quinta-feira, 28 de julho de 2011

Andarilhanças 11

Quiosques
A ideia foi genial, sem dúvida: promoveu-se concurso de ideias e implantaram-se os quiosques ganhadores em sítios estratégicos. Implantaram-se. E quantos estão a uso? E quantos a apodrecer? Na Pampilheira, por exemplo, parece que se destinou em exclusivo a deficientes a exploração do que se encontra no coração comercial do bairro. Excelente ideia também; mas… para vender o quê, se ali ao pé há de tudo?!... Apodrece, claro! Um dó d’alma!

A sociedade cascalense a nu
Não é vulgar romance de costumes. Prende-nos, é certo, do princípio ao fim, na trama bem urdida, de amores e de traições, da politiquice caseira. Constitui, porém, um portentoso retrato da sociedade cascalense destes primórdios do século XXI, ali posta a nu sem dó nem piedade. Causticamente. Nada escapa! Montra de personagens-tipo, com os seus tiques bem apanhados – e os seus podres também!



O cheiro a sangue
Não é apenas isso Barbershop, de Júlio Conrado. Do local se extravasa para o geral. Imaginar-se-ia, aliás, uma Cascais desgarrada de Lisboa, do País, do Mundo? Ná! Impossível! E o romancista, atento, desfere, a talhe de foice (não perde uma!...) frechadas bem certeiras!
Houve um incêndio na baixa lisboeta. Apenas um vulgar cidadão saiu do prédio, amparado por duas donzelas. Nada, pois, de particularmente digno de notícia:
«Tivesse havido mortos e feridos e outro seria o discurso das televisões. De pronto ampliariam a área do proscénio. Negligenciariam as jóias inteligentes do prédio. Ater-se-iam estritamente ao essencial: a retórica da desgraça e da culpa. Mas apenas um cliente solitário agarrado ao cós das calças, e um bocado de fumarada a sair pela porta, era curto material para criar um verdadeiro laço de intimidade entre os telespectadores habituados ao terror às refeições e quem tem por ofício fornecer-lhes essas abundantes rações de barbárie no horário nobre. Os critérios de manipulação de imagens destinadas a proporcionar, ao país real, fatalidade em dose de besta são muito exigentes hoje em dia. […] Passou de moda levar aos píncaros o dever cumprido. Cultiva-se a fealdade especular e o país acredita que é feio. Quando não é integralmente feio, não é notícia. Deixam-no sem espelho, condenado à fealdade eterna» (p. 186-187).

Vai abaixo!
Não, não estou a referir-me ao «amarelão» que saiu da arte impoluta de um dos excelentes arquitectos da nossa praça e que alguém, certamente por dificuldade de leitura da carta de implantação, acabou por botar em cima do passeio da Adelino Amaro da Costa, em Cascais. A super-esquadra que nunca mais é – e a leitura das actas das reuniões camarárias de 2010, por exemplo, mostram-nos que o beco dificilmente terá saída, apesar das promessas repetidas:
«Foi com muita satisfação que a Câmara Municipal de Cascais tomou conhecimento, através do Ministro de Estado e da Administração Interna, que a empreitada principal de conclusão da obra do edifício da Esquadra da PSP de Cascais vai ter início ainda em 2005, com um prazo de execução de 16 meses», lia-se em documento camarário de 23-06-2005!...
Não me refiro, pois, ao «amarelão» de azulejos a cair. Refiro-me ao esqueleto que vigia a estação de caminho-de-ferro da vila. Promessa garantida de presidente: vai abaixo! Para dar lugar a habitação e, ao nível da rua, a casas comerciais (mais umas…).
Ficamos, pois, a aguardar – que, nesta multissecular vila, era hábito as decisões terem largo período de incubação… Outros serão os tempos?

37º Festival do Estoril


Com a tenacidade que sempre o caracterizou, Piñeiro Nagy ousa manter a tradição do que foi, desde os anos 60 do século passado, um dos festivais de música erudita mais importantes do País. Este ano sob o signo do Mare Nostrum, tradição e inovação. Parabéns! E que continue a ser um êxito – até depois de amanhã, 29!


