terça-feira, 20 de maio de 2014

Veredas desertos momentos

      Foge-me o olival antigo, triste mais uma vez este ano da azeitona grada por colher. Não foge: é ilusão essa, oferecida pela sibilante rapidez do alfa a correr, desalmado, serra afora.
      Medito no que li e já reli. Paixão será? Amor? Partilha?... E estes olivais não param de fugir!... O amante, porém, se se apressa é para ir ao encontro. Antegoza-o, imagina-o, vive-o, descreve-o até…
      Obcecação será.
      De viver em plenitude, na vontade ingente de sorver – não sôfrego, mas serenamente deleitado – o prazer de uma presença. «Corre em mim tumultuada uma lava ardente que só em ti descobre rumo e apaga o tempo»…
      Rumo. Tempo!
     Serão estas, decerto, duas das noções mais presentes nos poemas do Edgardo.
Rumo:
– Caminhos: «Todos os meus caminhos passam por ti. Quanto mais te vivo mais me encontro»;
– Veredas: «Sem voz nem lei, andamos em veredas que não sei à procura de segredos»;
– Sulcos: «Sei-me barco a marear uma agonia»…
Tempo:
– «Contigo expulsei o tempo e me fiz rio», um rio que engrossa e anseia pelo mar;
– «Hiberno quando me olhas pelo lado sereno do tempo».
Um e outro – rumo e tempo – que urgentemente requerem a pessoa amada. Física, sensual, idealizada quiçá, fonte que mata a sede («Bebo-te. Corres no meu deserto de dunas e pedras até que floresço, aceso, na tua boca onde me perco e anulo»), vinho que inebria («qual espuma de um vinho novo»), leito onde apetece ficar, duna de pendor suave…
Vislumbro além, na encosta, um colmeal ao sol. Imagino as laboriosas abelhas na azáfama dos favos de mel. Curioso! Edgardo nem pensa em animais, insectos mínimos que sejam, a beijar pólen fecundo. Não! Seus carreiros, seus valados de pedra solta («há calor e sons surdos a gemer pelos valados») inexoravelmente o arrastam, no êxtase físico e espiritual por que se anseia. «Crescem serenidades nos teus olhos»! «Aprendi que era magnífico o ar com os aromas do prado; que o sabor da tua boca era de mar e frutos silvestres».
Um lirismo denso, intenso, sentido; sem paroxismos; num erotismo saboreado: «Fecho os olhos e, intencionalmente cego, guardo-me inteiro, para viver as tuas palavras»; «de pensar te faço corpo». O corpo, um corpo que se percorre. Sem pressas nenhumas: «A pressa apaga a paisagem e mata o encanto. Por isso te amo melhor em dias preguiçosos».
Neste meu rumo ao Sul de hoje, deixo-me embalar… Respigo, aqui e além, frases reveladoras:
«Quem ama pedras e formas pode tornar-se escultor. quem te ama cega para o resto do mundo»
… para lá da vida e da morte
até à ressurreição do amor!
A sedução de voltar ao princípio. Vou reler, uma e outra vez. Na viagem de regresso. Quero a limpidez do azul. E a fecundidade imensa do silêncio!...
 
                  Rumo ao Sul, terça-feira, 10 de Dezembro de 2013
                             
Prefácio ao livro, de Edgardo Xavier, Azul como o Silêncio (Chiado Editora, Lisboa, 2014, p. 7-8), que apresentei, na Galeria Municipal Artur Bual (Amadora), a 12-05-2014.

 

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