sexta-feira, 30 de julho de 2021

Dar um pouco da gente

            Li na juventude um texto da «Reader’s Digest» com a história de uma família. Receberam, um dia, correspondência de amigos escrita nas costas de um documento familiar. Apreciaram a correspondência; mas o que mais concitou a atenção de todos foi esse documento, revelador de curiosos aspectos da vida dos amigos. Não tenho já ideia do que era, se um mero extracto bancário, se a conta da electricidade; certamente, algo mais peculiar. Jamais esqueci esse caso, perdida na noite dos tempos a categoria do tal documento. E a razão dessa memória reside em dois aspectos. O primeiro, que se tornou para mim habitual, o aproveitamento das costas de um papel usado. Tenho resmas de papel A4 que me servem para rascunho. O segundo: essa forma original de partilhar a vida.
            No programa «Primeira Pessoa» do dia 12 de Julho, p. p.,  Pacheco Pereira afirmou, em relação à influência que nele teve Eugénio de Andrade:
            «Eu lia os livros dele. E os livros dele vinham sublinhados por ele e isso fez com que eu não gastasse muito tempo a ler coisas secundárias, porque todos os autores que ele me indicou foram fundamentais».
            Na crónica que publiquei a 7 de Março de 2019, de evocação de Josias Gyll, contei que ele me emprestara a tese de doutoramento, policopiada, de Bracinha Vieira, numa época em que a Etologia dava os primeiríssimos passos e ambos nos interessávamos por isso. Lembro-me, como se fosse hoje, do que Josias Gyll me disse:
            – Leve, leia e não se coíba de sublinhar ou de escrever ao lado os seus comentários. Assim, quando eu voltar a ler o livro, não lerei apenas o que o autor escreveu, mas reflectirei sobre o que a si lhe pareceu digno de nota.
 
 
            Nunca mais esqueci esta máxima! E dou comigo, amiúde, a sublinhar os livros, de modo que, ao relê-los, sou como Pacheco Pereira: releio só o que sublinhei!
         Outro dia, um amigo escreveu-me num cartão antigo, relacionado com uma actividade a que ele se dedicara. Apreciei. Como não desgostei que um outro tivesse aproveitado o papel de carta de um hotel por onde passara há anos. Sim, a gente amiúde fica com esse papel e o sobrescrito como recordação e raramente os usa. Enviando-os, mesmo que seja anos depois, pode ser motivo de conversa, sem pretensões, e, sobretudo, de partilha de experiências vividas. Vai neles um pouco da gente!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 804, 01 de Agosto de 2021, p. 12.

 

sábado, 24 de julho de 2021

Aquele estranho baptismo em Pax Iulia!...