Publicado em Jornal de Cascais, nº 277, 27-07-2011, p. 6.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Andarilhanças 10

O túnel entupiu!
Passava da uma e meia da tarde de domingo, 9. O túnel de saída da praia do Tamariz entupiu, decerto pela primeira vez, com a multidão que ali se deslocara para o festival aéreo. Há, a meio, o estrangulamento da rampa que obriga a passar quase um a um.
Vinham as gentes de um entretenimento e não exigia pressa a saída. E se exigisse? Se por algum motivo o pânico se instalasse?
Bom teste foi para que as entidades repensem seriamente a situação.

Festival aéreo
Deram seguramente por bem empregado o tempo que passaram no paredão superlotado. Sinal de que é iniciativa que agrada, pelo que representa de arrojo, risco, novidade e aventura. Sinal também de que nossas debilitadas bolsas já não têm força para demandar outras paragens.
Mais de duas horas agradáveis, ainda que alguns compassos de espera hajam sido mais compridos do que seria desejável. E, por outro lado, com a moderna tecnologia, os custos não se teriam agravado assim tanto se a instalação sonora (suponho que a terá havido, pois fiquei junto da Piscina do Tamariz e nada ouvi) se tivesse alargado um pouco mais, para mais gente poder usufruir da explicação técnica acerca das acrobacias programadas e seus agentes. A distribuição de singelos panfletos pelos circunstantes, com o programa, também teria sido bem apreciada.

Exposições
Terminou, no dia 17, a exposição de fotografias, da autoria de Bert Stern, a última sessão de Marilyn Monroe. Cativante evocação de uma beldade mítica. Difícil saber que mais admirar: se as formas esculturais do modelo, se a Arte do genial fotógrafo. Uma exposição que foi sucesso de visitas (mais de 30 000!).
Noutro piso desse mesmo Centro Cultural de Cascais, também por iniciativa da Fundação D. Luís I, uma instalação sobre as Cartas de Amor e Saudade de Manuel Botelho, até 28 de Agosto, ditas numa sala intimista. Somos convidados a sentarmo-nos em vetustas cadeiras desalinhadas, diante de uma espécie de oratório profano. Enleiam-nos apaixonadas palavras de amor ditas por Inês Lapa Lopes e Francisco Martins. Na sala contígua, toda a parede frustemente revestida por oleados de campanha, a camuflá-la (diríamos!); no chão, empilhadas a trouxe-mouxe, caixas de munições… Ambiente minimalista a evocar sabiamente a dramática frieza da guerra colonial, cenário donde as missivas partiram.
Na galeria do Casino Estoril, até dia 26, o XXIV Salão da Primavera. Procura ser ainda o resultado da escolha de um júri, como nasceu na Junta de Turismo da Costa do Sol na década de 60 e que premiava, de modo especial, os mais novos (nesta edição foram atribuídas onze menções honrosas a jovens artistas). Lima de Carvalho agarrou na ideia, depois de a Junta se ter alheado do turismo cultural (coitada!...) e nos salões de agora nomes consagrados ombreiam com revelações recentes. Iniciativa de aplaudir, pela perseverança, pela oportunidade que dá de comungarmos beleza em variadíssimas facetas e estilos.

Orçamento participativo
A exemplo do que noutras autarquias de há uns anos a esta parte se está a fazer, a Câmara Municipal de Cascais deliberou auscultar os munícipes e procurar fazê-los participantes das decisões a tomar, nomeadamente apresentando e colhendo propostas de actividades. Sair dos gabinetes e sentir no terreno o pulsar das populações é sempre gratificante.
Melhor seria se também os técnicos camarários fossem induzidos a seguir o exemplo do Executivo e, de quando em vez, tivessem o hábito de… vir para a rua e verem as ‘coisas’ com os seus próprios olhos. Alguns tenho a certeza que até aproveitam passeios de fim-de-semana para esse efeito; outros, porém, como aqueles que tratam das placas toponímicas, preferem (ao que parece…) o conchego do gabinete. Talvez a polícia municipal – como anda por aí – lhes pudesse dar uma ajudinha.
Um dia, dá-me na veneta e fotografo, por exemplo, todas as placas DESVIO esquecidas pelos concessionários de obras depois de elas estarem integralmente terminadas…

Publicado em Jornal de Cascais, nº 276, 20-07-2011, p. 6.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Andarilhanças 9

