quarta-feira, 21 de maio de 2025

Sacolejar

             – Sacoleja-me isso bem, môce!
Era uma daquelas embalagens de sumos concentrados, com tendência  a deixar no fundo uma boa porção do sumo e é preciso sacolejar bem para que se beba com a mistura adequada.
«Sacolejar» não é, ao contrário do que eu pensava, um termo algarvio, embora, na realidade, eu pense que é, fundamentalmente, nessa zona que ele é utilizado.
– Então a viagem correu bem?
– Nada disso, amigo! O avião sacolejou muito desta vez. Sacolejou que eu sei lá, ali ao sobrevoar os Alpes. Até um bebé que ia a bordo desatou num choro pegado e o senhor do banco ao lado deu-me a impressão que, mui discretamente, puxou de um terço e deu em desfiar ave-marias… Tudo aquilo tremia, santo Deus!
          Dizem os dicionários que ‘sacolejar’ vem de ‘sacola’, que é como quem diz: a criançada vem da escola, de sacola na mão e aquilo anda tudo dum lado para o outro, num bailado irrequieto.
Não estou a ver lá isso muito bem: que a sacola que nós levávamos habitualmente à escola andasse assim de um lado para outro; mesmo quando nós corríamos, tendo-a a tiracolo – aliás, punha-se a tiracolo justamente para que não bandeasse.
 Sacolejar usa-se para indicar que os recipientes que contêm líquidos susceptíveis de criar depósito, se misturem convenientemente. É preciso agitá-los com alguma energia, quando há aquela indicação «agitar antes de usar». «Agitar» é termo suave, de deferência; sacolejar é mesmo à bruta, sacoleja-me isso bem, môce!
O uso típico algarvio vai no sentido concreto de agitar um líquido para bem ficar misturado na sua composição. Mas, como se viu, o avião pode sacolejar, o comboio sacoleja, o carro de bestas e os outros bem sacolejam nas estradas em mau estado… E até nós cada vez mais sacolejamos com o piso cada vez mais estragado por onde nos obrigam a marchar!...

                                                                                   José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 342, 20-05-2025, p. 13.

 

 

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Pássaros, nossos amigos

           Quando, jovem universitário, me comecei a interessar vivamente pelas lições que, a par das dos docentes, os animais nos davam, lia com proveito os únicos livros que, na década de 60, falavam da fauna selvagem. Requisitava-os na Biblioteca Americana. Um deles, de Alan Devoe, tinha como título «Our Animal Neighbours», animais nossos vizinhos. E quanto não aprendi eu dessas leituras!
Alegrou-me, pois, a notícia publicada na passada edição (página 17) sob o título «São Brás de Alportel dá ninho à Natureza. Município renova aposta no apoio ao alojamento local de aves».
Aí se informa que, em estreita colaboração com a Associação Vita Nativa, se tinham instalado no concelho 29 caixas-ninho, de que 15 tinham sido ocupadas e delas teriam nascido 137 crias, entre as quais 80 de chapim real, 10 de chapim-de-popa, 5 do pardal comum, 24 de trepadeira-azul, 4 de mocho-galego e 10 de coruja-das-torres.
Poderá, a princípio, achar-se estranho falar de ‘alojamento local’ em relação a aves, quando tanto há ainda a fazer para alojamento das pessoas, nomeadamente pela reabilitação de casas e até  de palácios abandonados pelo nosso concelho! Reflectindo, porém, bem depressa se conclui da importância de manter a biodiversidade e de promover a habitabilidade das nossas paisagens para toda a espécie de animais que delas costumam fazer o seu habitat.
Óptima a ideia de se prepararem ninhos artificiais; melhor ainda será se, numa cada vez maior consciencialização por parte da população, se proporcionarem as melhores condições para que as aves por si próprias considerem bom o ambiente para em segurança nidificarem.

Por um território onde a diversidade dos cantares e das cores mais nos alegre os corações. Para que, como diz o mote, seja bom viver em São Brás – também para as aves!

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 341, 20-04-2025, p. 13.