quarta-feira, 4 de novembro de 2015

As iniciativas culturais das empresas

            Tenho a sorte de possuir a colecção completa (nove números) da revista Autêntica, editada pela UNICER. Um projecto acalentado nos primórdios de 2004, tendo como responsável Joana Queiroz Ribeiro, que viria a terminar inopinadamente no 4º trimestre de 2009: «Depois de algumas lágrimas muito disfarçadas, decidimos suspender a edição». Esse nº 9 foi significativamente dedicado ao «envelhecimento». Revista de uma empresa, era também uma grande revista de cultura, de mui excelente apresentação e saboroso conteúdo.
            O curto, mas muito válido, percurso da Autêntica levou-me, naturalmente, aos 15 anos que já leva a Egoísta, também ela uma revista de empresa (a Estoril-Sol), que, ao longo de 55 edições, nos tem proporcionado momentos únicos de beleza, quer nos suculentos textos que serve, quer nas sempre sugestivas ilustrações com que nos brinda.
            Escusado será dizer que em todas as lutas – e mui especialmente nesta de promover Cultura – há, necessariamente, um rosto, o tal que arrosta com todos os obstáculos e que, qual timoneiro, teima em não largar o leme que lhe foi confiado. No caso da Egoísta, o timoneiro chama-se Mário Assis Ferreira.

«Eu pensador me confesso!»

            Não admira, pois, que, tendo Assis Ferreira aceitado o convite para reunir em livro os textos de apresentação dos 55 números da revista, o lançamento desse volume, a que deu o sugestivo título de Egoísta, mas não só – estando este «mas não só» enquadrado na estilização de um cachimbo, que é, seguramente, a sua «imagem de marca» –, haja configurado grande cerimonial de homenagem a um vulto da Cultura portuguesa: «Uma sala repleta de familiares e amigos, onde se identificavam ilustres personalidades de relevo da sociedade portuguesa».
            Foi no final da tarde de 24 de Setembro, no El Corte Inglês, em Lisboa. Na verdade, parece que ninguém resistiu a marcar presença, a fim de testemunhar ao autor quanto se aprecia não apenas a abundantemente premiada revista que dirige, mas, de modo muito especial, a luta sem tréguas que, à frente da Estoril-Sol, vem travando, para que as verbas do jogo sirvam também a promoção de iniciativas culturais, nomeadamente no domínio da Música, da Escrita e da Arte.
            E se calaram fundo as buriladas e certeiras palavras do apresentador, o Doutor Guilherme de Oliveira Martins – aqui, na sua qualidade de presidente do Centro Nacional de Cultura e de habitual colaborador das iniciativas literárias da Estoril-Sol – não foi menos apreciado o descontraído depoimento de Daniel Gouveia, que com Assis Ferreira esteve, por exemplo, na origem do grupo musical Quinteto Académico. Bem agradável de se ouvir a sentida evocação que fez desses tempos de cumplicidades…
          Mário Assis Ferreira agradeceu emotivamente a presença de todos – que, de resto, fizera questão de abraçar, um a um, antes da sessão. Uma alocução sentida, em que salientou o excelente trabalho da equipa da revista, chefiada pela imaginação sem limites (dir-se-ia!...) da editora Patrícia Reis. E há-de ter causado admiração em alguns quando afirmou:
            Eu pensador me confesso.
            Noctívago por obrigação profissional e por opção, Assis Ferreira terá, noite adentro, a sós com um dos cachimbos da sua vasta colecção, a oportunidade de repensar o mundo à sua volta. Colheu dele, ao longo dos anos, mui suculentos conceitos sobre que foi magistralmente dissertando. Parecerá inadequado o advérbio «magistralmente»; não o será, porém, se atentarmos quão fluente a frase se apresenta, riacho que brota, límpido, das profundezas da alma. Ora leia-se:
 
            «E chegue ao rio. Admire-o mais do que uns escassos minutos, controle a bonomia da leve correnteza, acompanhe a elipse do voo de uma ave, tente escutar o espadanar distante dos remos de uma qualquer embarcação.
            Sinta o pulsar dessa cidade que é sua e deixe-a despertar-lhe a paixao: pelo que ela é; pelo que ela, afinal, para si significa.
            E conclua, enfim, que este não é um exercício para um fim-de-semana, é um exercício para a vida inteira. Mas que vale a pena.» (p. 128).

            Não deixou, pois, de sublinhar quanto a vida é, simultaneamente, «uma alegria festejada, uma lágrima contida». E, com «o coração a escrever e a razão a temperar», Mário Assis Ferreira confessou: «Descobri o verdadeiro ser humano que eu sou».
            Um recado, afinal: quando descobriremos, pela reflexão, pela serenidade, o Homem que há em nós e nos outros?
                                                                  José d’Encarnação                           

            Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 115, 04-11-2015, p. 6.

                                                                      

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