Era
Cascais dependente de Sintra até ao momento em que el-rei D. Pedro, ouvindo os
rogos dos homens-bons da vila, houve por bem ‘libertá-los’ desse jugo, para que
tivessem ‘jurisdição por si’.
Interessava ao rei essa autonomia, equivalente a mais um arrecadar de impostos;
interessava essa liberdade aos cascalenses, mais virados para as fainas marítimas
do que às produções agrárias sintrenses. Estava-se em 1364; mas a autonomia só
se tornaria efectiva uns anos mais tarde, quando D. Fernando cedeu Cascais a
Gomes Lourenço do Avelar, com prerrogativas de governo.
Quer-me
parecer, no entanto, que esse costume de olhar, pela manhã, para o dorso majestoso
da serra é capaz de se perder na noite dos tempos. «Monte da Lua» lhe chamariam
os antigos; e não é que, entre o espólio da necrópole de Ala praia,
datado de há uns 5000 anos atrás, se encontrou lúnula de calcário? Sim, é
certo, também a Lua despertou desde sempre a curiosidade e o respeito do Homem,
que bem cedo lhe prestou culto. Quiçá não seja, porém, mera coincidência a lúnula
e o nome.
E
se as recentes escavações levadas a efeito na serra e a presença de dólmenes
aqui e além no território sintrense – entre os quais avulta o chamado «Monge»,
em pleno cocuruto, entre os Capuchos e a Peninha – nos provam que há muito o
Homem demandou estas paragens, é, contudo, do tempo dos Romanos que mais eloquentes
são os testemunhos, consubstanciados, de modo especial, nos monumentos epigráficos
que o Museu Arqueológico de S-. Miguel de Odrinhas mui ciosamente guarda e
valoriza.
Falam
essas «pedras com letras» de três situações bem clara s.
A
primeira é que rapidamente os Romanos souberam aproveitar as pedreiras próximas
quer para as suas construções quer, de modo especial (e esses são os documentos
maiores), para lavrarem as suas epígrafes.
E
nelas ficou gravado o culto generalizado que por estas bandas se prestava ao
Sol e à Lua. Pudera! Quem resistiria à envolvente magia de contemplar o
astro-rei a mergulhar no pélago imenso, que infinito para além se imaginava!...
E as cores quentes desse pôr-do-sol, a cederem com dificuldade perante o luar
que do outro lado despontava!... Não foram, todavia, fiéis anónimos, do povo,
os que quiseram deixar imorredoiramente gravado na pedra o seu louvor! Foram os
legados imperiais, dotados do mais amplo poder político. Foram os cavaleiros,
no exercício das suas rendosas prefeituras administrativas! Seduz-nos a ideia de que – quais peregrinos – tão insignes
dignitários marc assem entre os seus
propósitos uma ida, pelo menos, a esta misteriosa plaga, onde, sem o deixarem
escrito, como o deixaria muito mais tarde o Poeta, sentiam que «a terra se
acaba e o mar começa»… Cardim Ribeiro não descansou enquanto não descobriu o
sítio de que já Francisco da Holanda, em pleno século XVI, deixara esboço a
mostrar altares em círculo num planalto sobre o mar. E lá estão os vestígios na
foz do Rio de Colares e, ao que consta, também um texto em grego, a mostrar o
precoce cosmopolitismo do sítio. Ontem, como hoje, a Sintra se acorre, para a
gente se inebriar de Beleza!
Exploração de pedreiras, dedicat órias
a divindades e… epitáfios romanos, a dar conta de quem foram, afinal, os que
por ali estanciaram, há mais de 2000 anos atrás. Um perfeito domínio do Latim;
a adopção em pleno da tipologia dos
monumentos funerários da Península Itálica; a interpenetração da onomástica pré-romana com os nomes latinos
trazidos pelos colonos. Cidadãos romanos inscritos na tribo Galéria, a de Olisipo (a Lisboa romana), escravos, libertos,
homens, mulheres…
Odrinhas
continuou florescente Idade Média afora e na villa romana se instalaram os primeiros povos pós-romanos, aí
cavando sepulturas.
Da
presença árabe fala o eloquente castelo e os abundantes topónimos, alguns deles
únicos na toponímia de Portugal.
As
veredas da Idade Média já portuguesa antevimos, quando se fez referência a
Cascais. O Convento da Penha Longa; o conventinho que esteve na origem do enigmático,
cenográfico e quase fantasmagórico Palácio da Pena; a aconchegada serenidade do
convento dos Capuchos, num incessante convite à oração
e à comunhão com o Além; o Paço da Vila e seus veraneantes segredos cortesãos –
constituem marc os de uma palpitante
história sempre vívida, séculos além…
Romântico
era o sítio; românticos perdidamente por ela se haveriam de apaixonar: Lord
Byron; Camilo e Eça, que não resistiram ao Mistério
da Estrada de Sintra; aristocratas muitos que por ali ergueram mansões…
De
mistério se falou; de segredos bem guardados também. E aí está a Quinta da
Regaleira, livro de pedra e de arte, a contar doutras histórias, doutras
veredas, de um poço iniciático que leva a subterrâneos labirintos e donde, pé
ante pé, se deve sair, atravessando o lago, pois tudo tem de se deixar para
trás, purificado no ventre da terra-mãe!
Sintra,
terra-mãe – bonito ‘anagrama’ para uma fecunda história multissecular!
NOTA:
Síntese da comunicação apresentada,
a 21-06-2013, no Palácio Valenças, em Sintra, a convite da entidade
organizadora, a Associação de Defesa
do Património de Sintra, no seminário Sintra
Paisagem Cultural da Humanidade – Acessibilidades e Estacionamento. Foi inserida no dossiê subordinado a esse
título, preparado por aquela
Associação em Setembro de 2013, sem
paginação .
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