terça-feira, 20 de maio de 2014

Veredas desertos momentos

      Foge-me o olival antigo, triste mais uma vez este ano da azeitona grada por colher. Não foge: é ilusão essa, oferecida pela sibilante rapidez do alfa a correr, desalmado, serra afora.
      Medito no que li e já reli. Paixão será? Amor? Partilha?... E estes olivais não param de fugir!... O amante, porém, se se apressa é para ir ao encontro. Antegoza-o, imagina-o, vive-o, descreve-o até…
      Obcecação será.
      De viver em plenitude, na vontade ingente de sorver – não sôfrego, mas serenamente deleitado – o prazer de uma presença. «Corre em mim tumultuada uma lava ardente que só em ti descobre rumo e apaga o tempo»…
      Rumo. Tempo!
     Serão estas, decerto, duas das noções mais presentes nos poemas do Edgardo.
Rumo:
– Caminhos: «Todos os meus caminhos passam por ti. Quanto mais te vivo mais me encontro»;
– Veredas: «Sem voz nem lei, andamos em veredas que não sei à procura de segredos»;
– Sulcos: «Sei-me barco a marear uma agonia»…
Tempo:
– «Contigo expulsei o tempo e me fiz rio», um rio que engrossa e anseia pelo mar;
– «Hiberno quando me olhas pelo lado sereno do tempo».
Um e outro – rumo e tempo – que urgentemente requerem a pessoa amada. Física, sensual, idealizada quiçá, fonte que mata a sede («Bebo-te. Corres no meu deserto de dunas e pedras até que floresço, aceso, na tua boca onde me perco e anulo»), vinho que inebria («qual espuma de um vinho novo»), leito onde apetece ficar, duna de pendor suave…
Vislumbro além, na encosta, um colmeal ao sol. Imagino as laboriosas abelhas na azáfama dos favos de mel. Curioso! Edgardo nem pensa em animais, insectos mínimos que sejam, a beijar pólen fecundo. Não! Seus carreiros, seus valados de pedra solta («há calor e sons surdos a gemer pelos valados») inexoravelmente o arrastam, no êxtase físico e espiritual por que se anseia. «Crescem serenidades nos teus olhos»! «Aprendi que era magnífico o ar com os aromas do prado; que o sabor da tua boca era de mar e frutos silvestres».
Um lirismo denso, intenso, sentido; sem paroxismos; num erotismo saboreado: «Fecho os olhos e, intencionalmente cego, guardo-me inteiro, para viver as tuas palavras»; «de pensar te faço corpo». O corpo, um corpo que se percorre. Sem pressas nenhumas: «A pressa apaga a paisagem e mata o encanto. Por isso te amo melhor em dias preguiçosos».
Neste meu rumo ao Sul de hoje, deixo-me embalar… Respigo, aqui e além, frases reveladoras:
«Quem ama pedras e formas pode tornar-se escultor. quem te ama cega para o resto do mundo»
… para lá da vida e da morte
até à ressurreição do amor!
A sedução de voltar ao princípio. Vou reler, uma e outra vez. Na viagem de regresso. Quero a limpidez do azul. E a fecundidade imensa do silêncio!...
 
                  Rumo ao Sul, terça-feira, 10 de Dezembro de 2013
                             
Prefácio ao livro, de Edgardo Xavier, Azul como o Silêncio (Chiado Editora, Lisboa, 2014, p. 7-8), que apresentei, na Galeria Municipal Artur Bual (Amadora), a 12-05-2014.

 

Na Galiza - Um novo equipamento desportivo para a comunidade

       Foi inaugurado, na tarde do passado dia 15, um campo relvado para a Escolinha de Rugby da Galiza, que fica também aberto às actividades lúdico/desportivas do ATL, assim como – em regime de aluguer – às iniciativas da comunidade envolvente. Estiveram presentes, além de outras individualidades e membros dos corpos sociais da Misericórdia, o Presidente da Câmara, o vereador do desporto, Frederico Pinho de Almeida, e a Provedora, Isabel Miguens.
      O empreendimento teve o apoio da Câmara; voluntários da comunidade disponibilizaram material para a recuperação dos balneários; e, graças à HASBRO IBERIA, S. L. (representantes seus vieram de propósito de Madrid para participar no evento), houve financiamento para a colocação de relva sintética do campo.
     Assim, cumpre salientar que foi o feliz cruzamento de apoio de uma instituição, uma empresa e de voluntários que possibilitou esta inauguração oficial.
     Pôde assistir-se a um jogo de râguebi protagonizado pelos atletas que treinam na Escolinha e um grupo coral sénior abrilhantou o acto com uma breve actuação.

     Fotos gentilmente cedidas por Luís Bento, a quem agradecemos.

Publicado em Cyberjornal, edição de 20-05-2014:

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Viajar pelos caminhos da literatura

            Todos os pretextos são bons para aliciar as gentes a sentirem o prazer da descoberta. Nisso, aliás, se deve distinguir o operador turístico ou quem, nos mais diversos níveis, procura valorizar uma região, mediante a criação de mui singulares atractivos.
            Fiquei, por isso, mui bem impressionado quando mão amiga me ofereceu a recente reedição (2013) de Viajar com… Eça de Queiroz. De 64 páginas ilustradas, edição de Opera Omnia, em formato metade A4, o livro insere-se no projecto da Direcção Regional de Cultura do Norte subordinado ao tema «Viajar com… Os Caminhos da Literatura». A ideia é incitar o leitor a programar uma viagem fazendo-se acompanhar, a par e passo, com as descrições que reconhecidos escritores portugueses nos deixaram da paisagem e dos monumentos. No caso vertente, Laura Castro, a autora, recortou passagens dos livros de Eça de Queirós que nos levam a apreciar melhor o que vemos, porque aí somos enriquecidos com as próprias impressões que o escritor outrora sentiu. Tormes, por exemplo, lugar paradigmático d’As Cidades e as Serras, é, pois, revisitado. E a Régua. E o Douro: «Na viagem que Jacinto e Zé Fernandes realizam vindos de França e Espanha, observam, depois da entrada em Portugal, o curso do rio Douro com o tráfego dos barcos rabelos, a vista sobre as quintas, a grandiosidade da paisagem. A paragem na Régua é objecto de referência especial» (p. 35). E lá está, a ilustrar, a via-férrea em primeiro plano e o Douro ao fundo; depois, a transcrição do texto.
            Nem sempre, porém, o livrinho é elucidativo e o ‘casamento’ texto / imagem / transcrição necessitaria, aqui e além, de maior ajustamento, mormente com inclusão de significativas legendas; como se me afigura ser de interesse a inclusão de um mapa, ainda que esquemático, a dar ideia do percurso sugerido.
            Louve-se a iniciativa, cuja valia é sobejamente autenticada pelo êxito até agora obtido. Na verdade, a uma 1ª série (esgotada) de dez autores (Aquilino, Eça, Torga, Junqueiro, Régio, Camilo…) até 2006, seguiram-se, até 2010, mais seis, entre os quais ora se incluíram igualmente escritores que bem sentiram o rincão duriense, como António Cabral, Domingos Monteiro, Pina de Morais…
            Viajar com… Eça de Queiroz está dividido em quatro partes: 1. Um breve retrato (do autor e da obra); 2. Espaços de inspiração; 3. Topografia literária; 4. Nas entrelinhas da escrita.
Publicado em Observatório de Turismo (Newsletter 07, 16.05.2014), do Departamento de Turismo (FCSEA – ULHT).
 

