quinta-feira, 15 de maio de 2014

Proliferação de capitais

             Não, não estou a referir-me a dinheiro, que, nesse âmbito, proliferação não há, mas sim concentração de muitos nas mãos de poucos. Aqui e agora, «capital» quer significar local importante, donde emanam directrizes para o resto do território envolvente.
            No que concerne a Portugal, poderia pensar-se que sempre foi Lisboa a «capital do Reino». Só mui tardiamente isso aconteceu, porém, até porque a comitiva real carecia de ir percorrendo o País para administrar a justiça, para arrecadar as rendas (predominantemente constituídas por géneros) e… para ver como é que o Povo vivia. Hoje, tal itinerância faz-se de quando em vez, chama-se «presidência aberta», o presidente acaba por tentar sentir o pulsar da população, mas (peço desculpa se erro) daí resulta mais fogo de vista do que efectiva e consequente transformação de atitudes. E a capital continua… a capital! No que concerne à ‘governação’, acentue-se…
            E essa relatividade do termo, fácil é agora de sentir, no momento em que, por exemplo, os comeres – ou, dizendo de forma erudita, a gastronomia (ou a culinária) – ganham, dia após dia, foros de realeza, a reivindicar coroa, perante a invasiva e uniformizadora globalização.
            Já o sentira, há dois anos, quando, ao virar da esquina, dei com um painel que proclamava ser Santa Luzia (de Tavira) a «capital do polvo». Corri a saboreá-lo num dos restaurantes e não me arrependi, de facto. Dos tempos de Coimbra recordava eu toda a publicidade (e ferrenha disputa) entre duas «capitais» da chanfana: Miranda do Corvo e Vila Nova de Poiares (esta, «Capital Universal da Chanfana»!).
            Não me apercebera, porém, confesso, de que este movimento de capitalidade se tivesse multiplicado tanto. E assim, quando, no primeiro fim-de-semana de Maio, me desloquei a Tarouca para participar na apresentação do episódio da série televisiva «Escrito na Pedra» dedicado ao Mosteiro de S. João de Tarouca, pasmei! Tarouca declara-se «Capital do Champanhe» (e eu a pensar sempre nos espumantes das caves da Bairrada!...) e, perto, Moimenta da Beira, é, não a capital, mas «O Coração da Maçã»! E bem sugestivo mural, na rua mais importante da vila, lá mostra a senhora – qual Eva em edénico jardim… – a dar doce dentada na bem apetitosa e suculenta maçã.
            Assim o Povo reivindica – em prol de um viver mais sadio e de uma autenticidade maior! Abençoado!

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 639, 15-05-2014, p. 12.

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