quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Também quero ser CEO!

             Admirei a solenidade com que o João anunciou o senhor que ia intervir na cerimónia de apresentação do foral de Cascais restaurado. Era um… CEO! E o João pronunciou bem: cê-i-ou!
            Confesso a minha ignorância, que nunca tal houvera escutado! Regressado a casa, apressei-me a ir ao Google. Lá estava, em apropriada linguagem:
            «A chief executive officer (CEO) is generally the most senior corporate officer (executive) or administrator in charge of managing a for-profit organization».
            Se bem entendo, é o que, em linguagem, se chama de Director Executivo, o responsável-mor.
            E não é que, desde esse dia para cá, os CEO me caem na sopa? Tudo é CEO, minha gente! E eu também quero ser, pois então, que não sou menos que eles! Cê-i-ou! – topas?! E o senhor presidente da Câmara também há-de ser CEO e o senhor presidente da Junta e o dono do supermercado ali da esquina…
            Outro dia, pedi a uma empresa portuguesa, gestora de um espaço cultural, que incluísse um amigo meu na sua mailing list (perdoe-me, leitor, o barbarismo, mas, como candidato a CEO, eu tenho de começar a usar essa terminologia, claro, se não chumbo no exame!...). Respondeu-me por escrito um senhor que tinha sob o nome: «CEO & editor»!...
            Mas, se calhar, pensando bem, é melhor não me candidatar ao cargo. Já há tantos! Prefiro manter-me cá na base da escala, independentemente de uma qualquer «for-profit organization». É melhor!

A solução suicida
            Não valeria a pena eu também falar neste assunto, porque já o senhor presidente da Câmara conseguiu que os responsáveis compreendessem a asneira que estavam a fazer. Mas acho que vale a pena – que isto de água mole em pedra dura não faz mal, se se lograr furar melhor uma consciencialização geral.
            Estou a referir-me, é bem de ver, à ideia suicida de se diminuir o número de comboios da linha de Cascais, precisamente na altura em que os senhores de Lisboa até querem (e fazem muito bem!) que a gente não vá de carro poluir a capital, cujo céu cinzento bem se descortina daqui, a contrastar com o (ainda) azul céu de Cascais.
            E tens tu, perguntarão, alguma coisa contra o suicídio? És o CEO da CP, és? Não sou. Mas não gosto que as empresas se suicidem, porque nunca se suicidam sozinhas, as almas do Diabo, e levam atrás de si uma catrefada de gente.
            A questão, muito simples, é esta: se tens menos comboios, há menos passageiros, menos vontade de os usar e… vai-se perdendo o hábito. E eu vejo o que se passou comigo: tenho duas carreiras da Scotturb (de e para a vila) que param mesmo diante da minha porta. A princípio, ainda adquiri cadernetas de pré-comprados e comecei a utilizar esse bem cómodo transporte público. Pouco a pouco, porém, dei em perder comboios ou a ter que apanhar um autocarro meia hora antes, porque nunca se sabia a que horas iria passar. Horários (parecia) não eram para se cumprir à risca e também a frequência das passagens diminuiu. Então ao sábado e ao domingo, passa um é lá quando é…
            Ora, se a oferta de comboios não servir, o pessoal começa a buscar alternativas. A solução é muita outra, em circunstâncias idênticas – e eu creio que os senhores CEO depressa o verão: não há passageiros? Promove-se a adesão dos passageiros! Fazem-se campanhas! Mostra-se que o comboio é que é bom, até para ir aos concertos, para ir ao teatro e ao cinema. Que é barato, amigo do ambiente. Até facilita o convívio (se diminuírem os auscultadores do isolamento…). Aliás, não tinha até música ambiente? E não vai aquecidinho? Que é que se quer mais?
            Portanto, em vez de diminuir, o número de comboios devia era de aumentar, para que pudéssemos usufruir mais de tão agradáveis vantagens!
            Claro, para isso é necessário investimento! Mas a cartilha por onde estudaram os senhores CEO não tinha vários capítulos que tratavam do investimento, das suas vantagens e técnicas?
            Aplauda-se, pois, o empenho do senhor presidente. Deviam ter falado com ele antes, deve ter-se queixado. É uma queixa que todos nós temos, Amigo, os que não somos CEO: quantas decisões se tomam em cima do joelho, só porque sim, porque acho bem e não me apetece ouvir ninguém!...

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 77, 28-01-2015, p. 6.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Villa romana do Alto do Cidreira – que futuro?

             Exactamente um ano após termos solicitado entrevista ao Executivo camarário para tentarmos definir uma solução para o sítio arqueológico do Alto do Cidreira, em Carrascal de Alvide, voltámos ao local, a fim de nos inteirarmos do estado em que se encontram as estruturas visíveis desta villa romana, classificada como «imóvel de interesse público» por força do decreto n.º 26-A/92, publicado na 1.ª série do Diário da República, n.º 126, de 1 de Junho de 1992.
                As fotografias falam por si do estado de abandono a que o local está votado. Aproveita-se o espaço plano disponível para estacionamento e a Rua José Régio foi rasgada e alcatroada em plena área arqueológica, sem que os arqueólogos tivessem sido consultados, de forma a se proceder ao necessário acompanhamento arqueológico previsto na legislação em vigor.
            Urge, pois, perguntar: que futuro?

Um pouco de história
           A história dos antecedentes que levaram ao processo de classificação e à realização de sondagens em 1977, 1980, 1981 e 1982, encontra-se contada no Arquivo de Cascais 4 1982 9-27.
           O que de mais fascinante detém a villa romana do Alto do Cidreira é, sem dúvida, a sua excelente localização, entre o mar e a serra, donde se desfruta um panorama ímpar. Por isso, uma família romana decidiu escolher o local, há dois mil anos, para implantar a sua mansão.
          Conhecida a referência a esses vestígios desde a última década do século XIX, foi a sua localização identificada por Guilherme Cardoso, que aí dirigiu as referidas sondagens arqueológicas, com vista a delimitar-se a extensão das ruínas porventura ainda existentes e a determinar-se a sua real importância histórica.
           Essas sondagens permitiram a descoberta das estruturas de uma rica casa de campo, que teria dois andares, banhos quentes, mosaicos policromados a pavimentar as principais divisões, uma ampla sala e todos os cómodos para requintada habitação.
          A singularidade dos achados (a minimáscara do negro, o separador de tear, o dado de osso marcado, a enorme abundância de tesselas de mosaico, o relativo bom estado de conservação de algumas das estruturas, com muros de mais de 1 m de altura…); a grande pressão urbanística; e, de modo muito especial, a consciência de que, pela sua localização, se deveria pensar num projecto que preservasse as vistas e servisse a comunidade (numa zona desprovida de áreas de lazer e convívio) – foram os argumentos:
          1º) para se perguntar à Câmara, imediatamente após a realização das sondagens (1982) e antes de se tomar uma decisão quanto ao prosseguimento (ou não) dos trabalhos arqueológicos, o que é que desejava propor para o sítio;
         2º) para, atendendo à redobrada pressão urbanística, se propor a aprovação de uma ZEP alargada, que viabilizasse a realização de sondagens nos terrenos da envolvente e a elaboração pela Câmara – em consonância com os proprietários e os arqueólogos – de um plano de pormenor que salvaguardasse e valorizasse a villa e desse ordenamento ao local.

Tapar ou estruturar?
          Na sua Reunião Ordinária de 2 de Outubro de 2006, a Câmara Municipal de Cascais seguiu esse parecer e deliberou «propor ao Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) a criação de uma Zona Especial de Protecção para a Villa Romana do Alto da Cidreira. Da mesma forma, a autarquia submeterá a esta entidade a aprovação do Estudo de Salvaguarda da área, classificada de Interesse Público.».
         Todo esse processo, porém, se atrasou, e por carta, datada de 2008-02-09, de resposta ao documento GDCC/2007/75584; Ofº 057958, de 14 11’07, assinado pela então vereadora da Cultura, Dra. Ana Clara Justino, em que se nos perguntava que haveria a fazer, respondemos:
         «Perante a indecisão camarária e a inoperância dos Serviços de Fiscalização, que nunca ousaram impedir a construção de edifícios na área de protecção e mesmo dentro do perímetro classificado, por várias vezes indicámos que, a continuar assim, o melhor era mesmo tapar as estruturas, para evitar mais degradações e, inclusive, para impedir que ali continuassem a ser depositados lixos domésticos das casas vizinhas.
          Uma vez que – por mais célere que seja a negociação em curso no âmbito do Plano de Pormenor – ainda se prevêem alguns meses mais antes de se poder programar a continuação das intervenções com vista a uma eventual musealização do sítio, a nossa opinião é a de que se proceda quanto antes, sob nossa orientação e com a colaboração camarária, à cobertura das estruturas, consoante se fez em Miroiços e, também, em Freiria nas áreas mais sensíveis».

Em conclusão:
           Nada se fez e a situação parece continuar num beco sem saída.
           Por conseguinte, a sinalização das ruínas; a resolução dos casos pendentes de regularização das habitações construídas na área arqueológica; a união de esforços entre os moradores, a Junta de Freguesia e o Executivo Municipal no sentido de, em colaboração com os arqueólogos, se estudar a solução plausível para recuperação de um espaço que melhor possa servir a comunidade – constituem, em nosso entender, objectivos passíveis de se concretizar.
           Assim o esperamos!
                                                                                Guilherme Cardoso
                                                                                José d’Encarnação
 
1 – Sob as ervas, em 1º plano, jaz um dos tanques do balneário romano.

2 – A estrutura central da casa romana.

3 – A rua que, junto ao marco geodésico, atravessou a área arqueológica.

4 – Vista de sul de duas das casas erguidas na área de protecção da villa:
uma, imponente e habitada; a outra, embargada há mais de 30 anos.
Publicado em Cyberjornal, 26-01-2015:

 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Os nossos falares

             A celebração do centenário da elevação de Alportel a concelho continua, felizmente, a suscitar mui saudáveis iniciativas tendentes a revigorar a memória das gentes, a cimentar a comunidade que somos e queremos fortalecer.
            Sucedem-se nos jornais locais as colunas a rememorar tempos antigos; a própria agenda cultural São Brás Acontece não deixa, nesse aspecto, seus créditos por mãos alheias; renovam-se as fontes antigas na intenção de voltarem a ser locais de encontro…
            Gostaria também de incluir nessa vaga o empenho – de que, por exemplo, a Biblioteca Municipal poderá ser alfobre – em se recolherem frases e palavras susceptíveis de cair em desuso e que nos são muito próprias. De algumas me fiz eco; muitas mais haverá e só a colaboração de todos, mormente ouvindo os mais velhos, poderá contribuir para salvaguardar o que é nosso ou, pelo menos, de nosso uso.
            – Já viste a charronca velha que ele comprou, mó? Aquilo é carro que não dura um mês, aposto!...
            – Um cozidinho de grão? Também embarca, claro!
            – Isto, menino, com o andar disfarça e parado não se nota!
            – Vamos esbulhar o milho?
            – Em Dia de Maio toca de atacar o Maio!
            Exemplos singelos de uma riqueza a preservar, não lhe parece?