 

 

Turismo e património cultural vão ser debatidos na Lusófona

EDITORIAL

            Por iniciativa do Departamento de Turismo da Faculdade de Ciências Sociais Educação e Administração, em estreita colaboração com a Progestur, está programada para os dias 30 e 31 de Outubro e 1 de Novembro a realização, num dos auditórios da nossa Universidade, de uma conferência internacional subordinada ao tema Turismo e Património Cultural (em inglês «Cultural & Heritage Tourism»), aí se prevendo uma análise dos conceitos, realidades e perspectivas inerentes a esses conceitos.
            Multiplicidade de temas podem, pois, vir a ser equacionados, numa época em que a procura turística se direcciona cada vez mais para as realidades ligadas ao património cultural nos seus mais diversos aspectos: paisagístico, arquitectónico, urbanístico em geral, arqueológico… não se descurando os diferentes aspectos do património imaterial.
            Desenvolvimento, oportunidades de negócios, cultura popular, identidade, inovação, cooperação inter-regional, empreendedorismo, rotas turísticas, festivais, gastronomia e, até, literatura – constituirão, pois, tópicos a desenvolver por especialistas em cada uma dessas áreas.
            A conferência apresenta-se, por consequência, como forma de realçar o trabalho que, desde há vários anos, tem vindo a ser desenvolvido na licenciatura em Turismo quer pelos seus docentes quer também pelos seus antigos estudantes, muitos deles lançados já, em Portugal ou no estrangeiro, em experiências profissionais deveras cativantes.
            A parceria com a Progestur, uma empresa turística que se tem notabilizado, por exemplo, na realização dos Festivais da Máscara Ibérica, vem na sequência de uma colaboração que não é de agora – recorde-se o Congresso Internacional “Masks & Masquerades – The Multiple Faces of Europe”, levado a efeito na nossa Universidade nos primeiros dias de Outubro de 2010 – e reforça a vontade do Departamento de Turismo de alargar as possibilidades de abertura a entidades directamente relacionadas com o seu campo de acção, numa altura em que o turismo progressivamente se alcandora ao lugar cimeiro da economia nacional.
            Depois de anos e anos a vendermos um turismo «de sol e mar», uma vez que, na verdade, em relação aos países do hemisfério norte cujos habitantes ambicionávamos receber, dispúnhamos, ao contrário deles, de um clima bem ameno e de praias acolhedoras, a globalização em que ora se mergulhou e as maiores facilidades de deslocação para destinos há poucos anos quase inacessíveis (inclusive do ponto de vista económico) vieram trazer para primeiro plano a busca das identidades, daquilo que, na verdade, distingue umas regiões das outras, os povos daqui dos de mais além – porque outras são as tradições, diferentes os costumes, diversa a maneira de ser, e nisso reside o encanto da descoberta.
            Por outro lado, também os ‘destinos’ se foram aperfeiçoando na recepção. Todos se aperceberam que não basta ‘hospedar’ confortável e deliciadamente: urge criar incentivos; importa revelar-se no que se tem de mais peculiar, quer se trate de uma tradicional festividade religiosa que arrasta multidões, quer de um petisco preparado com o ancestral requinte que o torna único. Viaja-se hoje com finalidades bem precisas, que ultrapassam em muito o mero ócio e o mui gostoso lazer. Busca-se o desanuviamento, sim, mas há que complementá-lo com alimento do espírito, digamos assim. Vai-se a Paris não apenas para passear num bateau-mouche do Sena: há que ver também a extraordinária exposição temporária que se mostra no Grand Palais; vai-se ao Saará não apenas para ver os oásis e a solidão imensa das noites no deserto, mas para sentir a alma dos berberes, conviver com eles, saber de seus hábitos e canções…
            Justifica-se, por conseguinte, este novo olhar. Esta conferência será, não temos dúvida, mais uma das que, ao longo deste ano, se têm realizado. Cremos que trará novidades. Ou, pelo menos, que virá acentuar uma realidade insofismável: doravante, turismo tem de implicar, necessariamente, uma forte tónica cultural. Para isso estamos a trabalhar!