Ainda o ateliê de teatro
Dei conta, na passada semana, de que, no dia 26, se efectuara, na sede da Troupe União 1º de Dezembro Caparidense a apresentação do trabalho ali desenvolvido ao longo do ano por Susana Cacela, num ateliê de teatro.
Permita-se-me que volte ao tema para sublinhar a importância que detém esta aprendizagem – em todas as idades, nunca é tarde!... – das técnicas de estar em público, de representar, de falar perante uma assistência
Há, pois, que aplaudir: toda a equipa, pelo seu brio e vontade, mau grado as habituais adversidades e limitações; e a colectividade, por ter disponibilizado as suas instalações, em colaboração.

Estação de Cruz Quebrada
Eu sei que não é do concelho de Cascais; contudo, pertence à sua via-férrea e sinto-me na obrigação de fazer o apelo à Refer: não deixem apodrecer a cobertura de ferro da estação de Cruz Quebrada! Ainda que – conforme consta – outras funções possa vir a ter o edifício que dava apoio aos passageiros (hoje devoluto e a degradar-se), vale a pena que, no futuro projecto, essa cobertura, pelas suas linhas arquitectónicas bem típicas de uma época, se recupere e mantenha! Recorde-se que foi a Cruz Quebrada a 1ª estação terminal desta linha férrea e que foi a sua praia a preferida pelos lisboetas durante muitas décadas no século XIX e XX.
Urge que estejam atentos os responsáveis de ambas as câmaras (sim, também Cascais terá uma palavra a dizer, porque a linha é património de todos!) e não deixem que – como bastas vezes acontece – a gente acorde uma manhã e diga: «Olha! Deitaram aquilo abaixo! Que pena!».

De Oeiras, o exemplo!
Ouso manter-me em Oeiras, porque continua de parabéns o respectivo Município, pois tem sabido aproveitar mui eficazmente as instalações da antiga Fábrica de Pólvora em Barcarena.
Registe-se mais uma iniciativa: a de criar na Casa do Salitre uma exposição permanente sobre os vestígios arqueológicos do concelho, inaugurada a 16 de Junho, com grande afluência de arqueólogos.

Duplo o aplauso:
‒ Primeiro, porque é amplo o conceito de Arqueologia aqui aplicado, uma vez que abarca testemunhos desde o Paleolítico Inferior Arcaico (ou seja, desde o que os primeiros habitantes da região ali deixaram) até ao século XVIII, abarcando, portanto, também o que se designa por «Arqueologia Industrial».
‒ Depois, porque acompanha a exposição um precioso catálogo, da autoria de João Luís Cardoso, de mui excelente apresentação, tanto nas ilustrações (eloquentes e esteticamente apreciáveis, sempre sobre fundo preto) como, sobretudo, no texto, em onze capítulos, a explicitar cientificamente o conteúdo de cada um dos onze expositores. 1500 exemplares; design gráfico e paginação de Rosa Duarte Pascoal; 178 páginas; referências bibliográficas no final; ISBN: 978-989-608-125-6.

«Sinetes – poder e autoridade»
É um dos textos de antologia do novo número de Moda & Moda, assinado pela sua directora, Marionela Gusmão.
Mantém a revista, neste número de Verão (o nº 104 da sua existência), a sugestiva simbiose entre moda, informação, arte e cultura. Assim, se se alude às jóias de Van Cleef & Arpels, ao estilo do nosso costureiro Carlos Gil, ao mundo das cores (cor-de-rosa, verde, azul turquesa…), às novas tendências da moda e à subida vertiginosa da alta costura em Paris, também se faz aliciante convite para visitar a igreja de São Roque, «um dos (muitos) tesouros de Lisboa»; se disserta sobre os usos, os mitos e os símbolos da espada (sempre com mui adequadas ilustrações, de antologia!); se traça uma panorâmica sobre a moda na Idade Média; se mostra como, desde Delacroix a Matisse, o orientalismo seduziu a arte europeia; e se apresentam imagens dos mais de noventa objectos que integram a exposição «O Paraíso Privado do Imperador: Tesouros da Cidade Proibida» (refere-se aos imperadores da chinesa dinastia Qing), visitável, até 11 de Setembro no Milwaukee Art Museum.
Quanto aos sinetes (já me ia esquecendo…), só visto! O que um simples objecto (selo de autenticar documentos) pode revelar acerca de ideologias políticas e gostos estético-culturais!...

Publicado em Jornal de Cascais, nº 275, 13-07-2011, p. 4.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Andarilhanças 8

Pressão de ar – precisa-se!
No Parque Marechal Carmona. Para o segurança afastar as gaivotas assassinas de patinhos e tartarugas bebés.
Não se pode, a nenhum pretexto de protecção das gaivotas (que são praga), deixar que elas, impunemente, venham delapidar o património do parque, que faz as delícias da pequenada e não só.
Dê-se, com carácter de urgência, autorização ao segurança para que as alveje, a fim de as afugentar de vez e se não continue a assistir à mortandade.
Lutam os galos e impedem-nas de lhes roubarem os pintainhos. Lutam os pavões – e ai delas se se aproximam dos filhotes! As patas não o conseguem, porém. E às tartaruguinhas levam-nas no bico e lá do cimo deixam-nas alarvemente cair para se esmagarem no chão!...
Ali, senhores, não há lugar para gaivotas! Urge que, por isso, se mobilizem todos os meios para as afastar. Já!

Parque Marechal Carmona
Continua a ser o parque mais frequentado da vila, sempre com gente que vem passear netos e filhos, ler, respirar ar puro, namorar, ouvir a sinfonia da passarada.
Agora, em dois pontos já se pode aceder livremente à internet durante meia hora seguida (dá para pôr parte do correio em dia…). Boa ideia esta, mormente se pensarmos que se trata apenas do começo e se projecta até – e os custos serão mínimos para a autarquia – abarcar uma boa porção da zona marítima!
Outra nota de muito regozijo: o parque de estacionamento mantém-se gratuito! Congratulo-me vivamente!

Caminhar pelas dunas
Em informação à imprensa, datada de 14 de Janeiro de 2004, indicava-se – sob o título «Centro de Interpretação do Parque Natural» – que, no quadro da aplicação das verbas resultantes da chamada Concessão do Jogo, se destinavam 600 mil euros para «a reconstrução de uma velha edificação municipal em ruínas, à beira da Praia do Guincho e do Parque de Campismo, sobre as Dunas da Crismina, a fim de nele instalar um Centro de Interpretação que acolha os visitantes, caracterize o Parque Natural, divulgue os seus valores patrimoniais naturais, paisagísticos, geológicos, arquitectónicos, arqueológicos e etnográficos».
E é na sequência desse propósito que, a 8 de Junho, foi aberto ao público o percurso interpretativo da Cresmina, de cerca de 1600 metros, equipado com painéis informativos e sinalética direccional de apoio à visitação e interpretação do sistema dunar Cresmina-Guincho. Prevê-se ainda uma biblioteca, para além das habituais áreas de recepção, de exposição e de serviço.
Convite, pois, para ir saborear uma paisagem invulgar, que pode antever-se acedendo a: http://www.cascaisnatura.org/Dossiê-Duna-da-Cresmina.aspx?ID=4593

Boomerang
Dia 29, à noite. Gala no auditório do Pavilhão de Congressos do Estoril, para entrega dos prémios Boomerang – Curso Profissional de Técnico de Multimédia da Escola da Cidadela. 3ª edição, muito concorrida, com excelentes trabalhos nomeados. Realce para o entusiástico dinamismo da Profª Teresa Campos, bem apoiada por toda a comunidade escolar, empresas e entidades do concelho. Parabéns!
Sublinhe-se o elevado alcance da iniciativa, pelo que ela significa de inserção concreta do estudante no mundo profissional, tendo todos os testemunhos de estudantes, docentes, pais e empresários acentuado essa singular mais-valia.

Ateliê de teatro
Dia 26, à tarde, a sede do Troupe União 1º de Dezembro Caparidense abriu para dar a conhecer o trabalho ali desenvolvido ao longo do ano Susana Cacela, no seu ateliê de teatro.
Com encenação de Jorge Picoto, representaram os mais novos a peça «Os Três piratas» e os mais velhos, a comédia «Jantar para quatro mulheres». A terminar, as cerca de duas dezenas de participantes – com idades entre os 8 e os mais de 50 – dedicaram uma poesia, de sua autoria, à pessoa que maior significado detinha na sua vida.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 274, 06-07-2011, p. 4.

Alindar a pedra, enfim!...


Não sai da mão do canteiro o peitoril ou a ombreira ou mesmo o cunhal, sem o derradeiro remate.
Não, não vai ser polido a esmeril, que isso é tarefa reservada às peças que saem das serrações – e esse é outro mundo, em que não entrámos, porque aí é a mecânica que impera, as serras num vaivém e a água sempre a correr sobre o fio de corte, ou o disco de diamante para as peças mais mimosas. Há, porém, percalços pelo caminho: aquele fóssil de Cerastoderma edule (berbigão) ou de Mytilus edulis (mexilhão) que saltou; aquela linda (mas incómoda) concavidade reluzente de cristais… Urge betumar!
Fazia-se o betume na hora: pez louro, pó de pedra e cera de abelha! Aplicava-se no buraco e brunia-se. Ficava como se nada tivesse acontecido.
Por vezes, porém, outro azar podia bater à porta e, por exemplo no transporte, partia-se um canto e não havia hipótese de deitar fora trabalho feito! Entravam em campo as manivelas, com que – à maneira dos antigos funileiros que nos remendavam alguidares partidos… – ali se faziam os buracos para os gatos de aço! Tudo se procurava disfarçar muito bem – e até o gato dava à obra um outro ar, mais humano, mais de humildemente proclamarmos que, por vezes, também adregamos errar e… queremos corrigir os erros!

Alindou-se a pedra! O final de um percurso que, de há uns meses a esta parte, nos foi dado percorrer, na homenagem aos que, mormente na zona ocidental do nosso concelho (lá está o geoponto dos Funchais!...), séculos afora deram lições nesta arte – aqui, em Marrocos, em Lisboa!... São-brasenses de pele crestada, mãos calosas e muito saber acumulado!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 150 (Julho 2011), p. 10.

Ilustrações
No Dia de S. Martinho de 2006, a Associação Cultural de Cascais, com a colaboração da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal locais, erigiu este monumento em honra do canteiro, na rotunda à entrada de Birre, um dos locais de maior actividade de exploração de pedra na freguesia de Cascais, nas décadas de 50 e 60 do século passado. Quisemos que fosse um memorial desses tempos em que as tabernas eram o local de convívio, ao fim da jornada de trabalho e nas noites de sábado e tardes de domingo. Para aqui, escreveu-se na legenda, convergiram canteiros vindos do Algarve (nomeadamente de S. Brás de Alportel), de Alcains e da região de Coimbra. O barril foi, pois, esculpido em lioz das pedreiras dos Funchais (S. Brás de Alportel); o bloco é do azulino cascalense; a placa, já em mármore de Estremoz-Vila Viçosa, que se trabalhava nas serrações. Em baixo-relevo, alguns dos instrumentos usados: a maceta, a bujarda, o escopro, o escacilhador, o ponteiro, e, em baixo, o esquadro.
Na ilustração inferior, David Correia Encarnação, o 'arquitecto' do monumento, grava uma das inscrições que o monumento ostenta. Natural de S. Brás de Alportel, foi um dos canteiros que trabalhou em Birre nessa altura, emigrando depois para o Canadá.

sábado, 2 de julho de 2011

Fazer contas é preciso!

Talvez em tempo de vacas gordas, insensatos nem sequer pensassem em contas. Havia abundância, tanto dava 3 como 7; consumir era palavra de ordem; esperdício, uma noção desprezível.
Contas interessam só para o tempo das vacas magras – poderia pensar-se. Errado! Sem contas no dia-a-dia não se vai a sítio nenhum!
Sabiam-no bem os Antigos, sabiam-no os nossos avós... Praticavam-no os Romanos.
Acharam-se em Conímbriga tijolos com números esgravitados e, a princípio, não se percebeu lá muito bem o que é que aquilo queria dizer. Até que, um dia, nova descoberta se fez: na massa ainda fresca do quadrante de um tijolo, alguém com um pedaço de cana gravara:



EX OFFICINA MAELONIS. DIARIAS ROGATAS SOLVI
«Da oficina de Melão. Cumpri as diárias rogadas».

