir a Direcção. Eram as instalações numa água-furtada do edifício colado aos Paços do Concelho. Aí me recebeu quando, no Outono desse ano de 1964, me propus como redactor.
            Viria a fundar, mais tarde, o «Tribuna Regional», onde os seus textos não davam descanso às entidades governativas, locais e centrais, na defesa dos legítimos interesses das comunidades.
            Foi visionário ao projectar para cada região ou município a série de publicações Personalidades, de que apenas acabou por publicar, com muito êxito, os dois volumes de Personalidades da Costa do Estoril (1995 e 1996). Foi visionário ao preparar para a zona de Ourique – ainda se não pensava em Alqueva nem se sonhava com turismo rural… – um grande empreendimento, que implicaria a componente venatória, a pesca, o desenvolvimento integrado.
            O livro ora dado à estampa consubstancia eloquentemente essa sua trajectória, em que sempre preconizou que não basta fazer, é preciso dizer que se faz, é preciso consignar em papel a memória – para que conste.
            Constitui o Rotary uma instituição de benemerência, fiel ao lema de «dar de si antes de pensar em si». Ao longo de quase 150 páginas se dá conta do que fez: o patrocínio à actividade das escolas, a concessão de bolsas de estudo, o apoio financeiro a entidades de solidariedade social… Registam-se os nomes, porque a obra se fez e se faz com pessoas!
            Estamos gratos por, entre uma intervenção cirúrgica e outra, Joaquim Baraona ter arranjado tempo, disposição e inquebrantável força anímica para levar a bom termo esta tarefa. Estamos gratos por o Rotary Clube de Cascais-Estoril, sem alardes, sem convocar multidões, prosseguir, na serenidade, o seu caminho de bem-fazer – como este livro claramente vem demonstrar.


                                                              José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 08-05-2018:
 

terça-feira, 8 de maio de 2018

A tradição mantém-se!

            Perpetuando uma tradição do concelho de Cascais de comemorar, com uma caldeirada, o 1º de Maio, reuniram-se, no habitual barracão – que é museu! – em Trajouce, os trabalhadores da pedra da freguesia de S. Domingos de Rana. A eles se têm associado, de há largos anos a esta parte, membros da Associação Cultural de Cascais, que à preservação da memória do trabalho da pedra vem dando a sua maior atenção.
            Vários desses trabalhadores já estão reformados, mas o bichinho do convívio anual mantém-se, em torno de um bem condimentado tachão com os ingredientes precisos, mui cuidadosamente seleccionados por um fornecedor – também ele já tradicional – do mercado de peixe de Cascais.
            Foram, este ano, cerca de trinta. E à saborosa caldeirada se junta o «vinho da terra», da ‘adega’ particular de um dos convivas, além do arroz doce e de um bolo que a esposa de um dos organizadores faz questão em oferecer.
            É tradição também que um dos canteiros use da sua imaginação para esculpir um troféu destinado a ser sorteado e que o vencedor oferece depois ao «Museu do Caracol», de Trajouce, fiel depositário desses troféus anuais. O deste ano resultou da sugestiva junção de duas pedras caprichosamente esculpidas não pela mão humana mas pela Natureza, em cuja base se gravou a data «1º Maio 18» – para que conste!
            Guilherme Cardoso, além dos instantâneos captados, fez a fotografia do grupo. E o convívio continuou tarde afora, não sem que faltasse o acordeão, a gaita-de-beiços e uma cana rachada para marcar o ritmo.
            Celebrou-se, enfim, o privilégio de se cimentar mui saudável companheirismo.

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 2018-05-07:
O tacho
Os convivas rodeados de velharias
E a música...

O trofeu, capricho da Natureza, que o Homem apreciou

A fotografia de grupo...
 

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Patrimoniices cascalenses 6


 
Ora então descubra lá:
Onde é que isto está?

Acertou quem apontou para a Bateria do Alto da Parede, embora a fotografia, propositadamente ‘cortada’, pudesse sugerir o «canhão de Alcabideche», que lográmos fosse preservado no arranjo urbanístico do Hospital de Cascais.
Tive oportunidade de dedicar a essa bateria uma dos capítulos (p. 190-197) do livro Dos Segredos de Cascais (2009):
            «Eram as peças de calibre 28 cm, encomendadas ao tempo de Fontes Pereira de Melo. Foram instaladas 6 (e a sua localização ainda hoje se identifica no chão). Agora dispõe de 3, estrategicamente colocadas. E isso é também uma singularidade da bateria da Parede, porque o normal é haver quatro peças e os estudos ingleses haviam sido feitos para 4 e não para 3 e a nossa gente soube adaptá-los muito bem.
Dispõe cada peça de elevador próprio para, do subsolo, até ela chegarem as munições adequadas. O sistema de comunicação era prático: uma campainha para chamar, um bocal à maneira antiga para falar… Tudo devidamente protegido e dissimulado».
Era para aguentar o disfarce vegetal e de tela que urgia, em caso de guerra, colocar sobre as três gigantescas peças (para que a aviação inimiga de nada viesse a suspeitar acerca da sua localização), que servia a forte argola em primeiro plano na imagem.
 
                     José d'Encarnação
 
 

sábado, 5 de maio de 2018

Mal me quer, bem me quer!

              Olá! ¿Tens cinco minutos para conversar comigo? Sim?... Nesse caso, deixa que te conte uma história.
            Quando eu era menino, passava pelos campos ao ir para a escola. E desde logo me encantaram as moitas de uma flor branquinha com uma rodinha amarela no meio. Explicaram-me que eram malmequeres e que a gente podia tirar as folhinhas uma a uma e ir dizendo «mal me quer, bem me quer, mal me quer, bem me quer» e pensava-se numa das nossas coleguinhas de que gostávamos, a fim de saber se a última folhinha dava «mal me quer» ou «bem me quer» e, assim, ficávamos a saber se o nosso amor (a gente pensava que era amor…) era, ou não, correspondido.
            Pela vida fora, acabei por saber que isso dos amores correspondidos não tinha que ver com a flor, mas sim com a nossa maneira de ser. E aprendi que aquelas «folhinhas» brancas não eram folhas mas pétalas; que faziam parte da corola, normalmente vistosa para atrair os insectos que ajudavam na reprodução dessas plantas; que a rodinha amarela eram os estames todos juntinhos, onde os insectos iam buscar pólen e que o conjunto dos estames se chamava androceu; e que havia também na flor o gineceu, conjunto dos carpelos, a parte feminina da planta. Muito mais tarde, vim a saber que androceu vem duma palavra grega que deriva de «homem» e que gineceu era o lugar reservado, numa cidade grega, às mulheres…
            Fiquei a saber essas coisas todas. No entanto, hoje, ao olhar para uma moita de malmequeres na Primavera, já não penso em namoradas nem em pétalas ou corolas, mas na beleza que essas minúsculas flores espontaneamente emprestam aos nossos campos. Abrem-se ao sol pela manhã e fecham-se quando a noite vai cair. E fico suspenso a admirá-las também!

                                                                                  José d’Encarnação
Publicado na edição de Maio de 2018 de Ponto & Vírgula, revista do Gabinete de Informação e Comunicação do Agrupamento de Escolas de Marinha Grande Poente, acessível em: http://gic.age-mgpoente.pt

quinta-feira, 3 de maio de 2018

O ninho

            Nunca me passara pela cabeça que seria assim tão importante no meu dia-a-dia ter um ninho junto à entrada da porta.
            Nós víamos dois pequeníssimos pássaros de penas castanho-claras esvoaçar da vedação para a buganvília. Carriças. Sim, parecia-nos que eram dois, não tínhamos a certeza, porque, se eram dois, pareciam-se tremendamente. Imaginámos: um casal. Pronto, um casal. Pelo jeito dos voos breves e silenciosos, buscariam sítio para nidificar? No ângulo do alpendre, acumulara-se a hera, a buganvília dera um jeito e aquele amontoadozinho de folhas secas de braço dado com as verdes afigurava-se-nos cama ideal para ninho. Mas, por mais que sorrateiramente espreitássemos, nada lobrigávamos. E, todos os dias, a horas diferentes, quando adregava virmos cá fora, lá estava um, empoleirado na vedação. Olhava para nós, um bem tímido pipilar e fugia para as mulatas. Procurávamos não fazer barulho, não fosse haver enjeitamento. Lembro-me de, em pequeno – junto de casa havia carrascos, o local preferido para as felosas pretas – meus pais me dizerem que não me aproximasse muito, para os pais não enjeitarem os ovos ou, o que seria pior, as crias!
            Havia uma ideia fixa: os meninos têm ninho ali à frente e havemos, um dia, de descobrir. E descobrimos! Mas sob a varanda, aconchegadinho nos grossos fios eléctricos e nos braços da trepadeira. Um ninho bem bonito, mui cuidadosamente arquitectado com as folhas mortas e penugentas da palmeira próxima. Discretamente, um buraquinho redondo lateral, de uns três centímetros de diâmetro, era a entrada.
            Agora, já os vemos entrar e sair mais amiúde, por vezes com cibos no bico. E creio que se habituaram bem à nossa presença. Aliás, evitamos andar por ali e fazer barulho e recomendámos ao Spike (o nosso labrador) que não ladrasse ao Baltazar (o nosso cágado) quando ele viesse apanhar sol no tapete da entrada.
            São os nossos «meninos» desconhecidos.
            Nunca pensei que um ninho assim ainda mais nos envolvesse de ternura. No respeito por vidas tão pequenas!

                                    José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 730, 01-05-2018, p. 10.

terça-feira, 1 de maio de 2018

«Atacar o Maio»

           Permita-se-me que, neste 1º de Maio, eu recorde não apenas o que foi a alegria esfusiante do primeiro 1º de Maio após o 25 de Abril, em que todos demandámos a orla, até ao Guincho, nos enfeitámos de flores e aplaudimos a Liberdade, mas também uma das tradições arreigadas no pessoal que trabalhava nas pedreiras do Ocidente cascalense.
Recorto o que escrevi em Cascais e os Seus Cantinhos (2002, p. 50-51):
«Eles por aí vinham, de Birre até à Barraca de Pau, do Zé Martins, e iam arrolando gente.
Era no primeiro de Maio.
Ninguém trabalhava nesse dia. Não se traziam da cova os blocos a-pau-e-corda; não se esponteirava um forro, nem brita se podia fazer.
Era sagrado o dia.
E eles por aí vinham, de garrafita de aguardente, figos secos (que haviam sobejado da safra do ano atrás), se calhar um punhado de bolotas. E batia-se à porta deste e daquele, para «atacar o Maio».
Penso que acabava tudo, mais para a banda de lá que para a de cá, na Taberna do João Gordo, no Cobre.
E jogava-se ao burro, ao chinquilho, ao dominó, às cartas… quando não se abalava até para as bandas da Guia, a juntar-se a outro grupo que por lá andava a preparar a caldeirada.»
                                              José d’Encarnação