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 192, Janeiro de 2015, p. 10.

Teatro de Torga evocado em Paris

            Na delegação de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian, Graça dos Santos e Clara Rocha (a filha do escritor), evocarão, no próximo dia 30, a obra dramática de Miguel Torga, numa conferência-espectáculo a que foi dado o título de «Le théâtre de Miguel Torga et ses reverbérations» – informa o Lusojornal ( www.lusojornal.com ), na pág. 15 da sua edição de hoje, recorte que se anexa.
            Será uma forma de assinalar os 20 anos passados sobre a morte do conceituado escritor. Clara Rocha falará da obra do pai no seu conjunto; Graça dos Santos referir-se-á à sua escrita dramática; um grupo de actores representará passos de Terra Firme, Mar e O Paraíso; Gonçalo Cordeiro acompanhará, à guitarra clássica, executando peças de Fernando Lopes-Graça.
            Ainda na passada 5ª feira, dia 15, num dos auditórios da Universidade Lusófona, em Lisboa, Carlos Avilez lembrava também o que fora o seu extraordinário relacionamento com o escritor aquando da representação, em 1966, pelo Teatro Experimental de Cascais, no vetusto Teatro Gil Vicente, da peça Mar, um êxito ainda hoje recordado, até porque nela entraram António Feio (pela primeira vez em palco) e Mirita Casimiro.

Publicado em Cyberjornal, 23-01-2015:

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Karaté de Alcabideche em busca de mais títulos mundiais

             Parte hoje, 22 de Janeiro, para Paris, a delegação dos praticantes de karaté que integram a Federação Portuguesa da modalidade, a fim de participarem em mais um campeonato mundial. Trata-se do Open de Karate, a decorrer entre os dias 23 e 25, prova que vai funcionar como preparação para o Campeonato Nacional da FNKP que acontece já nos dias 21 e 22 de Fevereiro em Lisboa.
            Dessa delegação fazem parte atletas da freguesia de Alcabideche. Assim, da parte dos Bombeiros, chefiados pelo seu Mestre, Rui Inácio, seguem Ana Gama e Jamilson Júnior; do complexo das piscinas, liderado por Carlos Silva (presidente da Federação), apresentam-se Bernardo Castro e Bruno Silva; do Grupo Musical e Desportivo 31 de Janeiro de Manique de Baixo, Madalena Almeida e Tatiana Monteiro serão acompanhadas por Jorge Peixeiro.
            A exemplo de participações anteriores (em Outubro passado, Jamilson Júnior sagrou-se vice-campeão mundial da WUKF em juniores, na Polónia, competição em que Ana Gama obteve o 3º lugar no pódio), os atletas acalentam com todo o entusiasmo a esperança de regressarem com mais alguns títulos conquistados, a nível mundial. Esse é, aliás, o também o nosso voto, congratulando-nos vivamente com os excelentes resultados que – sem alardes e sem apoios institucionais – têm obtido, elevando bem alto o nome das colectividades em que estão integrados.

Publicado em Cyberjornal, edição de 22-01-2015:

Novo livro sobre Aristides de Sousa Mendes

            Não admira que continue a ser fonte de inspiração a gesta heróica de Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português de Bordéus que logrou enfrentar as ordens de Salazar e salvou milhares de judeus, em 1940.
            Foi apresentado ontem, dia 20, em Paris, mais uma obra sobre esta emblemática figura de diplomata: chama-se Le Cônsul, é da autoria de Salim Bachi e tem edição da Gallimard – informa o Lusojornal ( www.lusojornal.com ), na pág. 4 da sua edição de hoje, recorte que se anexa.
            Recorde-se que, entre nós, o interesse romanceado – digamos assim – pela vida do cônsul começou com a Dra. Júlia Nery, escritora que reside em Cascais e que publicou, em 1991, o romance intitulado precisamente O Cônsul¸ que viria a ter tradução em francês, da autoria da tradutora de Miguel Torga, Claire Cayron, com o título La Résolution de Bordeaux (1993).
            Mais recentemente, a escritora Teresa Mascarenhas voltou ao tema, com o romance Aristides de Sousa Mendes. Trinta Mil Vidas Humanas, que tive a honra de apresentar, há dois anos, precisamente a 15 de Janeiro de 2013, no Museu Nacional de Arqueologia, em Belém (Lisboa), com a presença de um dos netos do cônsul.
            Que o novo livro possa chamar a atenção para o invulgar legado humano de Aristides de Sousa Mendes e contribuir para que as instituições competentes comecem a zelar mais pela sua memória, atitude consubstanciável, por exemplo, no apoio à Fundação que tem o seu nome e que procura manter de pé a sua casa, a Casa do Passal, em Cabanas de Viriato, e transformá-la em mui digno lugar de memória.

Publicado em Cyberjornal, edição de 2015-01-21: http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&view=article&id=1207:novo-livro-sobre-aristides-de-sousa-mendes&catid=19:literatura&Itemid=30

A reabilitação da Casa Sommer, em Cascais

              Está disponível no endereço
                         http://recil.grupolusofona.pt/jspui/handle/10437/5645
o texto integral da dissertação intitulada Reabilitação de Estruturas Edificadas. Casa Sommer, Cascais, defendida, com êxito, por Carlos Franco, em Lisboa, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, no passado dia 28 de Julho de 2014, para obtenção do grau de Mestre em Arquitectura, dissertação que preparara sob orientação do Professor Doutor António José Marques Vieira de Santa-Rita, docente naquela universidade.
            Como pode ler-se na síntese, a pesquisa levada a efeito teve «como objectivo o desenvolvimento de um modelo de avaliação e diagnóstico das causas das patologias, num processo de remodelação de um edifício do princípio do século XX e ainda no estudo das possíveis medidas correctivas, numa fase primária de avaliação».
            Usaram-se, naturalmente, «as tecnologias actuais»; procurou compreender-se «a tectónica original», a fim de poderem optimizar-se as soluções para este tipo de reabilitação. Tomaram-se em conta «as características históricas e morfológicas da construção», uma vez que é a Casa Sommer notável exemplo das chamadas «casas de veraneio», erguidas na vila pela nobreza e burguesia, nos finais do século XIX e primórdios do XX, desejosas de por aqui acompanharem a Corte em época balnear.
            Recorde-se que está previsto albergar o edifício o Arquivo Municipal, ora provisoriamente nas instalações camarárias da Adroana.
            Congratulamo-nos, obviamente, com o estudo feito e com a sua disponibilização, para que, desta sorte, a população dele possa ter mais aprofundado conhecimento.
            Reproduz-se, com a devida vénia, a fig. 34, uma das muitas que ilustram este trabalho académico.

Publicado em Cyberjornal, edição de 2015-01-21:

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Nem tudo está mal!

            Há, cada vez mais, no dia-a-dia, motivos para nos sentirmos bem onde estamos. Como sentenciava um dos personagens do velhinho «Os Dez Mandamentos» de Cecil B. Demille (1956), «até no lodo do Nilo resplandece a flor de lótus!».
            E houve, no meu quotidiano, várias flores de lótus nos últimos tempos.
            O Carlos marcou para as 10.30 o atendimento para tratar do Cartão de Cidadão na Conservatória do Registo Civil de Cascais. Pensou: «Vou passar lá a manhã toda!». Às 10.31, estava a ser chamado e foi um instante enquanto tratou de tudo.
            O António carecia de renovar a carta de condução. Foi à Loja do Cidadão, sempre em Cascais, tinha uma pessoa à sua frente, o sistema novo estava a funcionar e… rapidamente se despachou.
            Não se cansa a «avozinha» Milinha de me elogiar o ambiente ternurento, atencioso, eficiente, com que foi tratada no Hospital de Cascais, desde que entrou para a operação, passando por todas as fases posteriores (recobro, quarto, acompanhamento…). Deixou, evidentemente, exarado no livro o seu enorme agradecimento à ginecologista que a operou, Dra. Lídia Reis, assim como a todo o pessoal de enfermagem e auxiliar, que não se pouparam para que a sua estada no hospital resultasse o menos dolorosa possível; e até se disponibilizou já, com todo o gosto, a estar presente num workshop para que a cirurgiã a convidou, no próprio hospital, e dar aí o seu testemunho.
            No meio das notícias negras que nos ensombram os dias, casos destes são feixes de luz que nos confortam e acalentam.
            Parabéns aos funcionários, aos técnicos, aos homens e mulheres que, no exercício das suas funções, sabem difundir sorrisos de bem-estar!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Vasculhando na prateleira…

             Início de novo ano pode ser bom pretexto para se ir vasculhar na prateleira os temas que estavam para ser abordados e que, por um motivo ou por outro, acabaram por aí ficar. Repesquemo-los.

Escola de negócios

            No Expresso de 27 de Setembro, p. p., um banco orgulhava-se, em página inteira, «de ser Parceiro Fundador do novo campus da NOVA School of Business and Economics em Carcavelos», anunciando «os grandes objectivos deste investimento»: «Atrair o melhor talento, transformar o ensino numa indústria exportadora competitiva, gerar iniciativas empreendedoras e criar uma rede internacional de estudantes de excelência».
            Aplaude-se, claro!
            Como é em inglês, a intenção é que esses estudantes aqui formados vão depois para o estrangeiro, não é?

Deliberações camarárias
            A exemplo de várias câmaras municipais portuguesas, também o «município empreendedor» de Santiago do Cacém inclui habitualmente na sua «informação municipal» uma separata expressamente dedicada a apresentar o «resumo das principais deliberações das reuniões da Câmara Municipal». Tenho presente o nº 35, de Outubro, que reporta as decisões de 3 de Julho a 25 de Setembro.
            Aliás, essa é também a boa prática de Oeiras. O boletim municipal Oeiras Actual tem suplemento sobre «deliberações, regulamentos». Exemplifico com o nº 227, de Setembro-Outubro, de 38 páginas, que insere esse suplemento, de 18 páginas, onde vêm os resumos do que se passou nas reuniões do Executivo e da Assembleia municipais desde 23 de Abril a 29 de Setembro. Dá-se também a conhecer o teor de editais e de contratos-programa assinados.

O hábito não faz o monge
            Terá sido essa a conclusão que tiraram as largas centenas de pessoas que acorreram à baía de Cascais na noite de 31 de Dezembro, na expectativa de que – na sequência das grandes e propagandeadas festas do Verão – a vetusta vila não deixasse seus créditos por mãos alheias e também ela queimasse ‘vistoso’ fogo de artifício. Ninguém o havia prometido, não estava na agenda e… lá se abriu o champanhe sem olhar para o ar. Quiçá foi esse um bom motivo para melhor nos olharmos olhos nos olhos, num terno sorriso de amizade, a estreitarmos nos braços as pessoas queridas, na promessa de tudo fazermos, sem estralejar de foguetes, para que 2015 seja melhor.
            Conclusão a tirar? Ousaria uma: nem todos os munícipes têm o hábito de ir ao computador ou não dispõem de posses para o ter. Se fosse perverso, aproveitaria para relembrar a falta que faz a informação escrita, em papel palpável. Mas… não quero ser perverso!

As contingências climáticas
            Não vale a pena insistir, pois toda a gente disso se apercebeu já: de um momento para o outro, uma forte bátega de água é bastante para deitar a perder anos de trabalho, haveres de uma vida e, até, por vezes, vidas humanas. Cascais não constitui excepção. E o voto para 2015 – no momento em que se giza o novo Plano Director Municipal – é que os responsáveis procurem evitar, o mais possível, a impermeabilização dos terrenos, reprovando novos empreendimentos imobiliários. À vista desarmada, de um leigo na matéria, o mercado habitacional do concelho afigura-se suficiente, tantas são as casas que há por aí para arrendar e, sobretudo, para vender.

Capacidade de mobilização
            A exemplo de outros municípios, Cascais tem o seu ‘orçamento participativo’: são apresentadas propostas, que, aceites, ficam à mercê de uma votação do povo. E que é «o povo»? Tal como acontece nos programas televisivos em que se pede «aos portugueses» que votem no seu favorito e eu me pergunto sempre quem são «os portugueses», esses tais de quem depois se diz: «E os portugueses decidiram!...». Em 2014, os promotores de propostas aperceberam-se de que o importante era levar a água ao seu moinho usando para esse efeito todos os meios ao seu dispor. Assim, tive ocasião de ver que, no dia da romagem anual ao cemitério, lá estava à porta uma pessoa de papelinho na mão a pedir voto. Por aqui e por ali, as acções de publicidade ocorreram. Acho muito bem: mobilize-se o povo! Tive pena que o projecto em que votei tenha perdido por meia dúzia de votos; mas democracia é isso: ganha quem tem unhas para a guitarra!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 75, 14-01-2015, p. 6.

 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Dá-me um abraço!

              Beijara-a, com a grande Amizade de há longos anos. Partilháramos projectos em prol da juventude para que vivesse melhor e em comunidade. Revivêramos, numa viagem, percursos antigos… Agora, encontrava-a ali, no corredor de saída do hipermercado, em época natalícia.
            Como estás?
             Estou. Fui operada, estou de baixa. Não tem sido fácil!
             E já arranjaste casa?
             Uma amiga deixa-me viver num dos quartos lá de casa. Não consegui encontrar nada. Tudo muito caro para as minhas posses.
            Que fazes?
            Olhou-me fixamente. Espreitaram-lhe nos olhos duas lágrimas furtivas. Senti que iria chorar. Peguei-lhe na mão, que apertou a minha – e pediu-me, voz trémula:
            Dá-me um abraço!
            Apertei-a contra o peito, numa ternura, indiferentes ambos a quem passava opor nos, gente atafulhada de compras natalícias na expectativa de confortável ceia em família. Beijámo-nos. A lágrima rolara-lhe mesmo face abaixo. Baixou o olhar, desejou-me bom ano, abalou.
            Fiquei pregado no chão, a tomar consciência do que efectivamente se passara. Não conseguira perguntar-lhe pelo marido, pela enteada a quem eu, aliás, enviara os parabéns há poucos dias, porque faz anos perto da minha data e eu não esqueço.
            Não tenho o número do seu telemóvel, só o endereço electrónico; mas, egoísta, não ouso agora perguntar-lhe como vai, como foi o Natal, que perspectivas 2015 lhe vai trazer.
            Dá-me um abraço!
            Por tudo e por nada, enviamos beijinhos. Somos capazes de dizer «Beijinhos!» para a pessoa a quem acabámos de beijar à despedida. Estereotipado beijinhos!... Nada que se compare à ternura do abraço amigo, num calor partilhado, numa presença que nos dois corpos se sente. Preciso urgentemente de voltar a dar-lhe um abraço! Precisamos mesmo!

            Publicado em Renascimento (Mangualde) nº 654, 15-01-2015, p. 12.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Histórias sobre a amizade

             Para além do tema em si, pleno de actualidade, o que decerto levou a que, de Outubro de 2012 a Fevereiro de 2013, o livro tivesse seis edições, é, a meu ver, a amenidade da forma da escrita do padre José Tolentino Mendonça. Nenhum Caminho Será Longo (Paulinas Editora, Lisboa, ISBN: 978-989-673-260-8, 240 páginas que se lêem num fôlego!) assume aquele jeito bíblico de entremear a explanação teórica com histórias breves, muitas da Bíblia, é certo, mas muitas outras retiradas do nosso quotidiano vivido.
            Gostei do livro, da sua estruturação em curtos subcapítulos. Inclusive da sua textura, do formato, do tipo de letra, do papel!… Um daqueles livros físicos que nos faz pensar quanto é penoso imaginar que, daqui a uns tempos quiçá, só haverá livros digitais!...
            Inspira-se o título num provérbio japonês, que constitui, de resto, a epígrafe do volume: «Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo». Poderá ‘assustar’ o subtítulo «Para uma teologia da amizade», na presunção de que estaremos logo perante dissertações estranhas, alheias ao nosso dia-a-dia. Muito ao contrário! Acabamos por verificar que, afinal, nos importa cada vez mais fazer silêncio, e olhar com outros olhos o que habitualmente fazemos. Cita-se, por exemplo, Claude Lévy-Strauss: «A cozinha assinala a passagem da natureza para a cultura», para se afirmar que «a cozinha é o lugar da criatividade e da recomposição», na sequência de uma estranha frase de Santa Teresa, «Deus move-se por entre os púcaros» (p. 81)! Isto é, gestos comuns, maquinalmente executados, poderão vir a ser ‘outros’, se forem devidamente integrados em maior atenção.