Estava desvendado o mistério!
Havia uma olaria; o dono chamava-se Maelo, Melão; e ao operário era solicitado diariamente o fabrico de um determinado número de tijolos (eu escrevi «solicitado», entenda-se…).
E nós imaginamo-lo, ao final da jornada, o Sol a pôr-se lá para as bandas de Soure, mais além no Oceano, mãos enrugadas de barro, unhas negras, o suor perlava-lhe a fronte, cabelos desgrenhados, num suspiro de alívio:
«Por hoje, já está! Amanhã é outro dia!».

Publicado no quinzenário Renascimento [Mangualde], nº 573, 30-06-2011, p. 13.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Andarilhanças 7

Atraso e pioneirismo
Amiúde se enaltece o pioneirismo de Cascais em relação a iniciativas que toma. Sim, tem algumas. Noutros aspectos, porém, Cascais manifesta um atraso de pasmar! Foi dos últimos a ter um Palácio de Justiça! Não consegue acabar uma esquadra de polícia! Não consegue completar o nó final da auto-estrada! Não tem uma rádio de proximidade (se calhar, porque as entidades não querem…). A imprensa dita local optou pela gratuitidade, com dificuldade numa distribuição eficaz e numa inserção real no coração da população, mormente a do interior.
E agora embandeira-se em arco – e muito bem! – que a população já poderá ter acesso à internet gratuita em três parques do concelho. Agora? Se pensarmos que a cidade de Pombal tem, há anos, Internet gratuita para toda a população (e até nos aparece no computador quando o comboio pára na estação…). Se pensarmos que, no Parque da Marinha Grande, esses pontos Net já existem há anos também. E até em Tondela há pontos de Internet no parque público!...
Claro, sempre mais vale tarde que nunca!

Acordeão
No convívio do 1º de Maio, entre canteiros, em Trajouce, deliciei-me a ouvir o José Francisco Marreiros, de Mértola, que trabalha na brigada de intervenção rápida da Câmara Municipal de Cascais, a tocar, com perícia, o seu acordeão Fratelli Crosio. Juntou-se-lhe depois, em diálogo, Fernando Alves, de Góis, com a sua concertina Dino Baffati. Foi, para mim, quase um regresso à meninice, pois sou natural do Corotelo (S. Brás de Alportel, um concelho alfobre de acordeonistas!), ali de braço dado com Bordeira, a terra da Eugénia Lima, a deusa do acordeão!...
E é assim Cascais, mormente o do interior: ‘desvairadas’ gentes, a dar brilho à terra que escolheram por adopção.

Yemmandala

Com o apoio da senhora vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Cascais, o conjunto musical Yemmandala apresentou, no auditório do Centro Cultural, na noite do passado dia 19, o seu primeiro CD, perante cerca de cem espectadores.
Constituem-no Mercês Figueiredo e Marina Zenha (vocalistas), João Roxo (saxofone tenor e clarinete), Fiúza Duarte (contrabaixo) e Miguel Moreira (bateria e percussão). Letras da Mercês, à excepção de um dos nove temas que compõem o CD, que é da Mariana, responsável, aliás, por todas as composições e que, com M. Moreira, fez os arranjos, todos eles com final bem bonito.
Nasceu o grupo no Hot Clube; daí, os trechos de nítida influência jazística, no permanente diálogo entre instrumentos e vozes, em toada serena, propositadamente haurida no tropicalismo brasileiro. Imaginamos, em simplicidade, dolências de praias, entardeceres, golfinhos que sonham…

Dia da Costureira
Os novos tempos exigirão, decerto, um regresso a hábitos antigos, que contrariarão o consumismo em que o capitalismo desenfreado – alimentado por infernais agências avaliadoras (segundo critérios ditados por magnatas…) – nos atolou. Quem sabe se, proximamente, não voltaremos a ouvir o que Júlio Machado Vaz e Inês de Menezes evocavam no programa do passado dia 8, na Antena 1, «O amor é…»:
‒ Quarta-feira é dia da costureira!
Na casa onde vivi em Coimbra, era assim. Uma vez por semana, era dia da costureira! E havia sempre trabalho para ela! Que não se estava no tempo do usar-e-deitar-fora!...

Publicado em Jornal de Cascais, nº 273, 29-06-2011, p. 4.