       Estranha-se, de facto, aquele altar romano de calcário achado nos arredores de Beja – sem que se saiba exactamente onde e em que circunstâncias – dado a conhecer, pela primeira vez, por Leite de Vasconcelos, em artigo publicado no n.º XX (1935) da revista Brotéria. Todos os investigadores sublinham o seu carácter único e pressentiram haver ali, oculto, algo de misterioso. Não ousam falar de “sociedade secreta”; mas, muito provavelmente, é mesmo disso que se trata!... Vamos ver!
        Leite de Vasconcelos voltou a referir-se ao monumento em 1956, onde esclarece como é que veio parar ao Museu Nacional de Arqueologia. Um filho de Manuel Joaquim Duro, de Beja, vendera-o a Luís Reis Santos, que o levou para sua casa em Lisboa. Convidado para o ver a 21 de Novembro de 1933, Leite de Vasconcelos não resistiu e pediu-o para o (então) Museu Etnológico, “onde hoje está”. Tem o n.º de inventário E 7268.
        Interessante é também a informação dada por Leite de Vasconcelos: “O estrago que a lápide apresenta na parte inferior resultou de tencionar o seu primeiro possuidor adaptá-la piedosamente a lousa da sepultura do pai, porque Manuel Joaquim Duro negociara em cousas velhas (eu próprio lhe comprei algumas para o Museu Etnológico), e o filho entendia que prestava boa homenagem à memória do pai, cobrindo-lhe os restos mortais com uma pedra romana”.
        Com 80 centímetros de altura, 42 a 47 de largura e 20 a 38 de espessura, o altar apresenta na sua face dianteira uma inscrição latina que não oferece dúvidas de leitura, por felizmente ter chegado até nós intacta, sem beliscaduras, como se um enorme respeito despertasse ou dela se desprendesse algo de mágico – a preservar para todo o sempre. Neste caso, para nosso regozijo e por ainda mais nos espicaçar a curiosidade.
        Em português, como se poderá traduzir?
       Assim:
      «Consagrado à Mãe dos Deuses. Dois Irineus, pai e filho, ‘criobolados’ no dia do seu nascimento, sendo sacerdotes Lúcio Antístio Avito e Gaio Antístio Felicíssimo».
        Eu não disse que havia mistério?...
        A Mãe dos Deuses vem expressa em siglas – M ‧ D ‧ S – o que denota ser consagração comum, a todos compreensível. Aliás, o “S” final fazia parte do quotidiano epigráfico, quer nas inscrições votivas (dedicadas a uma divindade, como aqui) quer nos epitáfios. Desdobra-se e ‘S(acrum)’ significa “consagrado”, o que lhe atribui um caráter sagrado, inviolável.
        As siglas M ‧ D não oferecem dúvida: são também habituais para designar a Mãe dos Deuses (em latim, ‘Mater Deorum’), designação por que era conhecida Cíbele, uma divindade cujo culto, com raízes na parte oriental do Império Romano, cedo assumiu características muito próprias, secretas.
         Secretas?
         Sim.
      Os seus fiéis começaram a criar entre si laços de solidariedade, de camaradagem, unidos como estavam por interesses comuns. Esta é, de resto, uma tendência de todos os tempos, visível na actualidade: sob o manto de uma devoção específica, duma causa nobre, facilmente germinam também cumplicidades políticas e económicas, por exemplo. Daí que, para ingressar no grupo, o candidato haja de se submeter a rituais iniciáticos mantidos, por isso, no mais completo segredo.

UM BAPTISMO DE SANGUE?  

        Como sempre, o mistério desperta a imaginação, suscita interpretações variadas e quem, por qualquer motivo, ou não é aceite ou perfilha outras ideias não perderá nunca a ocasião para denegrir o “inimigo”. Não chegou a dizer-se que os cristãos “comiam criancinhas”, sarcástica explicação do ritual da comunhão?
          Lê-se na inscrição de Pax Iulia que os dois Irineus foram ‘criobolati’ e ingressaram, desta sorte, na comunidade dos crentes devotos da Mãe dos Deuses, considerando, pois, esse o dia do seu nascimento verdadeiro – ‘natali suo’, vem no texto. E então o que é que lhes fizeram?
O crinobólio dos dois Ireneus, reconstituído por José Luís Madeira!...
      Foram submetidos a um cerimónia iniciática, presidida, como convinha, por sacerdotes: Lúcio Antístio Avito e Gaio Antístio Felicíssimo, possivelmente irmãos. Chamava-se a essa cerimónia o ‘crinobolium’, palavra habitualmente aparentada com ‘taurobolium’. Embora ‘crinon’, em latim, significasse “unção”, o certo é que se costuma considerar que o ‘crinobolium’ esteja ligado ao sacrifício de um carneiro, como o ‘taurobolium’ ao sacrifício de um touro.
         Dizia-se atrás das maledicências. Foi isso, de facto, o que aconteceu.
        Dado que a cerimónia era secreta, um escritor cristão do século IV, Prudêncio, achou por bem “descrever” à sua maneira, num dos seus poemas, o quadro sanguinolento em que tudo isso, na sua versão, ocorreria. Assim, em relação ao ‘taurobolium’ (e decerto dessa forma se passaria também em relação ao sacrifício dum cordeiro), narra Prudêncio, segundo Emílio Espérandieu, que o iniciado descia a um fosso coberto por um estrado esburacado. De tronco nu, levava na cabeça uma coroa de ouro, uma mitra aureolava-lhe a fronte, vestia túnica de seda cingida à cintura. Amarrado em cima do estrado, o touro era então mortalmente trespassado por longo cutelo, o sangue escorria pelo estrado e regava o corpo do iniciado. Ao subir, aclamavam-no os correlegionários, qual neófito! Era como que um baptismo de sangue. O ‘natalicium’, a regeneração pelo sangue!