Onde deixaste os sapatos?
            E, nesse aspecto, conta José Tolentino Mendonça uma história deliciosa. Adestrado numa filosofia zen, o discípulo prepara-se arduamente pois vai ser examinado pelo mestre. E, quando chega diante dele, «o mestre pergunta-lhe apenas: “Ao entrares agora, onde deixaste os sapatos? À direita ou à esquerda do armário?» (p. 86).
            Uma exortação à alegria, à celebração, «bem-aventurados aqueles que vivem uma história e a podem contar» (p. 145), porque, na verdade, se «o alaúde foi construído à navalha», o certo é que «depois solta uma música incrível». Um hino à liberdade de sermos nós próprios: «Uma pessoa que dominou a sua vida vale mais do que mil pessoas que dominaram somente o conteúdo de livros», é citação de Mestre Eckhart, que determina, de seguida, perspicaz observação: «Parece que temos de viver sete vidas num dia só, ofegantes, ansiosos, desencontrados e meio insones» (p. 221).
            Curiosa, nesse âmbito, a análise acerca do que nos rouba o tempo: «Os telefonemas que chovem e se prolongam por coisa nenhuma; os compromissos e obrigações sociais de mero artificialismo; as reuniões sem uma agenda preparada em vista de objectivos…» (p. 221).
            Alimentava-me eu, desde há mais de 30 anos, em textos de pensadores como os irlandeses Joseph Murphy e Emmet Fox ou o americano Merlin R. Carothers, meus livros de cabeceira. E tenho agora, em português, quem vai no mesmo sentido de nos mostrar que… vale a pena viver!

Publicado em Cyberjornal, edição de 2015-01-13:

Um «Corpo de Luz» encheu o Olga Cadaval!

            Foram três as sessões que encheram, na tarde e noite de sábado, 10 de Janeiro, o Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, para apresentação das classes de dança das Academias Ai! A Dança de Sintra I e II, Loures I e II, Santa Iria I e II, Pontinha, assim como de escolas com quem as academias celebraram protocolos e, também, outras escolas convidadas. «Corpo de Luz» foi o título dado ao espectáculo, tema que serviu, adiante-se desde já, para breve rábula cómica, destinada a descontrair e com o qual se celebrou a luz «fonte de inspiração divina e de respiração humana».
            Ao todo, mais de 700 pessoas (entre alunos e professores, vários até mais do que uma vez) estiveram em palco e, na verdade, impressiona o ‘quadro’ final, nos agradecimentos, em que, desde os mais pequenininhos de três anos (que deliciaram familiares e espectadores) aos que, de idade mais ‘entradota’ (70 anos), também consideram ser a dança uma actividade a que com muitas vantagens podem dedicar-se nos tempos livres, dadas as inúmeras potencialidades que representa como formação total da personalidade, tanto física como psiquicamente. Só quem não compreende o quanto a dança contribui para desanuviar da tensão quotidiana e para uma educação total de crianças, de jovens e de adultos é que se interrogará acerca da sua utilidade prática nos tempos escalavradamente positivistas em que estamos envolvidos. Bem anda, pois, o dinâmico entusiasmo de Lucília Bahleixo e seus directos colaboradores para levarem a bom porto este barco, contra ventos e adversas marés.
            Esse é, sem dúvida, o primordial aspecto a salientar: o da educação pela integração, desde mui tenra idade, mesmo para quem se julgue trôpego ou seja diferente – porque, também aqui, na diferença reside a riqueza!...
            Valsas, bailados clássicos em pontas, salsa, pontapeado, o sempre azougado hip hop, as sevilhanas vistosas, o orgulhoso flamenco, a sensual dança do ventre… tudo acompanhado por bem adequada banda sonora e ajustadas projecções visuais preencheram as duas horas de um espectáculo (assisti à 1ª sessão, das 15.30 h.) que teve Cristina Pereira como directora de cena, Pedro Rua como director técnico, Rui Braga na luz, para além, obviamente das maquilhadoras e das figurinistas.
            Apreciei de modo especial o quadro de abertura, dedicado ao enternecedor mistério da maternidade, protagonizado por uma mãe verdadeira quase no termo da gravidez, que, assim, em tocante realidade, nos manifestou, dançando, a doçura de trazer no ventre quem, porventura daqui a uns anos, acabará por pisar o palco também.
            Foram duas horas, num espectáculo em que os quadros se encadeavam uns nos outros, sem hiatos nem compassos de espera. Doutra forma não poderia ser, para possibilitar a todos a oportunidade de mostrarem quanto tinham aprendido. E talvez aqui resida uma reflexão que peço licença para sugerir, atendendo ao enorme êxito que as Academias Ai! A Dança estão, felizmente, a ter. É que, sobretudo se pensarmos nos mais pequeninos, duas horas é muito. E como em todos os ‘núcleos’ há as mesmas modalidades, os espectadores vêem-nas repetidas, se bem que com outros dançarinos (há, sobretudo, dançarinas – e seria interessante uma campanha para que os jovens do sexo masculino acorressem também…) e com diferentes figurinos e coreografias. A possibilidade de, em vez de um só espectáculo, em três sessões (bem sei que têm alinhamento distinto), se pensar em mais é capaz de ser uma hipótese não descabida.
            Mas que um espectáculo assim ainda merece um aplauso maior isso é que bem no merece! E é, na verdade, um encanto demorar, por exemplo, o olhar naquela pequenina além, toda entusiasmada, balançando-se, numa delícia… Pode não seguir exactamente os gestos e os passos que a professora faz e ela, observando-os, tenta imitar; pode, a dado momento – tal como o guitarrista que acompanha um fado parte por montes e vales a ensaiar outros ritmos… –, ir por aí além, em nova desenvoltura… Mas tenho a certeza de que estar ali lhe deu um gozo enorme, lhe encheu o peito de orgulho e, nessa noite, dormiu muito melhor e teve sonhos de bailar!...

Publicado em Cyberjornal, 2015-01-13:

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O Fio das Harpas, de Fernando Miguel Bernardes


            José d'Encarnação[*]

            Resisto a passar as páginas, antes de me consciencializar do que vou ler.
            O Fio das Harpas.
            Harpas contém ressonância antiga, límpida, a desdobrar-se em ondas sonoras pelo espaço. Não um espaço qualquer! Harpa requer recolhimento, em pequena sala aconchegada, em casebre de pedra nua perdido na encosta num aninhar de lareira, sombra vasta de árvore a acolher rebanho em hora de acarro – pois seja: que o tilintar da guizalhada não se compadece com o vibrar das suas cordas…
            Fio – com fio se faz um tecido para aquecer mágoas e confortar rudezas; com fio se cortam maldades, se talham esconjuros… Por um fio se passa, se vive, se morre, se grita – que ele também são fios as nossas cordas vocais.
            O Fio das Harpas promete, pois, sossego, sim, a maviosa envolvência; mas também o gume que não hesite em cortar!
            Vamos ver!
            São quase 200 páginas de caminho. Deixar-nos-emos embalar!
            Olá!... A caminhada promete – que por ali andou o lápis azul, a confiscação compulsiva. E vozes do nosso actual – e eterno! – descontentamento. Baladas. O Zeca, o Zé Jorge, o Adriano… Estamos, pois, em boa companhia! Recorda-se a velha casa e os anciãos que a encheram. Os companheiros de viagem – idos ou ainda presentes, perdidos nunca!
            E cá está a árvore! As folhas são os fios das harpas que resistem, a cantar, mesmo que com vinagre insistam em lhes regar as raízes. Que elas sabem morrer de pé! E sempre haverá flores, mesmo que o chão seja sombrio! Sempre – porque nós, porque o poeta o quer!...
            «Fico contente se versos faço», se para isso ainda tenho liberdade, pois, no mar, «eu vejo clamores pela paz». No mar, nos guindastes de aço, nas chaminés fumegantes, nos bancos das escolas… Canto a terra – não pelo bem que ela tenha, mas pelo que eu para ela sonho; canto o povo:
 
            «Se poeta sou
            Sei a quem o devo»
 
            – estes são, seguramente, dois dos versos mais significativos de Fernando Bernardes, que acrescenta:
 
            «Ao povo a quem dou
            Os versos que escrevo».

                        Da sua vida rude
                        Colhi a poesia
                        Tentei quanto pude
                        Dar-lhe melodia (p. 26)

            Assume-se o poeta como um arauto, um elo de ligação. Não está sozinho, não, porque o que escreve é dele e das gentes com quem lida e luta, das terras em que se situa e, livre, quer criar raízes. Há, pois, este diálogo sempre! Não se perde em filosofias, em rodriguinhos de estilo, não. Pão pão queijo queijo – mas sempre de uma forma esbelta e, se possível, cantada, ritmada, prenhe de melopeia...
            Que se aprenda, que se baile, que se trauteie num ápice – porque apetece, qual rio que brinca por entre as pedras, pássaro que saltita de ramo em ramo, onda que desmaia na areia mas quer deixar rasto…
            E todo o Universo é convocado para a sinfonia, num conluio amoroso que não é só o da pessoa amada, porque, aqui, amada é a mulher (sim), no lirismo a que não há poeta português que, algum dia, consiga escapar, mas são as gentes, os irmãos…
 
            «Apeia-se o rei e o trono
            põe o pé ao pé do meu
            tu comigo somos dois
            quem ficou só já perdeu» (p. 110).

                        «Se estou ao pé de ti
                        foge-me o tempo entre os dedos…
                        Se longe alongam-se os dias
                        como em prisão, nos segredos» [1962] (p. 44).

                                               Esta noite choveu muito,
                                               de manhã fui ver o mar.
                                               Esta noite amei-te tanto,
                                               Sereno fiquei – de te amar… (p. 70).

            E, por falar em lirismo, sentir-se-ão bastas vezes os ecos das cantigas de amigo e de amor d’outrora e de sempre, que o poeta é trovador mesmo e sonha em ir de porta em porta, de corte em corte, de arraial em arraial, a dizer de sua justiça – «quero a paz do tempo conquistado» –, a colher cravos onde outrem teimou em semear abrolhos:
 
            Amarga-me a boca
            Do travo da vida
            – minha voz tão solta
            Onde foi perdida?

                        Menino de escola
                        Alegre e ridente
                        – onde foi perdida
                        Minha voz contente? (p. 31)

                                               Ai flores, ai flores do verde pino
                                               Se sabedes novas do meu amigo
                                               Ai Deus i o é?

                                                           Ai flores ai flores do verde prado
                                                           Se sabedes novas do meu amado
                                                           Ai Deus i o é?

            Uma delícia este ritmo de embalar:
 
                                   vi-te vi-te verde
                                    na pedra a cismar… (p. 84)

                        vermelho vermelho sangue…

            No Inverno bato o queixo
            – qualquer dia, qualquer dia!...

                        No Inverno aperto o cinto
                        – qualquer dia, qualquer dia!... (p. 34)

            Irmão camponês, acredita: qualquer dia, qualquer dia. E esse dia virá! «Que também na lama do Nilo vicejam as flores de lótus»… (digo eu). Que «um Homem mesmo longe mete medo» (p. 95).
            Ecos do nosso folclore, em que até a cana verde, algo de comezinho no nosso dia-a-dia actual – quem há aí que veja uma cana verde, que oiça o sussurrar do vento pelo canavial, que saiba, até, onde há canaviais?!... – até a cana verde é ponto de referência. Nela pousou a esperança, apesar do vento, ela aguentou-se lá. Por pouco tempo, parece, porque… pelo restolho se perdeu… (p. 89-90).
            E a mulher dos farrapos mexia e remexia no caixote. Tirou meio pão duro, tirou pente velho, tirou uma flor. Mirou-a, mirou-a e… sussurrou: «Bom dia!». (p. 50) – porque, nós queremos e proclamamos: «Hoje não há cifrões mas uma flor!» (p. 112).
            E relemos a história do Fio de Água – tem Alentejo fronteiras, terras largas vista grande… Alguém hoje se admira que Fio de Água por lá ande?» (p. 62)
            E ele há também por i poemas a partir de mote, quase à moda de além-Tejo:
 
            Papão negro ave torva
            Muito bonda o desatino
            Vai-te embora em má hora!
 
            Deixa dormir o menino…
                                                           Um soninho descansado. (p. 82)


            Pronto, já li. Já saboreei. A longos haustos. Num comboio cheio de ir e vir Cascais – Cais do Sodré – Cascais. E continuei no autocarro e assentei-me no banco do meu jardim, que, junto às brancas orquídeas, aos antúrios bem vermelhos, com o Maio ao colo, ronronando embora, tinha de acabá-lo já. Sem tardança, que apetecia ler, ler… até final.
            Acabei e apetece-me agora voltar atrás, a outras páginas que anotei para releitura serena.
            Que linda a história do buraquinho onde o menino depositou pedras de sal, um pirilampo, suor e esperança, antes de adormecer. De manhã, nada nascera. A avó enganara-o na esperança e ele perguntou: mas não há aí uns senhores que põem sal, pirilampos.... e não se preocupam nem com o suor nem com a esperança e… a coisa resulta?… Como é, avó?  (p. 83).
            Essa flor não nasceu, menino. Nem outras.

            «Renascer uma rosa, amigo Urbano, quando não há Primavera há tanto ano!...» (p. 101).

            E sabes porquê? Porque sob as frondosas faias se treinam cavalos, homens, cães-polícias, enquanto Pedro, na sua boa fé, vai construindo prédios… (p. 106). E quando soar a palavra pão, virão tiros, pegadas, baba – confusão! Porque… «Há o que diz que sim e diz que não / conforme a meia cara com que fala» (p. 115) e o importante senhor «viu escadas subiu escadas / ficou ao nível das gruas / e ao nível dos cifrões / Não ao nível das pessoas» (p. 130), embora alicie: «Come o milho, passarinho, vem cá abaixo à minha mão»; mas… «o passarinho tem asas: antes morto que no chão! (p. 124).
            Vem o título do livro de um poema (p. 138), breve como o são quase todos, de que me prendeu, de modo especial, a 1ª quadra, numa invocação às «doces aves» que – com esse fio das harpas – vão tecendo o tempo… São as andorinhas da capa, em revoada no azulejo, sedentas de insectos, em algazarra, não são, Fernando? Primavera após Primavera… Este, um poema de 1980, onde, se calhar, carecia haver em cima, ao jeito de José Gomes Ferreira, uma breve frase, em itálico, a contar do motivo da inspiração e da frase, porque, de seguida, há estranhas perguntas à mãe: sobre esse mesmo tempo, sobre açucenas por regar, sobre penas que se revivem. Este tempo que voa… tem doçuras, tem flores imaculadas, tem penas de doer…
            E quase nos apetece ficar no rochedo, à beira-mar, ouvindo o piar das aves, o marulhar das ondas… e as açucenas por regar…
            Poeta, que queres tu? Que o tempo não voe, que as flores nunca murchem, que as penas desapareçam? Não, poeta! Estás a querer o impossível, ainda que amor de mãe tudo suplante e saiba inventar melopeias e te ofereça os perfumes que inebriam as penas!...

            Disse amor e fez o gesto
            Disse amor e deu a mão

            Este é um daqueles momentos a eternizar, Fernando! E que bonito que é!

            «Disse amor e pensou homem
            disse homem pensou irmão». (p. 139)

            Nisto nos levam a palma os poetas, quando, com palavras simples, são do tamanho do mundo!
            Termina-se na «construção por vir». Diria eu, a construção que se faz, que se quer fazer, que urge fazer! Para que, na realidade, haja no topo as flores e, espraiando a vista por zimbórios e terraços, de uma vez por todas, dali se veja luz, muita luz e nunca, nunca, a terrível mordaça que silencia, que impõe negras vendas nos olhos, que castiga o grito e ameaça a revolta!
            Que, afinal, Amigos, é de fraternidade a mensagem, fraternidade em construção, uma construção difícil, sim, mas tremendamente consoladora:

            Pedra sobre pedra
            a mão
            o muro abraça!  (p. 154)

                                                           Abracemo-lo!


[*] O texto reproduz a apresentação feita, a 27 de Maio de 2009, no Palácio das Galveias, em Lisboa, do livro em epígrafe, editado por Mar da Palavra – Edições, Lda., Coimbra, Maio de 2009; ISBN: 978-972-8910-39-6.