sábado, 28 de novembro de 2015

O sonho: ter uma bicicleta!

            É também neste aspecto que bem se verifica a evolução havida de há uns 60 anos a esta parte. Recordo-me que a maior alegria que poderia dar-se a uma criança quando terminava com êxito o exame da 4ª classe, ou seja, quando concluía a primeira fase dos estudos – a chamada Instrução Primária – era presenteá-la com uma bicicleta!
            Tratava-se, naturalmente, de uma bicicleta pequena, de brincar, para andar na rua junto à casa. Nunca se pusera, por exemplo, a hipótese de ser esse um meio de deslocação para a escola; unicamente, para ir, quando muito, à mercearia do lugar comprar pão ou legumes... Também corridas de bicicletas era só no âmbito das brincadeiras locais.
            Quando fiz 14 anos, fui à Câmara Municipal apresentar-me para tirar a «licença de condução de velocípedes». Tive de provar que sabia conduzir e conhecia minimamente as regras a respeitar na via pública. Já não tenho esse documento, mas, a 27 de Janeiro de 1968, 23 anos feitos, essa licença foi-me renovada, para «velocípedes com motor», porque, entretanto, surgira o meio de transporte logo a seguir em categoria: a Sachs Minor!
             Escrevi «meio de transporte». Na verdade, a bicicleta, nesses anos 50 do século XX, era o meio de transporte habitual das classes trabalhadoras. Meu pai ia de bicicleta para a pedreira e, para os demais trabalhadores, ter bicicleta era também um sonho a realizar.
            Em Portugal, há regiões, como a Bairrada, onde a bicicleta é, ainda hoje, o meio de transporte mais usado por homens e por mulheres; no entanto, o país – salvo no sul – é muito acidentado, de modo que andar de bicicleta exige um esforço anormal, que determinou, por isso, o seu escasso uso quotidiano. E, por conseguinte, nas áreas urbanas, para além daqueles que praticam ciclismo, a bicicleta utiliza-se como forma de passeio turístico, não se poupando as autarquias a disponibilizarem, para o efeito, bicicletas gratuitamente ou a muito baixo custo e a construírem ciclovias, que são, na realidade, muito frequentadas por quem vê na bicicleta um excelente meio de se manter em boa forma física!

                                                                       José d’Encarnação
Publicado em Portugal-Post – Correio luso-hanseático [Hamburgo], nº 58, Novembro de 2015, p. 33 (com tradução em alemão).
Com a devida vénia, junto a licença de condução de velocípedes,
que António de Azevedo Coutinho fez o favor de me enviar, para
se completar o rol. Veja-se, p. f., o comentário dele infra.
 
 

sábado, 21 de novembro de 2015

Da falência à exportação!

             É voz corrente que português no estrangeiro faz das tripas coração, qualifica-se, trabalha bem, não hesita em lavar pratos ou limpar sarjetas, ainda que haja adquirido habilitações para tarefa específica e especializada.
            Ocorreu-me esse dito, ao ler a nota informativa que VilAdentro inseriu na edição de Julho de 2014, mui sucinta, como é seu timbre. Guardei o recorte:
            «A China e os Estados Unidos da América são os maiores clientes do sienito nefelínico da pedreira da Nave, em Monchique. Uma pedreira, em processo de falência, foi adquirida por espanhóis. Estes investiram e já exporta para vários mercados e a pedra é praticamente única no mundo».
            Não sei como evoluiu a situação, mas três palavras quero sublinhar: falência, exporta, única. A primeira desejaria vê-la bem longe de S. Brás; a última aplica-se a muitos dos nossos produtos; a segunda gostava de a ouvir mais vezes.
            Muito prezam os são-brasenses a colónia estrangeira que por cá optou residir. Mas… há sempre aquela dúvida a assaltar-nos: «Se eles conseguem, porque não conseguiremos nós?» Capacidade e imaginação – individuais e colectivas – não nos faltam. Quiçá menos obstruções burocráticas é que seriam de desejar. Urgentemente. Antes que o «sangue» se esvaia por essas fronteiras além!...
                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 228, 20-11-2015, p. 11.

 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Sexta-feira, 13 - Enorme, inesperado e assustador trovão!