Publicado em Observatório de Turismo (Newsletter 07, 16.05.2014), do Departamento de Turismo (FCSEA – ULHT).

quinta-feira, 15 de maio de 2014

«Dos outros para mim», um livro singular apresentado em S. Domingos de Rana

             Decorreu no passado sábado, 10, na sede da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, a apresentação do livro Dos Outros para Mim, de Celestino Costa.
            Presidiu a Profª Maria Fernanda Gonçalves, que ora preside ao executivo da Junta, ladeada pela Dra. Fernanda Frazão (da editora Apenas Livros), pelo autor e por José d’Encarnação (da Associação Cultural de Cascais).
            A senhora presidente disse do interesse que esta colectânea de pensamentos realmente detinha, assim disponibilizada para quem, num ou noutro momento do seu dia, sente necessidade de parar um pouco e reflectir. A responsável pela Apenas manifestou a sua inteira disponibilidade para continuar a apoiar edições que assim contribuem para o bem-estar espiritual de todos. José d’Encarnação, apresentando a obra e o autor, levantou a questão da oportunidade e do interesse em se publicar um livro com estas características, numa altura em que a Internet nos disponibiliza páginas e páginas de pensamentos de autores célebres à simples distância de um ‘clique’, e concluiu que, na realidade, estávamos perante uma obra diferente, a autobiografia interior de Celestino Costa, pois que essas máximas as fez suas ao longo da vida.
            Vários dos presentes, a solicitação do apresentador, tiveram ocasião de manifestar o seu apreço pelo autor e de salientar quanto este livro poderia vir a constituir um autêntico «livro de cabeceira», como se diz no prefácio.
            Houve sessão de autógrafos – e o livro prontamente se esgotou.
            Anote-se que, a preceder a apresentação, foi passado o genérico da série Escrito na Pedra, a apresentar proximamente pela RTP. A gravação desse título foi feita por Celestino Costa em lioz cascalense, na oficina de Mármores Flor, em Abóboda. A gravação televisiva também aqui ocorreu.
            Foi servido um beberete.
            A edição de obra, concretizada por Apenas Livros, teve patrocínio da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana e da Associação Cultural de Cascais.

Publicado em Cyberjornal, edição de 14-05-2014:

Proliferação de capitais

             Não, não estou a referir-me a dinheiro, que, nesse âmbito, proliferação não há, mas sim concentração de muitos nas mãos de poucos. Aqui e agora, «capital» quer significar local importante, donde emanam directrizes para o resto do território envolvente.
            No que concerne a Portugal, poderia pensar-se que sempre foi Lisboa a «capital do Reino». Só mui tardiamente isso aconteceu, porém, até porque a comitiva real carecia de ir percorrendo o País para administrar a justiça, para arrecadar as rendas (predominantemente constituídas por géneros) e… para ver como é que o Povo vivia. Hoje, tal itinerância faz-se de quando em vez, chama-se «presidência aberta», o presidente acaba por tentar sentir o pulsar da população, mas (peço desculpa se erro) daí resulta mais fogo de vista do que efectiva e consequente transformação de atitudes. E a capital continua… a capital! No que concerne à ‘governação’, acentue-se…
            E essa relatividade do termo, fácil é agora de sentir, no momento em que, por exemplo, os comeres – ou, dizendo de forma erudita, a gastronomia (ou a culinária) – ganham, dia após dia, foros de realeza, a reivindicar coroa, perante a invasiva e uniformizadora globalização.
            Já o sentira, há dois anos, quando, ao virar da esquina, dei com um painel que proclamava ser Santa Luzia (de Tavira) a «capital do polvo». Corri a saboreá-lo num dos restaurantes e não me arrependi, de facto. Dos tempos de Coimbra recordava eu toda a publicidade (e ferrenha disputa) entre duas «capitais» da chanfana: Miranda do Corvo e Vila Nova de Poiares (esta, «Capital Universal da Chanfana»!).
            Não me apercebera, porém, confesso, de que este movimento de capitalidade se tivesse multiplicado tanto. E assim, quando, no primeiro fim-de-semana de Maio, me desloquei a Tarouca para participar na apresentação do episódio da série televisiva «Escrito na Pedra» dedicado ao Mosteiro de S. João de Tarouca, pasmei! Tarouca declara-se «Capital do Champanhe» (e eu a pensar sempre nos espumantes das caves da Bairrada!...) e, perto, Moimenta da Beira, é, não a capital, mas «O Coração da Maçã»! E bem sugestivo mural, na rua mais importante da vila, lá mostra a senhora – qual Eva em edénico jardim… – a dar doce dentada na bem apetitosa e suculenta maçã.
            Assim o Povo reivindica – em prol de um viver mais sadio e de uma autenticidade maior! Abençoado!

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 639, 15-05-2014, p. 12.

Os motes do nosso quotidiano

            Todos nós, ao longo da vida, nos vamos apropriando de frases quer ouvidas aos nossos pais quer hauridas em livros e que se tornam norma de comportamento. Provérbios, por vezes, lugares-comuns, outras – mas que fazemos ‘nossas’ em determinada fase da nossa existência.
            Hoje, para mim, perante a transitoriedade do momento e a mui frágil precariedade dos ‘programas’, dou comigo, amiúde, a repetir frase de meu pai, que o é, obviamente, de muita gente também: «Conforme o toque assim se baila!». Ou ainda: «Nada acontece por acaso». E esta quem a terá dito pela primeira vez? Virá na Bíblia?
            E tenho as que, lidas, já cito de cor: «Não esqueças que é nos céus cinzentos que aparece o arco-íris» (de Augusto José Monteiro, no livro “Três estórias (pouco) doces”). E do «Principezinho», de Saint-Exupéry, muitas passagens, como, por exemplo: «Quando se ama uma flor plantada numa estrela, é um encanto, à noite, olhar para o céu: todas as estrelas estão floridas!».
            Certamente todos temos o hábito de sublinhar os nossos livros ou, se não é nosso, mas pedido de empréstimo à biblioteca ou a um amigo, o de anotarmos frases que nos caíram no goto. Tenho uma pasta com esses apontamentos:
            «Os sonhos são feras embalsamadas; a realidade é fera viva» (Agustina Bessa Luis, em ‘Adivinhas de Pedro e Inês’).
            «Todos os homens são reis, rainhas são todas as mulheres e príncipes os trabalhos de todos» (Saramago, «Memorial do Convento»).
            «Quando o tempo era mais lento e menos desperdiçado, menos gasto na sofreguidão inútil de chegar quanto antes, numa avidez de viver tão depressa que transforma a vida numa pobre aventura sem cor e sem sabor, uma corrida, um atropelamento, um cansaço» (Jorge Amado, «Os Velhos Marinheiros»).
            Creio bem que, mui frequentemente, os autores nem sequer se apercebem por completo da profundidade do que estão a escrever, tão naturais as frases lhes saem, fruto da reflexão que vão tendo e plasmando nas suas personagens.
            Morreu Gabriel García Marquez. As frases que disseminou pelos seus livros constam hoje de vários portais na Internet. E, na verdade, há quem as coleccione e no-las disponibilize com enorme facilidade.