EM CONCLUSÃO

        Tivesse sido esse ou não o cerimonial a que pai e filho de bom grado se sujeitaram, o certo é que por aqui se vê como a população da romana Pax Iulia, além de estar bem dentro dos costumes oriundos doutras áreas do império, tinha uma vida social bem activa.
        Perguntar-se-á: como é que, apenas através duma inscrição tão pequena, se chega a essa conclusão? Não será generalização despropositada?
        Creio que não.
        É altar, este, de pequenas dimensões, sim; e único; mas, por detrás da concisão do seu texto, há, naturalmente, todo esse mundo a movimentar-se!
        Não foi seguramente resultante de mero acaso desprovido de intenção o facto de, um dia, há mais de 2000 anos – a inscrição deve ser de meados do século II da nossa era – alguém se ter lembrado de imorredoiramente nos comunicar, gravando-o na pedra, o que lhe acontecera e que fora, para si, motivo de grande júbilo.
        Não sabemos exactamente o que foi. Envolto ficou em mistério. Mas que aconteceu, aconteceu!... Os dois Irineus entraram jubilosamente na comunidade dos devotos da Mãe dos Deuses, a magna Cíbele!
 
                                                                           José d'Encarnação

     Publicado em Diário do Alentejo, 22 de julho 2021.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

É uma vergonha!

           Começo da noite de terça-feira, 13 de Julho do ano da graça de 2021.
Confesso a minha fraqueza; sim, fraqueza. É que fiquei profundamente envergonhado. Vasco Palmeirim e toda a equipa não mereciam a desfeita!
          Já me apercebera, nos últimos tempos, da constante repetição de programas do «Joker». Fui aguentando, não mudei de canal. Ainda quis queixar-me ao Provedor do Telespectador, mas… não há! Jorge Wemans terminou o seu mandato a 31 de Dezembro (!) e ainda não foi substituído.
Fui pensando: a RTP está numa fase de remodelação e é capaz de não ter dinheiro para dar mais prémios e vai-nos enganando assim. Pode ser que pouca gente compreenda que já viu o programa. E, depois, o Vasco sempre tem aquelas larachas para apresentar a Patrícia Figueiredo. Ele adora esses trocadilhos, lança os foguetes e vai apanhar as canas e desmancha-se! Enfim, dispõe bem!
            Revoltou-me o que se passou nesse dia 13.
¿Então não é que tiveram o desplante de repetir o 1º programa com o novo figurino das 15 perguntas e 9 «jokers», apresentando-o, pois, como novidade, quando sabemos disso há longas semanas!?
 Uma vergonha!
 E eu ponho-me na pele do Palmeirim a fazer figura de parvo. Não há direito de assim maltratar um apresentador digno e profissional dos quatro costados.
Não há direito!
Os telespectadores merecem um enorme pedido de desculpa. A equipa responsável, de túnica branca, cinza na cabeça, corda ao pescoço como Egas Moniz, a pedir perdão. Não é caso para menos!
          Há uns tempos, num programa da tarde de domingo, supostamente em directo, os apresentadores insistiam: «Não perca esta noite a grande final do The Voice! Não perca!». Só que a final do The Voice fora no domingo anterior! Parvos!...
            ¿Afinal, que gente é esta? ¿Que dirigentes são estes? ¿Quem tem o desplante de, sem uma explicação, assim ludibriar os telespectadores e vilipendiar quem tanto se esforça por guindar a RTP ao mais alto nível?
            É claro que eu não sou obrigado a ver o Canal 1. Tenho, felizmente, liberdade de escolha de dezenas de canais. Inclusive aqueles que não dobram a cerviz e são capazes de criar e impor programas com nomes portugueses. Mantenho-me fiel à RTP 1, mau grado os seus responsáveis não terem músculo bastante para impor «A Voz de Portugal», «A Caça aos Talentos», em vez dos anglicanismos vigentes.
Lamento.

O «Joker» de 13 de Julho foi para mim a gota de água a fazer trasbordar o copo, a manifestação mais clara da incompetência reinante. Vasco Palmeirim, Patrícia Figueiredo e toda a equipa da produção – e nós! – não merecemos tal menosprezo!

Senhores, se não têm dinheiro, não tenham vergonha: venham dizer que estão pobres, que estão a engrossar as fileiras dos pobres de Portugal. Nós compreendemos. Mas… não brinquem aos ricos, por favor!

¿Têm vergonha de pôr a um cantinho do ecrã a palavra REPETIÇÃO? Mais vergonha deviam ter em servirem comida requentada, como se fosse apetitoso acepipe acabadinho de sair do forno!

                                    José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 336, 2021-07-21, p. 6.

 

terça-feira, 20 de julho de 2021

Vamos salvar o Museu!

             Considera-se inegável que, na actualidade, o Museu do Trajo de S. Brás de Alportel constitui, no concelho, um foco cultural da maior relevância, tido em consideração pelos demais museus do Algarve, pelo dinamismo que tem demonstrado. 
         É de salientar, de modo especial, o seu imprescindível papel na aglutinação da comunidade em torno de valores como a Música, as Artes Plásticas e, inclusive, no apoio a todas as iniciativas de âmbito sócio-cultural. Aliás, tem sido o Museu um dos paladinos da chamada Museologia Social, que compreende a íntima interligação entre o espaço e a comunidade.
            Nascido e desenvolvido pelos Padres Cunha Duarte e pela constante doação de objectos por parte de particulares – de realçar as peças de vestuário e por isso se denominou Museu do Traje! – ficou integrado na Santa Casa da Misericórdia local. Aliás, na página dessa Santa Casa pode ler-se:
            «Constituindo a valência cultural da Misericórdia de São Brás de Alportel, o Museu do Traje destaca-se pela sua abertura e envolvimento com a população local. Para o turista, o interesse reside nas exposições, nos edifícios e nos jardins. Para a comunidade, o Museu é sobretudo um ponto de encontro, espaço de cultura, socialização e partilha de saberes».
          É isso mesmo! Os anteriores responsáveis pela Santa Casa levaram 35 aos a construir o Museu que temos hoje. Acontece, porém, que os actuais responsáveis por aquela instituição parece que se esqueceram disso. E – quanto nos é dado saber – também aí se quer impor uma lógica economicista. Estamos de acordo: o Museu pode dar dinheiro, pode não ser um peso para a instituição. Ou, se a instituição Santa Casa acha que não pode arcar com esse ‘peso’ da Cultura, desista e entregue a gestão a quem melhor a saiba e possa gerir. Não se fazem omeletas sem ovos; não se consegue manter o nível de acolhimento sem funcionários, sem estagiários, e sobretudo sem a LIBERDADE de gestão que é o oxigénio que a cultura necessita para se manter viva...
            Sim, aparentemente nas obras de Misericórdia que o Provedor, os membros da Mesa Administrativa e os membros da Mesa da Assembleia Geral juraram pôr em prática não consta a de manter um Museu. Mas ¿«Dar de comer a quem tem fome», «Dar de beber a quem tem sede» também não se entende no sentido espiritual – que a Cultura mata a fome e a sede de conhecimento? ¿E que tem feito o Museu senão «Dar pousada aos peregrinos» quando acolhe os estrangeiros que escolheram S. Brás para viver? ¿E não é o Museu a escola onde se «ensinam os ignorantes»?
          Um museu não é um depósito de objectos que ali se foram acumulando. Esses objectos requerem vida, requerem contexto, requerem investigação, requerem aliciante! Que este edifício apalaçado, do séc. XIX, que foi propriedade do industrial corticeiro Miguel Dias de Andrade, transformado, em 1986, no Museu do Traje, é bem o ex-libris de S. Brás de Alportel. É, pois, obrigação dos são-brasenses – e em primeiro lugar da Misericórdia de que administrativamente depende – salvaguardar religiosamente esta riqueza singular!        

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Notícias de S. Braz, 296, 20-07-2021, p. 13.

 

sábado, 17 de julho de 2021

A loucura dos estrangeirismos

            Pergunto-me, amiúde, se vale a pena uma pessoa indignar-se. É assim a modos de, em termos pessoais, fazermos um tratamento psicológico. Uma pessoa deixa extravasar a momentânea raiva que lhe vai na alma e depois sente-se melhor. Daniel Oliveira, no seu excelente programa «Alta definição», que passa na SIC no começo dos sábados, entrevistou, a 23 de Abril p. p., o nosso melhor tenista, João Sousa, e perguntou-lhe, a dado passo, se já lhe dera para partir a raquete. Sim, claro, já partira! «Para aliviar a raiva!».
            Não vou partir nenhuma raquete nem um prato sequer. Lavro mui singelamente aqui a minha indignação, até porque acredito cada vez menos nas instituições tal como elas hoje são geridas.
            ‒ E podes, de uma vez por todas, explicar porque estás indignado?
            ‒ Sim. É muito simples: a minha Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, alfobre de tantos luminares que, séculos afora, terçaram armas pela defesa da Língua Portuguesa, decidiu veicular as suas informações através de uma… newsletter!
          Barafustei, claro, e dei conta das mil e uma hipóteses de designar esse veículo. Debalde. É moda, menino, é moda! E também já não há cartazes, mas posters; não temos desdobráveis, mas flyers. E corre voz que as reuniões do Conselho Científico deverão passar a chamar-se… brainstormings, cujos membros serão, pois, convocados através de uma mailing list…
            Workshop; outdoor; meeting; call for papers; know how; derby;«ganhar a confiança do mister»; OK; feedback... – enchem, como tantas outras, o nosso quotidiano. Mais compreensíveis, porventura, as que estão ligadas à linguagem informática, universal: e-mail, download, refresh; reset – mas… que razão há para as transpor pró dia-a-dia?…
            Segundo motivo de indignação: o mal que se escreve, a todos os níveis. Dou um exemplo de uma dissertação de Mestrado em Administração Pública, oficialmente orientada (claro!) por um docente doutorado, aprovada por digno júri e de 81 páginas disponibilizadas na Internet, certamente após nela terem sido introduzidas as correcções exigidas aquando  da defesa.
            O objectivo em vista era saber se o Município de Cascais, em relação ao Estado e à sociedade civil representava o papel de «ponte», se se assumia «enquanto “fórum” conciliador» e se «tem vindo a expandir o seu potencial». Não sei ainda bem o que isto quer dizer e como se detecta. Transcrevo um parágrafo, em que se faz a história de uma freguesia. Assim:
             «A paróquia de São Vicente de Alcabideche diz respeito ao final do século XIV, o mais antigo livro de atas da Junta de Paróquia, conservado no cartório da igreja, remete a sua conceção, em novas matrizes, para 26 de setembro de 1841, fato que parece derivar da lei datada do ano anterior, edificando [sic] que a presidência destas juntas era da responsabilidade dos párocos» (p. 61).
            «Professor, não entendi nada» – escreveu-me uma licenciada que teve acesso ao texto e que acrescentou: «Quando andei a consultar algumas dissertações de mestrado para a minha tese de licenciatura, também encontrei algumas pérolas de má construção gramatical, pobre discurso e linguagem, mas eram teses de arquitectura e eu pensei que isso não fosse um requisito para elaboração de teses de arquitectura».
            «Não fosse um requisito…» – será que assim se pensa agora?
            Escreve-se mal. E fala-se mal, comendo metade das sílabas – por isso não somos compreendidos numa reunião científica internacional. É que nós dizemos «Ê vô tlefoná»; e o brasileiro diz «Eu vou têlêfoná!». Se compreende, não?

                                                                    José d’Encarnação

Publicado no blogue da Liga dos Amigos de Conimbriga, a  16-07-2021: