quinta-feira, 28 de abril de 2011

Pois que vamos por aí…

Eco, sim, do «Cântico Negro» de José Régio; mas num sentido positivo: vamos por aí! Quem nos guia: Deus ou o Diabo? Nem sei! Uma outra entidade, talvez, a reabilitar e cujo nome há Cidadania!

Amarelão
Confesso a minha falta por não aceder com mais frequência às actas das reuniões camarárias. O que habitualmente o Gabinete de Comunicação e Relações Públicas da Câmara nos comunica é a atribuição de subsídios, a celebração de acordos… Nada sobre o período antes da ordem do dia, as sugestões dos vereadores; nada sobre intervenções do público ou sobre o teor das discussões travadas acerca de decisões de interesse para os munícipes… Isso, aliás, é tarefa que cumpre aos jornalistas e sei como foi para mim lição de cidadania a assistência assídua às reuniões após a Revolução de Abril.
Não sei, por isso, se os representantes dos partidos têm insistido aí contra a vergonha que é o amarelão, aquela avantesma que plantaram sobre a Avenida Adelino Amaro da Costa, em Cascais, e cujo termo de obra se prevê para… as calendas gregas, apesar do painel que, no local, outro prazo há muito já assinala. Serve o imóvel para ninho de pombos, e para deixar cair, de quando em vez, um dos azulejos amarelos que o revestem.
Há tempos, certamente porque houve munícipes que instaram, a EMAC deslocou para lá equipa, que limpou o espaço anexo, cheio de entulhos e lixos, destinado, mui provavelmente, ao parque de estacionamento dessa super-esquadra da PSP de Cascais que nunca mais chega!
Entretanto, continua a sofrer-se com as péssimas condições da esquadra na R. Afonso Sanches; os munícipes vítimas de acidentes têm de deslocar-se a S. Domingos de Rana, porque é lá que está (enquanto não for despejada…) a Secção de Trânsito...
Ná, eu creio que as secções cascalenses dos partidos políticos – todos, inclusive o maioritário – semana sim, semana não, estão a pressionar as entidades governamentais para que dêem andamento ao amarelão. Fazem-no, claro, com toda a discrição, para que o Povo não olhe para o fantasma. O pior é que não há hipótese: olha-se mesmo, que o amarelão é grande, entrou pelo passeio adentro e semanalmente fazemos apostas: quantos são os azulejos que cairão esta semana?

Auditório da Senhora da Boa Nova
Um dos bons equipamentos do concelho. Sinalizada a sua direcção para quem sai no nó do Estoril da A5; sinalizada para quem vem de S. João; contudo, na rotunda junto à igreja, torna-se difícil saber que é ali, porque a entrada não está indicada. Faltou mais uma placa na encomenda.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 264, 27-04-2011, p. 6.