«Dos outros para mim», de Celestino Costa
            O que Celestino Costa reuniu no livro «Dos Outros para mim», apresentado na tarde de sábado, 10, na sede da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, não foi resultado, porém, de uma busca aí, mas de leituras muitas, de muitas reflexões, de serões a falar com os seus botões. E tudo escreveu à mão. E agora, aí o temos, como presente. Para saborear.
            Poderá perguntar-se se é legítimo atribuir uma autoria a um livro com essa característica de mera colectânea de frases de outrem; ou, ainda, que interesse poderá deter para o próprio para os leitores esse amontoado de frases, sem ordem nenhuma nem cronológica nem organizadas por autor ou por temas, como que semeadas de acordo com os circunstancialismos do momento. Têm razão de ser as duas questões. E, à partida, a resposta negativa seria, sem dúvida, a mais acertada: não tem interesse nenhum!
            Pensando, contudo, um pouco melhor, talvez se descortinem razões.
            Primeiro, no caso vertente, o livro acaba por ser – ouso dizê-lo! – uma espécie de autobiografia interior. Não é apenas a capa, a reproduzir a lioz de Cascais e com os dizeres a negro como os epitáfios do cemitério da Guia onde o canteiro Celestino passou toda a vida, a cinzelar pedras e versos; é o conjunto dessas máximas que, paulatinamente, lhe foram burilando a alma, o pensamento, a vida! Colocando-as ao nosso dispor, não só nos oferece o seu retrato mas, de um modo subtil e assaz eloquente, nos incita a, de quando em vez, pararmos um pouco neste frenesim em que se nos vai a vida e… bebermos a longos haustos reconfortante sabedoria.
            Bem andaram, pois, a meu ver, a Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana em apoiar essa pretensão de um dos seus fregueses e a Associação Cultural de Cascais em a facilitar.
            Por isso, ocorre-me que, nessa linha de pensamento, devo concluir este desabafo de hoje, transcrevendo mais uma das passagens do «Memorial do Convento» (ponho pontuação, que Saramago me perdoe!):
            «Porque será que os velhos se calam quando deveriam continuar falando? Por isso, os novos têm de aprender tudo desde o princípio!».
            Disponibilizou o ancião Celestino Costa a sabedoria que outros lhe inocularam também. Aos mais novos cumpre agora aprender essa lição!

Publicado em Costa do Sol – Jornal Regional dos Concelhos de Oeiras e Cascais, nº 45, 14-05-2014, p. 6.

 

Museum – Comunicar entre museus e sobre museus e património

            Na cerimónia de atribuição dos Prémios APOM 2010, que decorreu no Museu do Oriente a 13 de Dezembro de 2010, a Associação Portuguesa de Museologia (APOM) outorgou à lista museum o Prémio da Melhor Comunicação On-Line, no âmbito da temática da Museologia e do Património Cultural.
Tive ensejo, dias depois, a 18 de Dezembro, de difundir uma mensagem onde afirmava:
«Se, em nome da Administração, me congratulo e agradeço, como não podia deixar de ser, o prémio que a APOM houve por bem conceder a esta lista, não posso deixar de afirmar que ela é o que os seus actuais 814 membros entenderem e ao seu incentivo e colaboração se deve o facto de sermos um meio privilegiado de informação no mundo português da Museologia – porque nos dão esse privilégio.»
E acrescentava:
«Criada faz amanhã, dia 19, quatro anos, na sequência do entusiasmo gerado entre os primeiros estudantes do Mestrado em Museologia e Património Cultural da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a lista está sediada no Centro de Informática desta Universidade e tem, neste momento, no seu arquivo 4821 mensagens – o que dá bem conta da quantidade de informação que tem sido por ela veiculada. Pode mesmo dizer-se que raro será o museu de Portugal que dela não seja membro e que não faça questão em divulgar por este meio as suas iniciativas, na certeza de que, dessa forma, chegarão aos destinatários certos.»
Na verdade, na origem desta criação está o facto de se ter verificado que na lista archport – destinada primordialmente a temas de Arqueologia – frequentemente havia mensagens que mais se prendiam com a Museologia e os museus, assim como com o património cultural no seu conjunto. Esse facto, a par da enorme pujança que os museus portugueses nessa altura já manifestavam, levou-nos a adoptar o esquema que já com a archport estava a dar mui proveitosos resultados, ou seja: os interessados inscreviam-se como membros e passavam a gozar automaticamente da prerrogativa de poderem divulgar através da lista as suas mensagens e de todas receberem, criando-se, desta sorte, cada vez mais ampla comunidade em torno dos mesmos interesses. Distinguia-se, assim, claramente, dos blogues, a que só acede quem quer e quando quer e onde as opiniões pessoais prevalecem, porque disseminadas (sabe-se) num âmbito restrito.
Divulgámos, pois, a 29 de Dezembro, o «Estatuto editorial»:
«1. Museum é uma lista de discussão de conteúdo (in)formativo, preferencialmente vocacionada para as áreas da Museologia e do Património Cultural, aberta a todos quantos a ela queiram aderir.
2. A todos os membros da lista cabe o direito de divulgarem as suas actividades e de fomentarem ou contribuírem para a discussão de temas considerados de interesse comum.
3. Serão, por isso, bem-vindas todas as informações que visem a criação de uma comunidade de interesses em torno da Museologia e da divulgação, defesa e valorização do património cultural.
4. Museum, apesar da sua ‘naturalidade’ portuguesa, não enjeita – antes preconiza! – uma dimensão internacional, no mais amplo clima de globalização em que vivemos. Nesse sentido, acolherá de boa vontade informações veiculadas por listas suas congéneres e verá com agrado as suas informações (devidamente referenciada a origem) divulgadas por outras listas, salvaguardando-se sempre o que a lei estipular em termos de direitos de autor, nos casos aplicáveis.»
No ponto 5 se estabeleciam as regras de actuação:
«As mensagens não poderão exceder 1 MB, salvo em casos verdadeiramente excepcionais, que serão automaticamente submetidos à apreciação dos administradores da lista. Nesse sentido, é sempre recomendável o não-recurso a anexos (nomeadamente para veicular cartazes ou programas), substituindo-os pela indicação do e-mail através do qual poderão ser solicitados ou do site a consultar.
Também não serão aceites automaticamente mensagens com muitos destinatários nem com destinatários ocultos.»
No momento em que redijo esta nota (16.49 h de 8 de Junho de 2011), a lista conta com 842 membros e tem no seu arquivo 5777 mensagens.
Em jeito de balanço, poderia afirmar:
1º ‒ Hoje, a consulta ao arquivo da museum permite tomar o pulso da toda a imensa actividade museológica que se está a desenvolver no País, porquanto a quase totalidade dos museus faz questão de aí a publicitar, o que representa, sem dúvida, enorme fonte de enriquecimento mútuo, porquanto as experiências e as iniciativas de uns são inspiração e incentivo para outros.
2º ‒ Dia Internacional dos Museus, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, Dia Internacional da Criança, Dia da Árvore e, de um modo geral, todos os dias internacionais e, até, nacionais, que proporcionam iniciativas de âmbito museológico ficam bem registados e divulgados aqui.
3º ‒ Além da informação, museum tem-se feito eco das grandes problemáticas surgidas em torno da política museológica nacional. Recorde-se quanto foi escrito sobre a eventual transferência do Museu Nacional de Arqueologia para o edifício da Cordoaria Nacional; as complexas questões do Museu Nacional dos Coches; a discussão sobre os orçamentos para a Cultura, tendo-se demonstrado, amiúde, quanto os museus contribuem não apenas para a formação de uma identidade (cada vez mais necessária) mas também para o equilíbrio financeiro do orçamento cultural do País.
4º - Outras páginas dedicadas a esta temática surgiram, entretanto, por iniciativa particular ou até institucional. Congratulamo-nos com isso, na medida em que todos estamos empenhados no mesmo intuito de valorizar os museus e o património cultural, a demonstrar a quem nos governa que vale a pena apostar na Cultura, de que os museus são e continuarão a ser (pesem, embora, todas as restrições económicas) alfobre imprescindível. Museum prosseguirá, pois, na senda de veicular o que os seus membros houverem por bem transmitir, na mais sadia e aberta troca de impressões.
            Por consequência, o galardão conferido pela APOM, que agradecemos, constituiu, sobretudo, mais um incentivo para se continuar a fazer mais e melhor, com a colaboração de todos!