             Sexta-feira, 13, enorme, inesperado e assustador trovão ecoou, às 21 horas e 27 minutos, no Mirita Casimiro, e todos os espectadores deram um salto! Seguiram-se, naturalmente, largos sorrisos, porque depressa nos apercebemos de que era o sinal: «Macbeth» ia começar! Retiraram-se os fotógrafos que, minutos antes, procuravam colher os melhores ângulos da selecta assistência, para ilustrarem as páginas das revistas sociais e… a tragédia começou, as bruxas chegaram!
O cenário...
            Não, da tragédia sangrenta de Paris, iniciada às 21 e 15 (hora de França, mais uma hora que em Portugal), ainda não se sabiam notícias. Só ao intervalo, por volta das 23, é que os «smartphones» e os telemóveis mais vulgares voltaram a ser ligados e o drama ficou estampado nos rostos. Não sei se alguns de nós voltámos a pensar no facto de «Macbeth» ser considerada uma peça de maldição, «fruto dos muitos acidentes sofridos por actores e actrizes, por vezes fatais, e de teatros consumidos pelo fogo», como lembra Miguel Graça na folha explicativa do espectáculo. Porventura, agora, os mais supersticiosos adicionarão esta estreia – apesar de mui auspiciosa – ao rol de desgraças já secular.
            Direi, porém, que a chacina de Paris vem na sequência – queira-se ou não – do que na própria peça eloquentemente se apresenta, ainda que tudo se faça passar num bem longínquo século XI e numa Escócia governada por Macbeth. Mas também então há gente que se assassina a frio, à punhalada, só para não deter o poder. Assassina-se quem o detém, quem o apoia e quem poderá vir a fazer sombra aos novos poderosos. Claro, «para dourar a pílula», há todo um clima de superstição, de visões, encantamentos… e três sedutoras bruxas, qual coro de tragédia grega, incitam, profetizam, enfeitiçam…
O requinte do trajo real!
A maravilha do vestido real
            Não havia, então, promessa de huris em mui serenos e sempre refrescantes oásis de eterna felicidade; mas o ideal cavaleiresco, de honra a conquistar pela espada, exercia fascínio igual. Custa-nos a crer no que vemos e ouvimos; observando, porém, o que ora nos rodeia, quase um milénio passado, não há dificuldade em – mui dolorosamente, é certo – encontrarmos assaz gritantes coincidências. E é esta a missão do Teatro: tornar consciente, pôr ali diante de nós, num cenário despido (aquelas colunas, apesar de metálicas e paralelepipédicas, lembraram-me estalactites de misteriosa gruta…), aquilo que múltiplos véus amiúde logram ocultar!

O espectáculo
            Não perguntei a Carlos Avilez se escolhera a peça pela sua flagrante actualidade. Provavelmente, não. Terá querido, apenas, voltar a pôr em cena um Shakespeare, que é sempre um desafio maior.
Uma bruxa e suas
transparências
            Outros – muito melhor do que eu, pela cultura teatral que detêm – apreciarão pormenores e dirão do desempenho dos actores. Assisto à representação com o intuito de apreciar devotamente o resultado de um trabalho que, ao longo de meses, insistentemente foi levado a cabo por toda uma equipa, com o fim de nos proporcionar, em quase três horas, um desafiante retorno ao passado, na secreta esperança de que descubramos estar, afinal, bem no presente! Não posso, contudo, deixar de assinalar três aspectos que mais se seduziram:
            - Um trio de excepção: Carlos Avilez, Miguel Graça e Fernando Alvarez. Carlos Avilez foi, de novo, o encenador rigoroso, o que tudo exigiu. Miguel Graça trouxe-nos uma versão muito própria, com o estilo apurado a que já nos habituou. Mais uma vez, a cenografia e os figurinos estiveram a cargo do génio que é, sem dúvida, Fernando Alvarez, génio de experiência feito.
            - Lugar à parte justificam, desta feita, os figurinos. Rosário Balbi foi a mestra de guarda-roupa e as costureiras (Helena Fonseca, Lurdes Silva, Manuela Fernandes, Palmira Abranches e Teresa Balbi) souberam concretizar às mil maravilhas o que fora concebido. A originalidade do corte de todo esse guarda-roupa, quer dos elementos masculinos quer dos femininos, merece o maior destaque e, se prémio houvera para a modalidade «figurinos e guarda-roupa teatrais», eu o daria aqui, sem a menor dúvida! Excelente!
            Por fim, a representação: a peça é um clássico, vestido, por isso, da austeridade a que o teatro inglês nos habituou. Os actores compreenderam-no bem e tivemos o prazer de verificar quanto se apuraram na boa dicção, no gesto contido, na expressão corporal adequada. Houve, é natural, protagonistas, os que têm mais falas, os que desempenham um papel com maior relevo no desenrolar da acção (Marco d’Almeida em Macbeth, Flávia Gusmão em Lady Macbeth, por exemplo); contudo, a impressão que nos fica é que a equipa brilhou por igual, na entrega máxima ao que lhe fora proposto fazer.
            Uma tragédia que poderia ter-se passado assim no longínquo século XI. Uma tragédia que ora se passa, inesperada e em rasto bem doloroso, nesta segunda década do século XXI. Um milénio se esvaiu, a sanha do Homem não!
                                                                      José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 117, 18-11-2015, p. 6.

Fotos de Ricardo Rodrigues (da página do TEC).

terça-feira, 17 de novembro de 2015

«Macbeth», pelo Teatro Experimental de Cascais

            Estreou na sexta-feira, 13, no Teatro Municipal Mirita Casimiro, a peça «Macbeth», de William Shakespeare.
            Acorreram à chamada distintas personalidades da cena teatral e da cultura portuguesa. Muitas fotografias, portanto. E quando um flash disparava era logo chamariz para mais quatro ou cinco. Francisco Pinto Balsemão e esposa, Carlos Carreiras e esposa, Ricardo Baptista Leite, Eunice Muñoz, Io Apoloni, FF, Mário Vieira de Carvalho, muitos actores ligados às telenovelas da SIC… contámos, assim num relance.
            Encenação, sóbria e rigorosa, de Carlos Avilez, sobre mui ajustada versão textual de Miguel Graça. Fernando Alvarez encarregou-se, como vai sendo hábito, da cenografia – despida e severa – e dos figurinos, a merecerem, estes, um grande aplauso pela excelência e originalidade.
Os protagonistas. Foto de Ricardo Rodrigues
            Participaram actores do elenco efectivo da companhia (Luiz Rizo, Teresa Côrte-Real), tendo Carlos Avilez convidado também vultos já conhecidos da cena portuguesa: Marco d’Almeida, por exemplo, é Macbeth e Flávia Gusmão Lady Macbeth. Uma nota para Luís Lobão, vindo, como outros, da Escola Profissional de Teatro de Cascais e que é o autor da peça «O Protagonista», ora em representações no Auditório Fernando Lopes-Graça (Parque Palmela).

            A peça, escrita em 1606, faz reviver as intrigas políticas de um (aparentemente) remoto século XI, numa Escócia onde a superstição, o sobrenatural, herdeiros da ainda mais remota mitologia céltica, parecem enquadrar visceralmente o quotidiano e a ganância do poder não hesita em lançar mão do punhal para assassinar a frio quem se considere empecilho num caminho que, a todo o custo, se quer percorrer.
            Três mui sedutoras bruxas (Lídia Muñoz, Raquel Oliveira e Cláudia Semedo) surgem, a espaços, qual fatídico coro de tragédia grega, a vaticinar mais desgraças, a proclamar que, afinal, os humanos mais não são que instrumentos de misteriosas forças ocultas.
            Mais uma vez, a permanente actualidade do Teatro aqui eloquentemente documentada, mormente se tivermos em conta que, em simultâneo, na (supostamente) longínqua Paris, outra horrenda chacina se perpetrava, em nome da religião.
            A peça estará em cena até 27 de Dezembro, de 4ª a sábado, às 21 h., e ao domingo às 16.

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Cyberjornal, edição de 17-11-2015:

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Adufe, o instrumento e a agenda!

            A criação, na orgânica municipal, de um sector dinamizador das iniciativas culturais, veio dar-lhes o papel que elas efectivamente detêm na vida de um concelho.
            Bem depressa se compreendeu, porém, que iniciativas sem público não têm jeito nenhum e, por isso, a ‘figura’ da agenda cultural ganhou mui significativa expressão. Distribuída porta a porta, disponibilizada em lugares-chave, mais ou menos bem estruturada de molde a ser de mui fácil consulta…
            A chegada da Internet e a criação das páginas virtuais de cada município encheram de entusiasmo os seus adeptos, que facilmente se convenceram e convenceram os responsáveis autárquicos de que… a Internet é que é bom! Nada de papel, nada de gastar dinheiro, nada de abater árvores!... Toda a gente que quer saber se há bailado esta noite, ou fados, ou a inauguração da exposição, ou o que de importante tem o património concelhio… está tudo ali, à distância de um clique!
            Tenho procurado mostrar como esta concepção está errada, porque nem toda a gente tem acesso à Internet, nem toda a gente dispõe de computador (ou, tendo-o, nem sempre o ‘sinal’ é o melhor…) e, sobretudo, nem toda a gente tem tempo para abrir a página da autarquia e tentar descobrir – clica aqui; não, clica ali; não, é mais além!… – o que há para ver no próximo fim-de-semana!
            Por isso me não canso de louvar, por exemplo, o Município de Idanha-a-Nova, por nos brindar com Adufe. Dir-se-á que não é bem uma agenda cultural; não o é, de facto: apresenta-se como «revista cultural», mas exerce as funções de uma agenda, inclusive sendo bilingue, o que é de muito louvar numa autarquia da raia!
            Tenho presente o nº 23, de 2015. É roteiro (artesãos, gastronomia, restaurantes, turismo de natureza e caça, alojamento, associações culturais, informações úteis…), mas é também um repositório de mui excelente apresentação gráfica! Logo o portefólio nos delicia com a reprodução de panfletos, postais, seguros, cédulas, jornais, sabonetes, tudo relacionado com a Casa das Novidades fundada em 1898. Entrevista-se Rosário Cordero, presidente da Diputación Provincial de Cáceres, que «quer retomar a cooperação com os municípios portugueses vizinhos». «Para além da fachada» mostra exemplares da arquitectura popular, em eloquentes fotografias. Merece lugar de relevo Ervas da Zoé, que, no Ladoeiro, recupera as «ervas da vida» (poejo, perpétua-roxa, tomilho, salva, hortelã brava...). Visitam-se as pinturas do Palácio Hermínia Manzarra. Recupera-se a memória de Jaime Lopes Dias, «notário, vereador, administrador e jornalista» de Idanha. E ainda há tempo para falar dos patos selvagens!
            Adufe, o instrumento; Adufe, uma agenda, instrumento também de exemplar divulgação cultural – a aplaudir!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 673, 15-11-2015, p. 12.

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Grajaus

             Conversava com meu irmão a propósito de um vizinho que, segundo parecia, se teria apropriado de parcela de uma serventia pública. E explicava-me que, mesmo que fora verdade, daí não adviria mal ao mundo:
            - Esse caminho é só grajaus e está perigoso!
            Fiquei atónito! Nunca tal palavra ouvira em dias da minha vida! Corri aos dicionários e só no do falar algarvio dei com o significado:
            «Grajau ou gragéu: grande quantidade de calhaus misturados ou logo abaixo da superfície do terreno de agricultura».
            Um significado, portanto, bem preciso e a expressão fora empregue com toda a propriedade!
            E uma primeira reflexão me surgiu: meu irmão não é algarvio, já nasceu em Cascais. A palavra ouviu-a, sem dúvida, a meu pai. Como o vocabulário se transmite!
            E a segunda foi a de procurar a etimologia de tão estranha palavra. O Google sugeriu-me o topónimo brasileiro Grajaú, palavra derivada, mui provavelmente, do termo tupi karaîá'y, que significa "rio dos carajás". Será que vem daí o nosso grajau? Que o leito de um rio não deixa de ter calhaus rolados, é bem certo!… A não ser que possa relacionar-se com grageia, variante de drageia, vocábulo que vem do francês. E não é a drageia assim a modos de um calhau pequenino?!...

                                                                          José d’Encarnação

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 202, Novembro de 2015, p. 10.

As iniciativas culturais das empresas

            Tenho a sorte de possuir a colecção completa (nove números) da revista Autêntica, editada pela UNICER. Um projecto acalentado nos primórdios de 2004, tendo como responsável Joana Queiroz Ribeiro, que viria a terminar inopinadamente no 4º trimestre de 2009: «Depois de algumas lágrimas muito disfarçadas, decidimos suspender a edição». Esse nº 9 foi significativamente dedicado ao «envelhecimento». Revista de uma empresa, era também uma grande revista de cultura, de mui excelente apresentação e saboroso conteúdo.
            O curto, mas muito válido, percurso da Autêntica levou-me, naturalmente, aos 15 anos que já leva a Egoísta, também ela uma revista de empresa (a Estoril-Sol), que, ao longo de 55 edições, nos tem proporcionado momentos únicos de beleza, quer nos suculentos textos que serve, quer nas sempre sugestivas ilustrações com que nos brinda.
            Escusado será dizer que em todas as lutas – e mui especialmente nesta de promover Cultura – há, necessariamente, um rosto, o tal que arrosta com todos os obstáculos e que, qual timoneiro, teima em não largar o leme que lhe foi confiado. No caso da Egoísta, o timoneiro chama-se Mário Assis Ferreira.

«Eu pensador me confesso!»

            Não admira, pois, que, tendo Assis Ferreira aceitado o convite para reunir em livro os textos de apresentação dos 55 números da revista, o lançamento desse volume, a que deu o sugestivo título de Egoísta, mas não só – estando este «mas não só» enquadrado na estilização de um cachimbo, que é, seguramente, a sua «imagem de marca» –, haja configurado grande cerimonial de homenagem a um vulto da Cultura portuguesa: «Uma sala repleta de familiares e amigos, onde se identificavam ilustres personalidades de relevo da sociedade portuguesa».
            Foi no final da tarde de 24 de Setembro, no El Corte Inglês, em Lisboa. Na verdade, parece que ninguém resistiu a marcar presença, a fim de testemunhar ao autor quanto se aprecia não apenas a abundantemente premiada revista que dirige, mas, de modo muito especial, a luta sem tréguas que, à frente da Estoril-Sol, vem travando, para que as verbas do jogo sirvam também a promoção de iniciativas culturais, nomeadamente no domínio da Música, da Escrita e da Arte.
            E se calaram fundo as buriladas e certeiras palavras do apresentador, o Doutor Guilherme de Oliveira Martins – aqui, na sua qualidade de presidente do Centro Nacional de Cultura e de habitual colaborador das iniciativas literárias da Estoril-Sol – não foi menos apreciado o descontraído depoimento de Daniel Gouveia, que com Assis Ferreira esteve, por exemplo, na origem do grupo musical Quinteto Académico. Bem agradável de se ouvir a sentida evocação que fez desses tempos de cumplicidades…
          Mário Assis Ferreira agradeceu emotivamente a presença de todos – que, de resto, fizera questão de abraçar, um a um, antes da sessão. Uma alocução sentida, em que salientou o excelente trabalho da equipa da revista, chefiada pela imaginação sem limites (dir-se-ia!...) da editora Patrícia Reis. E há-de ter causado admiração em alguns quando afirmou:
            Eu pensador me confesso.
            Noctívago por obrigação profissional e por opção, Assis Ferreira terá, noite adentro, a sós com um dos cachimbos da sua vasta colecção, a oportunidade de repensar o mundo à sua volta. Colheu dele, ao longo dos anos, mui suculentos conceitos sobre que foi magistralmente dissertando. Parecerá inadequado o advérbio «magistralmente»; não o será, porém, se atentarmos quão fluente a frase se apresenta, riacho que brota, límpido, das profundezas da alma. Ora leia-se:
 
            «E chegue ao rio. Admire-o mais do que uns escassos minutos, controle a bonomia da leve correnteza, acompanhe a elipse do voo de uma ave, tente escutar o espadanar distante dos remos de uma qualquer embarcação.
            Sinta o pulsar dessa cidade que é sua e deixe-a despertar-lhe a paixao: pelo que ela é; pelo que ela, afinal, para si significa.
            E conclua, enfim, que este não é um exercício para um fim-de-semana, é um exercício para a vida inteira. Mas que vale a pena.» (p. 128).

            Não deixou, pois, de sublinhar quanto a vida é, simultaneamente, «uma alegria festejada, uma lágrima contida». E, com «o coração a escrever e a razão a temperar», Mário Assis Ferreira confessou: «Descobri o verdadeiro ser humano que eu sou».
            Um recado, afinal: quando descobriremos, pela reflexão, pela serenidade, o Homem que há em nós e nos outros?
                                                                  José d’Encarnação                           

            Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 115, 04-11-2015, p. 6.

                                                                      

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Uma doação ainda hoje intrigante!

            Quando, em Janeiro de 2011, iniciei a minha colaboração – até agora (privilégio meu!) ininterrupta – no Renascimento, a opção temática inclinou-se para o património cultural mangualdense e, de modo mais específico, para o que os Romanos por aqui deixaram, há dois mil anos.
            Outras sendas, porém, se percorreram, ao longo destes quase cinco anos, porque a crónica se foi adaptando às circunstâncias temporais. Ocorre-me, hoje, voltar aos Romanos, porque, entre os «assuntos pendentes» estava, à espera de comentário, uma placa com inscrição romana, datável do século I da nossa era, segundo a qual um senhor, Gaio Caieliano Modesto de seu nome, terá oferecido aos castelãos Araocelenses o monumento em que a placa foi aplicada.
            O Doutor João Luís da Inês Vaz – e esta poderá ser mais uma forma de homenagear a sua memória – incluiu o seu estudo na tese de doutoramento A Civitas de Viseu – Espaço e Sociedade (vol. I, inscrição nº 83, p. 283-285), obra editada, em 1997, pela Comissão de Coordenação da Região Centro. A placa fora dada a conhecer por Moreira de Figueiredo, nos primórdios da década de 50 do século XX, e guarda-se no espaço que se chamou Museu da Assembleia Distrital de Viseu.
            Três aspectos têm suscitado a atenção dos investigadores:
            1. Os linguistas interrogam-se sobre esse estranho e único nome, que ocupa o lugar de identificativo de família: Caielianus, em latim. É fora do comum, passível de relacionar-se com o linguajar dos indígenas.
            2. Onde ficaria esse castellum? Num alto, decerto, por mor da defesa. O Doutor João Vaz diz que era no monte da Senhora do Castelo, onde se detectaram as ruínas de um castro que os Romanos ocuparam.
            3. E que monumento poderia ter sido esse, oferecido aos habitantes? Edifício público, claro, o que constitui mais uma prova evidente da importância que a região deteve no tempo dos Romanos!
            Que o leitor me perdoe esta incursão histórica por eras tão remotas! Mas não é consolador saber que investigadores nacionais e estrangeiros amiúde, a esse propósito, falam de Mangualde?

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 672, 01-11-2015, p. 10.

Odrinhas: uma evocação, um futuro!

              Na sessão da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, que se realizou na tarde de quinta-feira, 22 de Outubro, José d’Encarnação apresentou uma comunicação intitulada «Odrinhas: uma evocação, um futuro!».
            Depois de ter definido a Epigrafia como a ciência que estuda a forma como o Homem seleccionou ideias para as transmitir aos vindouros, o académico concluiu ser necessário mostrar as epígrafes, expondo-as.
            E, assim, o Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, em Sintra, assumindo-se, neste momento, como museu epigráfico, surgiu da necessidade de se exporem as muitas inscrições romanas encontradas na região, resultado da presença de pedreiras, por um lado, e, por outro, do facto de os seus habitantes, nesse longínquo século I da nossa era, sentirem orgulho em mostrar quem eram.
            Deu-se conta do que foi o primeiro museu, que viria a dar lugar a um novo espaço museológico, bem gizado, dentro da arquitectura tradicional local, pelo Arqº Léon Krier e sua equipa, um projecto internacionalmente reconhecido como exemplar, inaugurado a 11 de Setembro de 1999.
            Depois de uma antecâmara dedicada à escrita etrusca, há a grande ‘basílica’ das epígrafes romanas, a que se segue a epigrafia paleocristã e a epigrafia medieval e a dos nossos dias, não sem se ter passado, antes, pela sala do Cronos devorator, a mostrar a reutilização de epígrafes romanas para os mais diversos fins.
            Salientou-se a bibliografia epigráfica de excelência que a biblioteca recolheu, com exemplares únicos, e, em jeito de aliciamento a uma visita, mostrou-se o que eram cupas, falou-se das lendas que as inscrições proporcionam e realçou-se o elevado interesse histórico do local, ora em escavação, em que se situou o santuário ao Sol e à Lua, num planalto sobranceiro, na Praia das Maçãs, à foz do rio de Colares.
            Referiram-se, a terminar, inúmeras iniciativas que mostram ser este um museu vivo e sempre pejado de atracções.

A grande sala com as inscrições romanas

Imagens referentes a iniciativas que no museu se realizam