Vida interrompida

Sereno final de tarde na Casa de Santa Maria, em Cascais. 14 de Abril, quinta-feira. Afinal, a abertura da exposição constituiu também, em primeiro lugar, reencontro de amigos num sítio deveras aprazível, em torno de dois jornalistas que «Vida Interrompida» vieram expor. A deles – como exemplo para muitos mais, milhares, milhões… Com a desejada serenidade. Na força duma convicção: «interrompida», não acabada!
Exposição para meditar, em sereno final de tarde. Mais do que uma vez! Até 12 de Maio. Imprescindível!
Magníficas, surpreendentes, as fotos de Marcos Borga; sublimes e fortes, os textos de Isabel Nery. Excelente, o catálogo (bilingue, com mui significativo prefácio de Isabel do Carmo) – para guardar e reler!
Parabéns a quanto compreenderam a importância vital de mostrar este «mundo visto da perspectiva do doente»! E a tornaram possível. Que ela se cumpra como itinerante país afora, uma necessidade premente!
O nome. Isabel contou. A terceira intervenção cirúrgica, com anestesia local, a que foi sujeita depois de lhe ter sido diagnosticado um derrame cerebral não estava a correr tão bem como das outras duas vezes; e ela não hesitou em o dizer à médica.
‒ Eu sei, respondeu esta. ‒ Fui eu que a operei as outras duas vezes!
E Isabel perorou:
‒ Custou-me. Para mim, era uma máscara. Não a conheço, nem lhe sei o nome…
Recordei-me, então, como me soubera bem, antes da colonoscopia com sedação, ouvir as palavras dos que me iam acompanhar nos minutos seguintes e de quem eu, de certo modo, ia depender:
‒ Olá, bom dia! Eu sou F…, a anestesista. Vou estar a seu lado e tudo correrá bem, esteja tranquilo.
E as enfermeiras. E a médica. Não lhes fixei o nome, porque, ao contrário da Isabel, que exigiu esferográfica e bloco de notas, eu nada tinha para escrever e a memória já não é tenaz como dantes… Mas soube-me bem. Como me sabe tratar pelo nome (bisbilhoto-o sempre na lapela…) os senhores das bilheteiras dos comboios, as meninas da caixa dos supermercados, o vizinho do lado…
Deitei-me também na maca por dois minutos e olhei para cima. E, por dois minutos ainda que fingidos, a ouvir a Isabel pela voz do Fernando Alves, o mundo foi… bem diferente! Ou melhor: ficou diferente!

Publicado em Jornal de Cascais, nº 263, 20-04-2011, p. 6.

Os grafitos

Ainda hoje voltei a passar por um túnel decorado com magníficos azulejos pintados por Nadir Afonso. Para que a noite e os seus energúmenos respeitassem a obra de Arte e deixassem os demais cidadãos usufruir da beleza ali oferecida, tiveram os responsáveis que impregnar a superfície azulejada de um produto onde os grafitos não pudessem penetrar. E, meses a fio, temos o prazer de contemplar a beleza.
Na verdade, quando se fala em grafitos (grafitti, em italiano), a primeira ideia que nos surge é a dos «pinta-paredes», desrespeitosos de tudo e de todos, que assim se divertem escrevendo obscenidades ou marcando território, porque – tenho impressão, não sei ao certo – há grafitos tão enigmáticos para o cidadão comum que seguramente o não serão para os «grupos» – ia a escrever «seitas» – que deles ser servem para transmissão de mensagens que se situam, julgo eu, no domínio do esotérico, do marginal (se é que esta noção de marginal é aplicável, quem são os marginais?...).
Durante muito tempo, apenas havia grafitos nas casas de banho públicas. O privilégio de aí se poder estar alguns minutos fora de alheias vistas e em segredo propiciava e seduzia a escrita de um dito, amiúde a roçar o grosseiro ou a banalidade imprópria, dos que se não ousam escrever à luz do dia.
Depois dessas ‘intimidades’, surgiu um outro tipo: o da reivindicação, da revolta, do grito de desespero contra um governo autista, contra o capitalismo dominante, a democracia, o nazismo (ou a seu favor)…
Curiosamente, acabou por verificar-se que esses locais de isolamento – num comboio, numa praça, nas retretes dos estabelecimentos de ensino… – reflectiam, afinal, o que os psicanalistas apelidam de pulsões, de traumas recalcados… E houve até quem se houvesse debruçado sobre o tema, a fim de elaborar tese de doutoramento, tão rico, afinal, do ponto de vista sociológico, político e, até, moral, ele se apresenta.
Todos se lembram – mesmo os mais novos já disso ouviram falar – da beleza dos grafitos que ornaram paredes públicas logo após o 25 de Abril. Aliás, deles se fez exposição. Alguns saberão também que essa prática já vem de longe nos tempos! Os homens do Paleolítico gravaram as paredes das cavernas e… as rochas de Foz Côa! Os Romanos deixaram grafitos na sua cerâmica!

Publicado no quinzenário de Mangualde, Renascimento, 15-04-2011, nº 568, p. 13.

Notas avulsas… de um cidadão olheiro!

Quando criaram os tutores de bairro pela EMAC, disseram que nós seríamos uma espécie de olheiros. Acho que o jornalista – nomeadamente o que escreve nos jornais locais – deve ser também esse olheiro, a informar o que lhe parece menos bem (e a aplaudir o que está bem, claro!), porque aos responsáveis autárquicos nem todas as informações chegam, em tempo oportuno. Até porque também a imprensa local é fonte de informação histórica e, se nada se disser, quem mais tarde o saberá?
Demos, pois, uma ajudinha, mudando, desta feita, o estilo da nossa crónica de hoje.

Camarim Eunice Muñoz
Em singela, mas mui tocante cerimónia, o TEC – por iniciativa de João Vasco – decidiu dar o nome de Eunice Muñoz ao camarim ora ocupado pela actriz para a peça «O Comboio da Madrugada». Foi no Dia Mundial do Teatro, 27 de Março.



Uma surpresa após a cerimónia evocativa que se desenrolou no final do espectáculo, na companhia de um pequeno grupo de amigos. Eunice emocionou-se e garantiu que o TEC era uma companhia única, pela forma como se trabalhava, em entreajuda, em comunhão de ideais… E, também emocionados, todos aplaudimos, nessa comunhão.

Parque de estacionamento do Gandarinha
Está quase pronto o parque de estacionamento do Gandarinha e creio que irá ser seguida, em parte, a proposta que ousei fazer de ser um parque diferente no que concerne a custos, atendendo aos dois locais que serve – a Casa das Histórias Paula Rego e o Parque Marechal Carmona. Equipamento cultural, um; equipamento social, o outro, grandemente procurado pelas famílias para aí passarem uma ou duas horas com as suas crianças, quer ao fim-de-semana quer ao final da tarde. Tenho-o frequentado assiduamente e, em dias bons, o parque infantil regurgita de criançada, que aí tem como motivo de atracção não apenas os equipamentos (parabéns pela sua manutenção cuidada!) mas também a presença de patos e patinhos, pavões e galos (impantes das suas plumagens...) e outras aves…
Um custo moderado – com, por exemplo, a primeira hora gratuita – seria bem-visto e o Município mostrava-se, mui louvavelmente, servidor dos interesses da população.

Parque de estacionamento Palmela
Boa surpresa também terem-nos facultado gratuitamente até aos primeiros dias deste mês de Abril o parque de estacionamento subterrâneo à entrada do Parque Palmela, cuja gestão – tal como a do estacionamento junto ao Parque Gandarinha – foi entregue à ESUC.
Serve às mil maravilhas para quem, do lado poente do concelho queira usufruir de saudável caminhada no paredão. E só quem não anda no paredão é que nem sabe o que perde, mormente no que concerne a exercício físico, a contacto com o mar… O paredão, nos dias bons, tem gente a todas as horas do dia e constitui, sem dúvida, um dos locais mais aprazíveis do concelho de Cascais.
No momento em que escrevo, ainda não disponho de informação de quando é que começa (ou começou) a ser pago e quais os montantes previstos. Mas também aqui, creio eu, o Executivo Municipal deverá pensar-se como… «serviço público». Seria, quiçá, uma forma de se redimir do escândalo (consentido) que continua a ser ter de se pagar – e quanto!... – no estacionamento do hospital, num momento em que esse equipamento, em termos de espera para atendimento, raia o inacreditável (pelas notícias que diariamente nos chegam), num concelho que, também no campo da Saúde, garantia que, com o novo equipamento, iria ser pioneiro. É-o. No mau sentido.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 262, 13-04-2011, p. 6.

Cortar as pedras (4)

Ao cabouqueiro compete, pois, perante as encomendas em carteira, estudar a melhor forma de aproveitar o bloco destacado do banco pelo tiro.
Deverá ter em conta as dimensões das peças maiores e, naturalmente, dar o desconto para o desbaste. Uma tarefa que só a experiência ensinara a fazer na perfeição.
Tudo se mede com o maior rigor, dum lado e doutro, nas três dimensões, analisando eventuais veios que possam desfear peças como peitoris, ombreiras e, até mesmo, algum outro adorno arquitectónico previsto… Prioridade, pois, às peças maiores e mais delicadas.
Um lápis nº 3 ou o bastão de grafite de pilha fora de uso serviam para marcar, com o auxílio de tosca tábua em jeito de régua, os cortes a fazer. Como o bloco ficava amiúde no próprio banco, era sentado nela, fundilhos das calças de cotim sobre uma serapilheira (resto de saco de batatas) ou o rijo papel dos sacos de cimento, que o cabouqueiro, com o ponteiro e a maceta, abria, a espaços medidos, os buracos, devidamente direccionados no sentido do corte, oblongos, para meter os guilhos («pichotes», na gíria). A experiência ditava a distância entre um e outro e a profundidade (nunca superior a quatro dedos de uma mão travessa).
Ajeitava-se com a maceta e, depois, um a um, com golpes secos do maçacopas, ia-se provocando a penetração. Serenamente, sem pressas, com a mesma força em cada um, de uma ponta a outra. Até rachar. E assim fica a peça em bruto, pronta para o canteiro dela fazer obra-prima!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 147 (Abril 2011) p. 10.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O Espaço-Memória do TEC

REPOSITÓRIO DE LUTAS E DE EMOÇÕES

Tem Cascais uma série de museus, a merecerem visita não apenas dos forasteiros mas também – ia a dizer: sobretudo – dos seus habitantes. Um museu não é, de facto, um amontoado mais ou menos organizado de velharias; constitui, ao invés, um lugar de memória – e um povo (como os seus governantes…) sem memória é um povo perdido. O Espaço-Memória do TEC, ali na Av. Marechal Carmona, é um desses lugares, repositório de lutas e de emoções.em>

Uma evocação pessoal
Como redactor do Jornal da Costa do Sol tive ensejo de acompanhar, a par e passo, a longa odisseia desta companhia teatral, que a muito custo se instalou, em 1965, no Teatro Gil Vicente, o santuário do teatro amador, no coração da vila velha, aureolado de uma tradição que vinha do tempo dos reis!
Apoiante indefectível – sempre! – das manifestações culturais, nomeadamente das que brotavam da iniciativa das colectividades, a equipa de Jornal da Costa do Sol, liderada pelo seu fundador e director, João Martinho de Freitas, teve, porém, em relação ao empreendimento de Carlos Avilez e de João Vasco, os seus rostos mais significativos, uma atitude do mais incondicional apoio, até porque sabíamos quanto sobre eles pesava o olhar feroz da Censura!
E se Jornal da Costa do Sol, a partir de determinado momento, teve de começar a enviar à Comissão de Censura as provas de página (porque os senhores do lápis azul não confiavam em nós e já, maliciosamente, deixáramos em branco um pedaço de página equivalente ao texto que fora censurado…), o Teatro Experimental de Cascais era visitado amiúde nos ensaios e, de modo muito especial, no ensaio geral, não sendo raro que, à última hora, se tivessem de alterar frases, gestos… eu sei lá!
Fui a casa de João Martinho de Freitas uma semana antes de ele falecer (a 4 de Julho de 1971). Levava-lhe o meu comentário acerca da peça Ivone, Princesa de Borgonha, do polaco Gombrowicz, que estreara a 20 de Junho. Lembro-me de me ter perguntado como era o espectáculo e ter ficado muito contente com o que lhe contava, entusiasmado também, como eu estava, com o que vira. Curiosamente, o texto viria a ser publicado na edição de 3 de Julho (pág. 5), o último número de Jornal da Costa do Sol saído sob sua direcção. Ivone era… Zita Duarte – e foi essa a imagem escolhida pela direcção do TEC para identificar o Espaço-Memória.
«Zita Duarte (Ivone) atinge o máximo: máscara imperturbável, semilouca, duma serenidade dominada até ao paroxismo, exacta na expressão facial e no andar. A sua melhor interpretação de sempre, a merecer um caloroso aplauso. Todo o resto não prestasse, valeria a pena deslocar-se a Cascais para ver Zita Duarte» – escrevi então.

129ª produção
Tem uma razão de ser a escolha deste tema para a rubrica ‘Patrimónios cascalenses’: é que, no programa da peça ora em cena no Mirita Casimiro, O Comboio da Madrugada, de Tennessee Williams, recorda-se que esta é a 129ª produção da Companhia, a celebrar o seu 45º aniversário; e, no preâmbulo, as palavras de Carlos Avilez são apenas de agradecimento aos que nesta peça trabalharam com ele e, por extensão, a quantos constituem «a imagem exemplar de uma companhia que comemora 45 anos de existência»: «Para todos o meu muito obrigado», conclui. Mais adiante, no termo da conversa que teve com Eunice, Pedro Caeiro e Miguel Graça, confessou:
«Não me importava de não fazer mais teatro e ficar como a senhora Goforth, fechado num montanha a viver momentos como os que passámos nestes ensaios, e a recordá-los».
Posso, sem dúvida, extravasar deste dado concreto para o geral: Carlos Avilez tem razões de sobra para não deixar que morram recordações. E para isso aí está o Espaço-Memória, que, aliás, lhe é dedicado, pela sua «vida inteira dedicada ao teatro», como escreveu João Vasco, a 13 de Abril de 2004, no folheto distribuído por ocasião da inauguração.

Um espaço de «passado com futuro»
Soará a lugar-comum a expressão «passado com futuro»; é, todavia, essa a finalidade deste espaço, criado num dos lugares por onde a companhia teve provisório poiso, onde chegou a haver representações.
Explica-se que ali se pretende documentar «o percurso da Companhia entre 1965 e 2003», «o primeiro acto de mostragem do nosso acervo museológico», no que concerne aos espectáculos de estreia, deixando para outra oportunidade (será o Espaço-Memória 2, a concretizar – oxalá! – no projecto de Carcavelos) a documentação relacionada com as digressões e obras de arte concebidas por colaboradores como Francisco Relógio (mostram-se na exposição os figurinos relativos a Gil Vicente, mas falta o painel concebido para a Expo’70 no Japão), Graça Morais (os painéis para a peça Os Biombos, de Jean Genet)…
Em todo o caso, há por ali muito para apreciar mesmo nesse aspecto artístico: a maqueta de Mestre Almada Negreiros para O Mar, de Miguel Torga, aquela em que António Feio se estreou; figurinos de Mestre Júlio Resende… Pelo TEC passaram – continuam a passar, acrescento – «grandes figuras da nossa cultura», salientou João Vasco. É, aliás, esse um dos apanágios da companhia, que, aproveitando o espaço para exposições temporárias (está lá agora a evocativa de Carlos Paião, depois da de António Feio), desta forma vai perpetuando a memória desses vultos.
Não esqueçamos que ao TEC se deve a criação da Escola Profissional de Teatro de Cascais, alfobre de muitos dos actores que hoje dão cartas nas telenovelas e nos palcos, e a preocupação didáctica de Carlos Avilez, de João Vasco e, de resto, de muitos dos elementos da companhia, professores também eles naquela escola, tem estado sempre presente: queremos mostrar isto «às novas gerações de actores»: temos «o dever de os apoiar e incentivar, transmitindo-lhes a mensagem que é preciso lutar para que as instituições e o público nos respeitem». «Um país sem cultura está moribundo», perorou.

Pessoas
Nunca será de mais salientar o papel desempenhado por Joaquim Miguel de Serra e Moura, na sua qualidade de Presidente da Junta de Turismo da Costa do Sol, no apoio incondicional ao TEC desde a primeira hora, contra ventos e marés, ele que era, teoricamente, paladino da situação, enquanto as peças do TEC visavam alertar o público para o verdadeiro significado da cidadania autêntica!
Andou este espólio de armazém em armazém e, durante anos, incumbiu-se voluntariamente Olga Sande Freire, antes de ser vereadora da Câmara, da árdua tarefa de tudo miudamente catalogar e organizar.
Duas pessoas (Serra e Moura e Olga Freire) que cuidaram… de pessoas! Dir-se-á que estão ali roupas, cenários, adereços, música… e não pessoas! Puro engano! «O teatro», anotou João Vasco no texto que estou a seguir, «é uma arte efémera, pois, cada noite, quando cai o pano e cessam os aplausos, fica unicamente a memória daquilo que o actor transmitiu aos espectadores através da sua arte»; mas «a sua angústia fica consigo», na vontade de «criar energias para recriar o seu próximo personagem»…
Certo, há material disponível para se ver e ouvir: uma entrevista a Jean Genet (de quem o TEC representou As Criadas e Os Biombos); um documentário sobre Mirita Casimiro (que sempre se recordará, azougada, em A Maluquinha de Arroios, de André Brun [1966]); um outro sobre o que foi o Dia de Portugal na Expo’70… Sim, aí há pessoas que se ouvem, que connosco convivem mais sentidamente. Contudo, difícil é mostrar, senão evocando, o que foi a cenografia dum Rei Lear ou, de modo muito especial, de uma Fuenteovejuna, de Lope da Vega, uma peça escrita em 1610, mas que tantos engulhos causou à Censura e ao TEC, pela sua tremenda actualidade, por representar a rebelião de um povo contra a tirania e a injustiça (estávamos, recorde-se, antes do 25 de Abril!...)...
E volto, pois, a quarenta anos atrás, ao que anotei sobre Ivone, Princesa de Borgonha – porque, além de isso ser passível de se afirmar, ainda hoje, em relação a todas as encenações de Carlos Avilez, aponta justamente esse trabalho enorme que está por detrás de uma peça:
«Todos os trunfos de que o Teatro dispõe foram aproveitados para dar o maior relevo a cada uma das intencionalidades de Witold Gombrowicz: o cenário desnudado e diversificado em planos; os figurinos intencionais; o gesto exacto, quase-milimétrico; o tom de voz; a sonoplastia (raro xilofone em breve melodia, tímido gongo aqui e além disperso); a luz».
Espaço-memória: objectos que foram vida, intimamente ligados a pessoas, a sonhos, lutas, emoções… Para estudar de mansinho.

Publicado na revista Sekreta, de Cascais, II série, nº 7, Março de 2011, p. 10 e 11 (que se reproduzem a seguir)



sábado, 9 de abril de 2011

A Santa Casa

«Faz o bem e não olhes a quem» – é dito popular que, de um modo geral, as Misericórdias procuram seguir; segue-o, de modo particular, a Santa Casa da Misericórdia de Cascais. Serenamente, vai, dia após dia, cumprindo a sua missão, na procura de soluções para os inúmeros problemas que lhe batem à porta – porque é para isso que existe: para resolver problemas alheios…
Uma intensa actividade quase anónima que, no entanto, a população bem sente que existe – e isso é o que interessa, pois, na verdade, à porta da Santa Casa todos os dias se apresentam as cada vez mais graves dificuldades para que o desumano sistema instalado vem atirando toda a população.
De quando em vez, alguma notícia ressalta, não só para se dizer «apesar de tudo, estamos aqui!», mas também para salientar algum dos aspectos de uma acção para que, afinal, a comunidade e as entidades precisam de olhar ainda com mais atenção.
E as duas iniciativas – dos dias 24 e 28 – aí estão a comprová-lo.
Escolheu o Presidente da Câmara de Cascais a Sala do Despacho da Misericórdia para, em conferência de imprensa (em que também esteve presente boa parte dos corpos sociais da Santa Casa), anunciar as iniciativas que, no âmbito do Pelouro da Acção Social (a cargo de Mariana Ribeiro Ferreira), estão programadas pelo Executivo Municipal, de parceira com várias entidades, entre as quais, naturalmente, a Misericórdia. Relevo especial foi dado ao apoio domiciliário a idosos, mediante, por exemplo, como se noticiou, a criação de um serviço telefónico de emergência, como noutros municípios já existe. E o nosso voto é de que a falta de meios de que todos vimos padecendo não adie por muito tempo a concretização dessas mui louváveis iniciativas ora anunciadas.
Por outro lado, a segunda-feira, 28, realizou-se, no Centro de Congressos de Cascais, o I Encontro Apoios Sénior, uma forma inteligente de partilha, informação e estudo para se comemorar o 20º Aniversário do já referido Serviço de Apoio Domiciliário, uma das tarefas mais prementes a que a Santa Casa vem lançando mãos, sem que se veja, por parte dos responsáveis governamentais, a passagem das intenções e das promessas a uma acção concertada e eficaz. Recorde-se que, embora num domínio concomitante, a anunciada colaboração governamental no quadro dos chamados Cuidados Continuados, prontamente instalados na Residência Sénior Prof. Dr.ª Mª Ofélia Leite Ribeiro (inaugurada, em Alcoitão, a 4 de Fevereiro de 2009), não chegou a concretizar-se nos termos previstos, e a Santa Casa foi, por isso, obrigada a denunciar o acordo, dado o elevado montante da dívida acumulada. Neste, como noutros campos, o Estado não se comporta, de facto, como pessoa de bem.
A Santa Casa da Misericórdia de Cascais criou recentemente uma página na Internet – http://www.scmc.pt/ ‒ onde, para além de poderem conhecer as actividades em curso, os interessados poderão encontrar sugestões para colaborarem numa acção a todos os títulos deveras meritória e, nos tempos que correm, fundamental e que a toda a comunidade diz respeito. Consulte-a – e verá como tenho razão!

Publicado no Jornal de Cascais, nº 261, 06-04-2011, p. 6.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Saudades do mar…

Recordo, amiúde, a resposta dada por um recluso, em vésperas de Natal, a Luís Represas, no decorrer de uma visita ao estabelecimento prisional:
‒ A primeira coisa que eu vou fazer quando sair daqui? A primeira coisa, Luís, é ir ver o mar!
Para quantos, como é o meu caso, sempre vivemos à beira-mar, no tremendo privilégio de ouvir, em noites de tempestade, o bramir das ondas contra os rochedos e o ronco angustiante dos faróis… estar algum tempo longe dessa vastidão arrasta saudade. A possibilidade ímpar de um alaranjado pôr-do-sol, a ver as longas e rápidas filas negras de patos rentinhos à água em demanda de lugar para a pernoita…
Pensei nisso tudo quando tive a notícia, bem propalada na Comunicação Social, de que Mangualde ia ter praia artificial, possivelmente já disponível a partir do Verão. Achei a iniciativa genial e logo supus que de pronto se levantariam vozes cépticas, algum sarcasmo, agoiros de mocho em noite sem lua…
Do litoral onde vivo tenho demandado ultimamente terras várias no interior do País. E o sentimento que me assalta é cada vez maior: vive-se bem aí; os municípios têm apostado largamente no bem-estar da população, na criação de pontos de encontro, amplos jardins, esplanadas, até ruas pedonais, bibliotecas novas e bem arejadas, auditórios e salas de exposições, museus a pedir meças aos de Lisboa que, frequentemente, não atam nem desatam, alvo predilecto, como são, das quezílias partidárias e governamentais…
Tem-se melhorado a oferta de alojamento; os restaurantes primam pelo preciosismo de uma decoração tradicional e, claro, da culinária típica. O turismo em espaço rural ganha adeptos; um projecto como o de Póvoa Dão, a conhecida aldeia rural recuperada na freguesia de Silgueiros (Viseu), deliciou-me e, se todos quisermos, outros exemplos idênticos poderão surgir.
Sim, apetece ouvir o mar, alongar os olhos pela sua vastidão imensa; mas é também no aconchego da ruralidade, no saborear de um naco ainda quente de pão trigueiro que a alma se nos reconforta e ganha serenidade…

Publicado no quinzenário de Mangualde, Renascimento, nº 567, 01-04-2011, p. 13.