Post-scriptum: Participei, a 18.05.2011, no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, a convite do Director Regional da Cultura do Centro, no Colóquio Museus: um Exemplo, em que apresentei o fórum Museum, pelo facto de ter sido agraciado, em 2010, com o Prémio APOM de ‘Melhor Comunicação on Line’. Foi-me solicitado que passasse a escrito o que então dissera, porque era intenção daquela Direcção Regional publicar as intervenções aí realizadas. Tendo consultado, há dias, a DRCC, foi-me comunicado que, afinal, essa intenção de todo se perdera. É, pois, este o texto que então escrevi.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

O senhor Z

            Poucas são as palavras portuguesas começadas por Z e isso sempre me fez espécie. Uma eu aprendi há muito: zângão! Era estranha, porque parecia ter dois acentos, mas não tem, porque o til não é acento.
            De outra também me lembro: zaragatoa! Quando me doía a garganta e as amígdalas cresciam e nem me deixavam engolir, minha avó enrolava uma compressa (ou algo que lhe fizesse as vezes) na ponta de um pau (seria?), embebia-a não sei em quê, uma mezinha caseira, e lá me esfregava as ditas e eu quase me engasgava com aquilo. Mas curava!
            Tive, porém, outro dia, o privilégio de me fazerem lembrar outra dessas palavras com z: zaranguitana. Ouvia-a, estou certo, em pequeno, e tenho a ideia de que se usava para significar um qualquer mecanismo mal enjorcado. Certo é que tem significado próprio e mostra-se uma no Museu Judaico de Belmonte. A legenda reza assim:
            «Peça de madeira, em forma de grande pião com ponte de ferro e eixo embutido na parte superior onde gira um volante suspenso por fio. Sécs. XIX-XX. 450 x 260 mm.
             Destinado a consertar pratos de cerâmica. Pertenceu a um ambulante conhecido por “Judeu”. Colecção da Família Carqueja Rodrigues».
            Pois era: usavam-na os amoladores que punham gatos na loiça partida!

Publicado em VilAdentro [S. Brás de Alportel] nº 184, Maio de 2014, p. 10.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Viròtacho comemorou 70 anos, na Torre (Cascais)

A apetitosa caldeirada foi no dia 11, o segundo domingo de Maio, agora não já no pinhal junto ao mar mas num barracão ‘de antiguidades’ de um dos membros, no lugar da Torre, obedecendo, assim, a uma tradição que ora cumpre 70 anos.
A comida também já não foi feita com o peixe pescado pela manhã, mas preparada, desta feita, por um restaurante da orla, o Furnas Lagosteiras, gerido por um dos membros do Viròtacho, o José Alexandre Ramos.
O encontro constituiu pretexto para avivar recordações (os carrinhos de rolamentos, as corridas de arcos, o assar das pinhas pelo Outono…), evocar cenas em que intervieram, por exemplo, companheiros que já partiram (do grupo inicial de 20 já só resta um, o Francisco Ramos, de 90 anos), jogar e saborear alguns petiscos…
Está longe esse 2º domingo de Maio de 1944, em que a inusitada fartura de polvos levou a que se cozinhassem logo ali, no pinhal à beira-mar. E o nome surgiu quando um dos tijolos que aguentava o tacho se partiu e quase se ia perdendo tudo. Da letra do hino que criaram – e honra seja feita ao músico Fernando Bernardes, «O Lampião», que com o seu trombone muitas jornadas animou! – consta que o grupo «não vira garrafões, porque é tudo malta fixe, somos todos como irmões!...».
O grupo é formado por 20 membros, homens. Sempre que um parte, há o cuidado de, obtido consenso, propor quem o venha substituir, de preferência natural do lugar e irmanado com os demais por laços de sangue ou de camaradagem.
Registe-se ainda que, para este solene encontro anual de 2014, Maria da Nazaré Roque, de 80 anos, utente do Centro de Dia do Bairro do Rosário, resolveu dedicar-lhes estas quadras:

Vira o Tacho é o nome
Do Grupo de Associados
Também tem como pronome
Amigos!... de anos passados!

Mais um ano de passagem
Que todos nós festejamos.
Quero prestar minha homenagem
Ao Senhor Francisco Ramos

E a todo o Grupo em geral
Que tenho em meu redor
Porque é o último afinal
Deste Grupo o fundador

Quero a todos agradecer
Este momento profano
Que todos vemos poder
Voltarmos todos pró ano!

Publicado no Cyberjornal, edição de 12 de Maio de 2014:

 

Um livro de cabeceira

            Naqueles derradeiros minutos de vigília quotidiana, apetece ainda – para além da breve oração e do proveitoso exame de consciência – passar os olhos, mais uma vez, por aquele livro há muito a ocupar esse lugar privilegiado. Uma companhia, um deleite, um sereno lavar d’alma depois de fadigosa jornada. O livro de cabeceira. Escolhido dentre aqueles com que, um dia, adregámos tropeçar e nos enleou para sempre; ou mesmo feito por nós, qual apreciada e confortante manta de retalhos ou bússola norteadora de pensamento e de acção.
            O livro que Celestino Costa nos apresenta pertence a este último grupo e resulta, é bem de ver, de leituras pensadas, ditames transformados em singelas normas de vida.
            Monótono e compassado era o bater seco da maceta no escopro ou no badame; doutro mundo era o seu, passeando-se por entre mármores e cruzes, rasgando epitáfio agora, arquitectando jazigo depois. Existência de palavras poucas e reflexões sobejas. Impregnada, portanto, de uma filosofa própria, a relativizar o presente e a dar vida – nos versos e no sentir – a um passado sabiamente recuperado em partilha. Para que não se olvide. Para que o Homem seja mais humano: homens, mulheres, cônjuges, sábios, artífices, camponeses… Todos!
            Na placa que para mim esculpiu, Celestino Costa gravou: «Senão vindo de fora e arrombando a porta». Não foi preciso perguntar-lhe porquê. É frase do novelista francês Jean-Baptiste Alphonse Karr (1808-1890) e vem completa nesta recolha: «A reputação de um homem de talento não penetra no seio da sua família se não vindo de fora e arrombando a porta». Tem razão: vamos arrombar a porta!

Prefácio ao livro Dos Outros para Mim, de Celestino Costa, edição de autor e de Apenas Livros (Lisboa), 2014- Apresentado, a 10-05-2014, na sede da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Pelas veredas da História... em Sintra!

            Poderá parecer estranho que um cascalense venha falar de Sintra, que fica do «outro lado da serra». Não o será, porém, se pensarmos que o primeiro ritual do cascalense é abrir a janela, pela manhã, e perguntar à serra o tempo que vai fazer pela jornada. Habituámo-nos, desde pequeninos, a ‘ler os seus sinais’; a saber, por exemplo, que «barrão» é sintoma de vendaval à tardinha.
            Era Cascais dependente de Sintra até ao momento em que el-rei D. Pedro, ouvindo os rogos dos homens-bons da vila, houve por bem ‘libertá-los’ desse jugo, para que tivessem ‘jurisdição por si’. Interessava ao rei essa autonomia, equivalente a mais um arrecadar de impostos; interessava essa liberdade aos cascalenses, mais virados para as fainas marítimas do que às produções agrárias sintrenses. Estava-se em 1364; mas a autonomia só se tornaria efectiva uns anos mais tarde, quando D. Fernando cedeu Cascais a Gomes Lourenço do Avelar, com prerrogativas de governo.
            Quer-me parecer, no entanto, que esse costume de olhar, pela manhã, para o dorso majestoso da serra é capaz de se perder na noite dos tempos. «Monte da Lua» lhe chamariam os antigos; e não é que, entre o espólio da necrópole de Alapraia, datado de há uns 5000 anos atrás, se encontrou lúnula de calcário? Sim, é certo, também a Lua despertou desde sempre a curiosidade e o respeito do Homem, que bem cedo lhe prestou culto. Quiçá não seja, porém, mera coincidência a lúnula e o nome.
            E se as recentes escavações levadas a efeito na serra e a presença de dólmenes aqui e além no território sintrense – entre os quais avulta o chamado «Monge», em pleno cocuruto, entre os Capuchos e a Peninha – nos provam que há muito o Homem demandou estas paragens, é, contudo, do tempo dos Romanos que mais eloquentes são os testemunhos, consubstanciados, de modo especial, nos monumentos epigráficos que o Museu Arqueológico de S-. Miguel de Odrinhas mui ciosamente guarda e valoriza.
            Falam essas «pedras com letras» de três situações bem claras.
            A primeira é que rapidamente os Romanos souberam aproveitar as pedreiras próximas quer para as suas construções quer, de modo especial (e esses são os documentos maiores), para lavrarem as suas epígrafes.
            E nelas ficou gravado o culto generalizado que por estas bandas se prestava ao Sol e à Lua. Pudera! Quem resistiria à envolvente magia de contemplar o astro-rei a mergulhar no pélago imenso, que infinito para além se imaginava!... E as cores quentes desse pôr-do-sol, a cederem com dificuldade perante o luar que do outro lado despontava!... Não foram, todavia, fiéis anónimos, do povo, os que quiseram deixar imorredoiramente gravado na pedra o seu louvor! Foram os legados imperiais, dotados do mais amplo poder político. Foram os cavaleiros, no exercício das suas rendosas prefeituras administrativas! Seduz-nos a ideia de que – quais peregrinos – tão insignes dignitários marcassem entre os seus propósitos uma ida, pelo menos, a esta misteriosa plaga, onde, sem o deixarem escrito, como o deixaria muito mais tarde o Poeta, sentiam que «a terra se acaba e o mar começa»… Cardim Ribeiro não descansou enquanto não descobriu o sítio de que já Francisco da Holanda, em pleno século XVI, deixara esboço a mostrar altares em círculo num planalto sobre o mar. E lá estão os vestígios na foz do Rio de Colares e, ao que consta, também um texto em grego, a mostrar o precoce cosmopolitismo do sítio. Ontem, como hoje, a Sintra se acorre, para a gente se inebriar de Beleza!
            Exploração de pedreiras, dedicatórias a divindades e… epitáfios romanos, a dar conta de quem foram, afinal, os que por ali estanciaram, há mais de 2000 anos atrás. Um perfeito domínio do Latim; a adopção em pleno da tipologia dos monumentos funerários da Península Itálica; a interpenetração da onomástica pré-romana com os nomes latinos trazidos pelos colonos. Cidadãos romanos inscritos na tribo Galéria, a de Olisipo (a Lisboa romana), escravos, libertos, homens, mulheres…
            Odrinhas continuou florescente Idade Média afora e na villa romana se instalaram os primeiros povos pós-romanos, aí cavando sepulturas.
            Da presença árabe fala o eloquente castelo e os abundantes topónimos, alguns deles únicos na toponímia de Portugal.
            As veredas da Idade Média já portuguesa antevimos, quando se fez referência a Cascais. O Convento da Penha Longa; o conventinho que esteve na origem do enigmático, cenográfico e quase fantasmagórico Palácio da Pena; a aconchegada serenidade do convento dos Capuchos, num incessante convite à oração e à comunhão com o Além; o Paço da Vila e seus veraneantes segredos cortesãos – constituem marcos de uma palpitante história sempre vívida, séculos além… 
            Romântico era o sítio; românticos perdidamente por ela se haveriam de apaixonar: Lord Byron; Camilo e Eça, que não resistiram ao Mistério da Estrada de Sintra; aristocratas muitos que por ali ergueram mansões…
            De mistério se falou; de segredos bem guardados também. E aí está a Quinta da Regaleira, livro de pedra e de arte, a contar doutras histórias, doutras veredas, de um poço iniciático que leva a subterrâneos labirintos e donde, pé ante pé, se deve sair, atravessando o lago, pois tudo tem de se deixar para trás, purificado no ventre da terra-mãe!
            Sintra, terra-mãe – bonito ‘anagrama’ para uma fecunda história multissecular!

                NOTA: Síntese da comunicação apresentada, a 21-06-2013, no Palácio Valenças, em Sintra, a convite da entidade organizadora, a Associação de Defesa do Património de Sintra, no seminário Sintra Paisagem Cultural da Humanidade – Acessibilidades e Estacionamento. Foi inserida no dossiê subordinado a esse título, preparado por aquela Associação em Setembro de 2013, sem paginação.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Olhar nos olhos

             Tu já reparaste? Ele, quando fala contigo, alguma vez te olha de frente? Parece que está sempre com medo que lhe descubras alguma coisa que te quer esconder! Creio que te não vê como pessoa igual a ele e, se calhar, também ele se não sente tratado como tal. E olha para aquele senhor que está ali na caixa do supermercado: parece um autómato, nem se apercebe de como é o cliente, nem sequer lhe disse “boa tarde!”… Está de mal com ele e com o mundo!... Tudo isso, amigo Leonel, pode ter começado na escola. Eu tive a sorte de me calhar uma professora que, apesar das palmatoadas que me deu quando eu não fui boa rês, me tratou sempre como um indivíduo, me observou atentamente e, quando eu acabei a quarta classe, apesar de meus pais serem pobres, insistiu com eles para que eu continuasse a estudar e diligenciou, inclusive, no sentido de eu ter quem me pagasse os estudos. Devo-lhe o que sou!... Precisamos de reencontrar esses gestos, esses olhares, essa atenção! E lê a mensagem que o meu colega António, docente universitário, há dias recebeu:
            «Venho por este meio responder que foi um prazer ter esta disciplina com o professor, gostei muito dos seus métodos de ensino e queria realçar que foi muito importante para mim o professor ter lido a minha resposta do último teste em voz alta para a turma. Deu-me motivação para estudar mais e ver que tenho capacidades para mais. É bom ver que ainda há professores que se preocupam com os alunos e a sua aprendizagem. Obrigado por este semestre, foi um prazer!».
            Mensagens destas consolam, amigo! E dão ânimo para se continuar nessa senda. Afinal, um gesto bem simples: perguntar quem tivera boa pontuação naquela resposta e optar por ler, comentar e louvar a de um dos estudantes (por vezes, irrequieto e desatento). Chama-se a isso… «motivação»!
            Aquele empregado do supermercado, autómato, não está motivado e chega ao fim do dia morto de cansaço; aquele teu amigo que nunca te olha de frente carrega sobre os ombros um suplício como o de Sísifo: empurra a pedra até ao cimo do monte e, quando está quase a chegar, a pedra resvala e rebola de novo encosta abaixo. E ele desce, cansado; e, trôpego, volta a empurrá-la para cima…
         
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 638, 01-05-2014, p. 12.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O bailado “O Lago dos Cisnes”, numa intrigante versão

             No âmbito dos espectáculos integrados nas comemorações dos 650 anos da elevação de Cascais a vi, acolheu o Salão Preto e Prata do Casino Estoril, na tarde de domingo, 27 de Abril, o bailado “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, interpretado pela companhia Quorum Ballet, com coreografia de Daniel Cardoso.
            Uma versão contemporânea, deveras arrojada na sua concepção e em que, como se lia numa das notas de apresentação, «os personagens da história original tornam-se intervenientes numa fábula humana contada na linguagem do tempo presente que acontece num asilo abandonado, lugar fértil em figuras bizarras e seres extremos. Entre a ficção e a realidade, exploram-se os defeitos, virtudes e impulsos mais humanos, transversais a todos os tempos. Entre o dia e a noite, a música vai trazer o engano, e o fascínio, a sedução e a loucura.»
            Também a «sinopse» que nos é proposta no programa constitui um texto denso, que explica, de facto, mas nos obrigaria a uma reflexão cuidada, impossível de fazer perante a outra densidade, a do espectáculo em si, pleno de pormenores deveras significativos. Ora leia-se o começo:
            «O dia nasce do lado de lá do muro do Asilo. Lá dentro a loucura tomou o lugar do quotidiano e os que ali habitam esquecem-se de quem foram. As vozes e os desejos são abafados pelas paredes gigantes deste exílio silencioso. No Asilo, as enfermeiras são as Rainhas mestras que comandam os movimentos dos pacientes; uma mulher limpa os desejos negros dos outros na sombra; um homem prisioneiro de um corpo enfermo, na sua loucura, transforma os seus desejos de Pássaro nos corpos dos pacientes. Como uma gaiola em que a ave não ousa bater as asas, o Asilo é uma jaula de gente.»
            E se a primeira e última imagem é a de um homem em cadeira de rodas e, confinados pelo «muro» – deitados sobre ele, batendo nele, aninhando-se nele, forçando-o a mudar de sítio –, os personagens retratam loucuras, extravagâncias e medos, os espectadores, nós, sentimo-nos na sua pele, às vezes; outras, porém, dar-nos-á, porventura, vontade de os repudiar.
            Estamos longe, pois, da história dos malvados feitiços que impedem o casamento da princesa encantada com o príncipe dos seus sonhos. E os cisnes não são níveas e mui elegantes bailarinas, mas o «rosto» do que de menos agradável se vê na paisagem humana e desumanizada deste bem devastador início do século XXI.
            Sem dúvida, um golpe de génio do galardoado director artístico e coreógrafo daniel Cardoso; sem dúvida, uma soberba interpretação de todos os componentes do – também galardoado – Quorum Ballet, fundado em 2005 e já com notável currículo nacional e internacional. Um espectáculo, porém, difícil de acompanhar numa primeira abordagem, tão prenhe, como está (em meu entender), do mais profundo anátema contra a avassaladora realidade em que, tal como nesse asilo de muro imponente, somos forçados a sobreviver. «Uma jaula de gente» – e é verdade!

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Autarquia cascalense quer fomentar o interesse pela História

            Numa época em que a História anda cada vez mais maltratada a nível dos governos europeus, designadamente pela cada vez mais insistente menorização do ensino desta disciplina nos currículos escolares, como se para muito pouco servisse a nível da formação para a cidadania, é consolador ver que um município considera importante assinalar os 650 anos da sua elevação a vila instituindo um prémio bienal, no montante de 5000 euros: Prémio de História de Cascais – Ferreira de Andrade.
            A iniciativa foi apresentada formalmente na passada terça-feira, 29, a partir das 17 horas, na Casa de Santa Maria, em Cascais.
            Presidiu à sessão a Dra. Ana Bettencourt, vereadora da Cultura, que começou por referir os objectivos do prémio: galardoar um trabalho de investigação histórica acerca de Cascais, em qualquer domínio, nomeadamente sobre temas e personalidades consideradas de relevo para o estudo do passado do concelho ou que tenham por base documentação preservada no Arquivo Histórico Municipal de Cascais; e apresentou os membros do júri da presente edição: os professores doutores António Ventura (Faculdade de Letras de Lisboa), José d’Encarnação (Faculdade de Letras de Coimbra) e Raquel Henriques da Silva (Universidade Nova de Lisboa).
            Pretende-se homenagear desta forma Manuel Ferreira de Andrade (1910-1970), vulto grande da historiografia cascalense, além do olisipógrafo de raro mérito.
            Cascais constitui, não há dúvida, um dos concelhos – à excepção, naturalmente, da capital – com maior número de obras historiográficas publicadas, mormente a partir de 1964, ano em que comemorou o VI centenário da sua elevação a vila e em que a Comissão das Comemorações houve por bem deixar ‘rasto’ através da publicação de uma colecção singela, sim, mas rica de conteúdo, inclusive por abarcar os mais variados campos, desde a História em geral (Cascais Vila da Corte – Oito Séculos de História, da autoria do ora patrono do prémio, por exemplo), à Arqueologia, passando pela História Militar, um eloquente testemunho sobre o Terramoto de 1755, os regimentos militares, as fortalezas da orla marítima, a geologia, a vegetação natural, a toponímia…
Toda a informação acerca do Prémio está também disponível no Portal da Câmara Municipal de Cascais, em http://www.cm-cascais.pt/noticia/premio-de-historia-de-cascais-ferreira-de-andrade-incentiva-estudo-da-historia-local. O prazo para entrega dos originais termina a 29 de Janeiro de 2015, prevendo-se para 7 de Junho seguinte a cerimónia de entrega, nessa altura (espera-se!) na Casa Sommer, onde virá a funcionar o Arquivo Histórico e um Centro de História Local.
            Muito nos congratulamos, pois, pela clarividência ora demonstrada.

Publicado em Cyberjornal, edição de 02-05-2014:

Estalagem Muchaxo comemorou 50 anos

            Com um cocktail, que reuniu cerca de duas centenas de amigos, quis a Família Muchaxo comemorar, na passada segunda-feira, 28, meio século de existência.
            Estava mui justamente feliz Toni Muchaxo por ter dado continuidade à obra de seu pai, que, ao lado da ‘Barraca’ – também ela de grande tradição já –, decidiu, um dia, erguer uma estalagem sobre as paredes-mestras do que fora a fortaleza do Guincho.
            Pelo “Muchaxo”, como entre nós é conhecido, passaram, ao longo destes 50 anos inúmeros vultos do cinema, as realezas, governantes dos estados europeus e não só. Jantar no Muchaxo, com o Guincho aos pés, a ouvir o marulhar das ondas ou a apreciar, qual aperitivo, magnífico pôr-do-sol, era – e continua a ser, felizmente! – ponto obrigatório da agenda das celebridades que nos visita(ra)m. Foram, pois, alguns dos instantâneos desses momentos históricos que ficaram registados nas fotografias expostas num dos balcões do bar e que passaram depois no ecrã, no decorrer do encontro.
            Falar da Praia do Guincho e do surf, por exemplo, nas suas diversas modalidades, sem aludir ao encanto desta estalagem e das suas memórias resulta, sem dúvida, tarefa impossível. E é de ver as muitas dezenas de milhar de referências que, em menos de um segundo, surgem na Internet à simples colocação de entradas como «Muchaxo», «Estalagem Muchaxo»…
            Tem-me sido proporcionada a dita de acompanhar de perto a vida – e as contingências da vida – desta unidade hoteleira, que honra sobremaneira a Costa do Estoril, e não posso deixar, por isso, de saudar com entusiasmo esta efeméride, no voto de que venha aí um futuro ainda mais radioso! Parabéns!

Publicado em Cyberjornal, edição de 02-05-2014: