terça-feira, 30 de outubro de 2012

Uma rede para prevenir os riscos!

            Teve a presença de mais de três dezenas de participantes a reunião programada para o final da tarde de segunda-feira, 22, na sede do Grupo Recreativo e Dramático 1º de Maio de Tires, subordinada ao tema «A acção das colectividades na prevenção do risco e do perigo nas crianças e jovens», uma organização da CPCJC – Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais.
O objectivo da sessão foi o de criar, nesta freguesia, um projecto-piloto que visa envolver as colectividades numa plataforma de intervenção nas situações de crianças e jovens em situação de risco, dado que «pela sua proximidade às famílias e suas crianças, bem como pela sua informalidade e carácter lúdico, as colectividades podem desempenhar um importante papel neste sentido».
Clementina Henriques, vice-presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, começou por mostrar que hoje importa inovar, diversificar e qualificar as estratégias comuns de protecção social, envolvendo o mais possível todos os intervenientes, desde a família à escola e à comunidade.
Manuel do Carmo Mendes, Presidente da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, que presidiu, deu conta de algumas das iniciavas que a Junta está a desenvolver nesse âmbito (promoção do desporto, fornecimento de refeições…), salientando, por exemplo, a acção ímpar da Escola Fixa de Trânsito da Abóboda e manifestando todo o interesse desta parceria, porquanto S. Domingos é seguramente uma das freguesias do Pais com maior número de colectividades.
Esmeralda Ferreira, Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Cascais, explicitou qual o esquema que está a ser praticado no concelho neste domínio de apoio à criança e aos jovens em risco, mostrando que, na base da pirâmide, está a família e a comunidade e só depois as instituições de solidariedade social. Apenas quando todos os procedimentos de aconselhamento e acompanhamento se esgotam é que pode recorrer-se à via judicial, no âmbito da lei nº 147/99, de 1 de Setembro, que regula toda esta actividade.
            Estamos certos de que foi este um bom «pontapé de saída» para uma acção concertada, que terá outros desenvolvimentos, mas que, para já, serviu para motivar os assistentes acerca do relevante papel que as colectividades podem – e devem! – desempenhar em todo este processo.

Publicado na edição de 25-10-2012 de Cyberjornal:

A inauguração oficial da «Cozinha com Alma»

             Depois de ter estado a funcionar provisoriamente, durante alguns meses, nas instalações do Centro de Dia da Pampilheira – um dos pólos de actividade da Junta de Freguesia de Cascais –, a loja da «Cozinha Com Alma» passou a ter instalações próprias na Praceta Padre Marçal da Silveira, no limite oriental do mesmo bairro.
            A inauguração oficial decorreu, como se sabe, na passada sexta-feira, 19, ao meio-dia, com a presença de Mariana Ribeiro Ferreira, em representação do Sr. Ministro da Solidariedade Social (ausente por motivo de doença), do Presidente da Câmara, do Presidente da Junta de Freguesia e vários membros do seu executivo e da assembleia de freguesia, da Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Cascais. Acorreram também representantes de entidades que patrocinam o empreendimento, técnicos camarários, jornalistas e população em geral.
            Justificou-se a cerimónia mesmo depois de já se encontrar em actividade há meses, porque desta sorte, inclusive através das reportagens passadas na Comunicação Social (escrita, falada e televisiva) se ficou a saber melhor do que é que efectivamente estava em causa.
Não se trata, como à primeira vista poderia parecer, de mais um acto de ‘caridadezinha’ (entendendo esta na sua conotação pejorativa: «toma lá um peixe para matares a fome»). Os responsáveis por esta IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) reuniram uma série de esforços, bateram às mais diversas portas e conseguiram, assim, parcerias que permitem a elaboração de pratos a preços módicos, confeccionados, diga-se, boa parte deles segundo receitas dos cozinheiros que assim quiseram também colaborar graciosamente. Aproveitaram-se as excelentes virtualidades da cozinha da creche da Pampilheira (gerida pela Santa Casa) e as técnicas da Cozinha com Alma dispõem de uma lista de famílias – inscritas na Junta de Freguesia, após cuidadoso inquérito – às quais, segundo o rendimento familiar, possibilitam refeições. Há, pois, preços diferenciados e a própria população (por enquanto…) não carente pode ir lá fazer as suas encomendas e comprar os pratos confeccionados no próprio dia ou nos dias anteriores e devidamente congelados. É essa uma forma de ajudar a instituição e, ao mesmo tempo, de se ajudar a si próprio, dado que os preços são relativamente baixos, mormente se se fizer a comparação com a qualidade que se fornece. Por conseguinte, não se trata de mais uma instituição de ‘caridade’, de mais uma «sopa dos pobres» no sentido pejorativo que esta expressão consagra, mas de um verdadeiro serviço social, a apoiar.

O jardim da Mário Clarel
            Recordar-se-á que a instalação da loja naquele local provocou uma onda de protesto por parte dos vizinhos, na medida em que para ali, a Rua Mário Clarel, desde há mais de duas décadas, se previa um espaço de lazer. Ora, a loja iria ocupar esse espaço e lá iriam por água abaixo as expectativas criadas.
            Tal não aconteceu, porém, graças fundamentalmente à grande mobilização dos moradores, que suscitou uma reunião com a presidência da Câmara, donde resultou a promessa de que não apenas a loja não iria prejudicar o espaço verde previsto como de imediato se iria estudar o seu correspondente enquadramento.
            Logo que tiveram conhecimento da inauguração oficial da loja (para que, aliás, foram expressamente convidados), os moradores voltaram a insistir junto da Presidência da Câmara e, tanto através de correio electrónico como no próprio dia da inauguração, Carlos Carreiras garantiu o início dos trabalhos logo que ficasse disponível, em 2013, o orçamento previsto para o efeito. E foi-nos dado a conhecer o desenho (em anexo) do que ali se pretende levar a efeito.
            Por conseguinte, por dois meios se procurou alcançar alguma dignidade: primeiro, através de uma acção da comunidade em prol dos mais necessitados (e, no caso concreto de Cascais, mormente da chamada ‘pobreza envergonhada’, que é a dos membros da chamada ‘classe média’, em muito perigosa via de extinção…) e acelerando o processo de reconversão dum espaço, que esperamos venha a ser, dentro em breve, uma boa referência neste bairro.

Publicado na edição de 24-10-2012 de Cyberjornal:

E havia peças de roupa passeio afora…

            Chocou-me, há dias, numa ‘grande superfície’, o jovem casal estrangeiro que experimentava sapatos. Tirou uma série deles das prateleiras, experimentou-os, não levou nenhum e deixou-os todos no chão do corredor, que é como quem diz «Eles têm empregados para repor tudo no sítio!». Têm, de facto; eu interroguei-me, porém, sobre o género de casa deste casal: se teriam filhos para educar, criadas para irem colocando no lugar os seus desvarios... Nem ousei chamar-lhes a atenção; confesso, apenas, o meu pecado: deu-me ganas, naquele momento, de ter poderes para os recambiar de pronto para a sua terra de origem.
            Não sou minimamente contra os estrangeiros; sempre procurei acolhê-los da melhor forma, porque a isso fui educado, dado que sempre convivi com estrangeiros aqui em Cascais e, agora, na minha terra natal, S. Brás de Alportel, a nossa preocupação reside em ver que boa parte da grande comunidade estrangeira ali radicada está a pensar regressar ao seu país de origem, atendendo à brutal carestia de vida e ao crescente clima de insegurança que por cá também já se vive.
            Ocorreu-me a cena do jovem casal quando presenciei uma outra. Junto a um dos receptores de lixo do bem agradável jardim da Rua Aquilino Ribeiro que dá, em S. João do Estoril, para uma praceta sem nome e sem saída, alguém depositou um saco com roupa. A intenção seria, decerto, que ela pudesse ainda ser útil a alguém. Na terça-feira, 9 de Outubro, pelas 10 horas, havia peças de roupa espalhadas pelo chão. Pelo aspecto, roupas em boas condições, prontas a ser usadas depois de uma lavagem normal. Eu estava no carro, a ler, e passaram duas senhoras:
            E vale a pena a gente dar alguma coisa? Olha aquilo ali tudo espalhado pelo chão! – E apontava com a sombrinha, abanando a cabeça: «Não vale!».
            No dia seguinte, mais ou menos à mesma hora, a cena foi outra. As peças de roupa ainda continuavam pela relva, mas um casal (por sinal também com sotaque estrangeiro) que andava na distribuição de panfletos publicitários, pegou nalgumas e, à medida que caminhavam, iam procedendo à escolha. Não consegui ver se terão ficado com alguma peça; creio que não; mas que várias foram semeadas pelo passeio posso garantir…
            Dir-me-ão: mas isso não é assim, tem de se ir a uma instituição! Pois. Não sei como é agora, mas já passei por uma – e a roupa acumulava-se nas prateleiras até ao tecto, porque… não houvera ainda quem se tivesse disponibilizado para proceder a uma selecção criteriosa. E mais: garante-me a Joaquina que já viu com os próprios olhos ir gente a uma instituição, trazer coisas e aventar parte delas para a beira do caminho, algumas dezenas de metros mais adiante…

Publicado em Jornal de Cascais, nº 324, 24.10.2012, p. 6.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Os braços que hoje nos faltam!

            É um dó d’alma! Passeamo-nos por esta S. Brás de terras férteis, boas águas, hortas verdinhas, oliveiras carregadas, alfarrobeiras ora em flor numa esperança de boa colheita… E, ao lado, há amendoeiras cujos frutos secaram na árvore. Figueiras de figos pelo chão ou a apodrecer por entre as folhas. Até as ameixeiras e as romãzeiras clamam por quem lhes colha os frutos gerados pelas noites, pelos dias de calor, pela brandura das manhãs e pela brisa fresca da tarde…
            Clamam – e ninguém lhes acode!
            Faltam braços. Já não há quem se aventure a pendurar-se nas ramadas, quem queira pegar numa vara, quem se dobre no chão para apanhar o que o varejador deitou por terra nos panos adrede estendidos…
            A lamúria vai por aí desde os píncaros do Cerro Botelho ou do Alto da Fonte da Murta até à Soalheira, ao Malhão e passará para as campinas já do outro lado do cômoro…
            Riqueza que prodigamente a Natureza nos dá e braços não há para a acolher. Já os figos não secam no almanxar. Já se não descascam amêndoas: o trabalho que dão não compensa os míseros cêntimos que rendem...
            Por quanto tempo assim será? Por pouco, acho eu, que rapidamente se terão de criar atractivos para que à terra se volte e a riqueza se aproveite.

[Publicado em Notícias de S. Braz [mensário de S. Brás de Alportel], nº 191, 20-10-2012, p. 15].

Carcavelos em semana de aniversário

            Iniciaram-se no sábado, 20, os festejos que, até dia 27, vão assinalar o «Dia de Carcavelos».
A partir das 17 horas, no salão da sede da Junta, bem recheado de público, a presidente da Assembleia de Freguesia, Isabel Feio, deu as boas-vindas. Jorge Castro apresentou depois o II volume da obra Carcavelos dos Cinco Sentidos, cuja edição coordenou, um livro que reúne, nas suas 276 páginas, depoimentos sobre os mais diversos aspectos da freguesia: personalidades, história(s), acontecimentos, pessoas, lugares…
A presidente da Junta, Isilda da Silva, traçou depois um panorama das actividades concretizadas, referindo, de modo especial, a reabilitação que o Município levou a efeito no emblemático edifício da Moagem de Carcavelos e o facto de as instalações do antigo Hospital Ortopédico António José de Almeida irem ser aproveitadas para nelas funcionar o Centro de Saúde.
Em representação do presidente da Câmara, esteve o vereador Nuno Piteira Lopes, que se congratulou com o trabalho que a freguesia tem desenvolvido em prol da população, tendo, na circunstância, obsequiado a Junta com a oferta do livro sobre os Paços do Concelho, A Casa dos Azulejos.
Seguiu-se um momento musical que não ultrapassou os 45 minutos, mas que encantou a assistência, pois um Trio Scherzo português interpretou, com maestria e bem sugestivos arranjos, nove (mais um) breves trechos musicais. Muito aplaudidos, por exemplo, «Tritsch – Tratsch – Polka» de Johann Strauss, e o «Livertango», de Astor Piazzola, em que foi notável o virtuosismo da pianista Mercedes Cabanach, que se fez acompanhar de Luís Sá Pessoa, ao violoncelo, e José Pereira, no violino. Esses, aliás, os componentes do trio.
Dentre as personalidades presentes na sessão, refiram-se – para além dos membros do Executivo e da Assembleia de Freguesia – os vereadores Ana Clara Justino (da Cultura) e Frederico Pinho de Almeida (Acção Social) e o presidente da Junta de Freguesia de S. Domingos de Rana, Manuel Mendes.
Seguiu-se, na Sociedade Musical e Recreativa de Carcavelos, a abertura da exposição de artes plásticas, denominada Bienal de Carcavelos, que reuniu 54 obras de 54 artistas, a maior parte deles ligados a Carcavelos. Uma exposição para todos os gostos, a dar cor e beleza ao salão de entrada da colectividade, visitável até dia 27, das 16h00 às 20h00.
O programa dos festejos inclui(u) os mais diversos actos no decorrer da semana, desde a missa campal celebrada por Sua Eminência o Cardeal-Patriarca de Lisboa (no domingo, 21) até, por exemplo, uma noite de fados na terça-feira, 23. Consulte-se, para o efeito, http://www.jf-carcavelos.pt/page_text.asp?ID=187&categoria=Caixa2 .

Publicado na edição de 2012-10-22 de Cyberjornal:

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A sedução dos bichos-da-seda

            Os que andámos na Escola nas décadas de 50 ou mesmo 60 recordamos, sem dúvida, que, a determinado momento, não se sabia muito bem porquê nem como, começava a época do berlinde, depois a do pião (ou vice-versa), e assim ocupávamos o nosso tempo de recreio a jogar ao «bias» em covas improvisadas, ou a procurar «rachar lenha» no pião do colega, enquanto as meninas saltavam ao eixo ou jogavam à macaca.
            Havia, porém, um outro entretenimento, que interessava ambos os sexos: a criação de bichos-da-seda, uma dor de cabeça para os pais que tinha de dar tratos à imaginação para descobrirem onde havia amoreiras para ter as folhas de que as lagartas se alimentavam.
            Lá estavam elas nas caixas de sapatos que iam e vinham de casa para a escola, «quantas tens?», «dá-me uma folhinha!»… E era toda uma aprendizagem: como é que uma lagarta, a determinado momento, amuava, desatava a tecer um casulo, se escondia lá dentro meses a fio e, um belo dia, saía de lá uma borboleta, que importava não deixar fugir, para que ali mesmo pusesse os ovos, donde sairiam futuras lagartas… Um ciclo de vida, em que apenas a morte era aparente e a esperança numa ressurreição se mantinha sempre bem viva!
            Tínhamos a ideia (a professora explicava) que dos casulos, sujeitos a determinados tratamentos, se poderiam obter fios de seda, a matéria-prima de que se urdiam tecidos ricos, com que outrora os Chineses faziam fortunas e até havia uma «rota da seda», pela qual andou, se não erro, um tal de Marco Pólo!...
            Porque me lembrei agora, passados 50 anos, desses tempos de infância? Porque, ao ler um trecho sobre Bernardino Machado, vi que legislara sobre a criação de bichos-da-seda e, consequentemente, do apoio a dar, no nosso País, à produção de seda. E recordei de imediato que, no âmbito da recuperação do património local, a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, por exemplo, lançara, na década de 90, o programa «Os Caminhos da Seda», que incluiu o projecto do Centro Interpretativo do Real Filatório, de Chacim, nascido no reinado de D. Maria I.
A crise vai fazer-nos regressar à terra. Talvez se regresse também à seda – porque não?

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 602, 15-10-2012, p. 4.

 

 

Aculturação linguística

             Como epigrafista, amiúde me debruço sobre o resultado do contacto entre povos de falas diferentes. A oralidade desempenha aí um papel primordial e não vale a pena, com frequência, arranjarmos explicações eruditas, etimologias rebuscadas, significados obscuros. Ouvia-se, pronunciava-se como Deus era servido, escrevia-se como soava melhor!
O caso dos emigrantes portugueses em França pode servir-nos de bom exemplo, quando, vindos de férias, decidem falar connosco na sua – e nossa – língua materna. E saem, por vezes, frases deveras curiosas, só perceptíveis, afinal, no seu contexto e só explicáveis por quem das duas línguas conhece um pouco.
Ora vejam-se estes exemplos:
– Uma tia muito atachada, para significar muito dedicada, de grande ligação afectiva (do francês attachée).
– Salmão verdadeiro? Tira daí o pensamento! Agora é tudo de elevagem (do francês élévage, criação em viveiro).
– Montámos o Douro (de monter, subir).
– Prendemos o autocarro (de prendre, apanhar, tomar).
 
Publicado no mensário VilAdentro [S. Brás de Alportel], nº 165 (Outubro 2012) p. 10.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

«Beba água da torneira!»

            13.15 horas, 21-09-2012. O senhor, de cabelo grisalho, ao passar no corredor da carruagem, verifica que uma senhora está a beber água duma garrafinha de marca.
            – A senhora não beba dessa água!… Quantos anos tem?... 50?... Se quer viver mais 50, não beba dessa água, beba água da torneira!
            Não consegui ouvir contar das aldrabices que, em seu entender, envolviam o negócio das águas engarrafadas; entretanto, chegámos ao Monte Estoril e a senhora saiu.
            Também nós cá em casa éramos partidários da «água da torneira». Defensores incondicionais, até que sucederam dois casos.
            O primeiro: terem detectado os fiscais da Águas de Cascais uma rotura no cano que, da boca-de-incêndio, levava ao meu contador. O cano estava na base do muro do quintal e, por isso, disseram-me (nada foi comunicado por escrito, registe-se) que eu tinha de mandar reparar a rotura e, caso não fizesse tal diligência dentro de quinze dias (pareceu-me que foi quinze dias…), corria sério risco de me virem cortar o abastecimento. A mim a rotura não me preocupava nada, porque quem estava a perder era a Águas de Cascais, uma empresa privada. Não quis, porém, criar conflitos e, dolorosamente, lá paguei ao canalizador e ao pedreiro e os telefonemas vários que tive de fazer para virem fechar a água, para virem inspeccionar, para virem abrir…
            Confesso, todavia, que me assustei ao ver o estado lastimoso em que se encontrava o cano por onde, até essa altura e desde a década de 60, passava a água que a família bebia, crianças e adultos. Chamar àquilo ferrugem seria usar um termo delicado.
            Há semanas (é o outro caso), uma vizinha apercebeu-se de que deveria haver uma fuga de água junto ao seu portão. Cidadã como é, telefonou para a Águas de Cascais. Vieram uns senhores, confirmaram, abriram vala, puseram nova manilha de junção, uma torneira e… abalaram, sem tugir nem mugir. Passaram uns dias e tudo continuava na mesma: a rotura, acrescida dos naturais inconvenientes de um passeio inutilizado por onde passam os utentes da clínica próxima, crianças, um carrinho de deficiente, as pessoas, enfim!... Tirei-me de cuidados e, com esta mania – que cada vez vou tendo menos, confesso… – de ser cidadão interveniente, contactei a Águas de Cascais. E vim a saber que era à proprietária que competia agora continuar o arranjo e suster a rotura (que, repita-se, a ela nada incomodava enquanto rotura, porque quem estava a perder era a Águas de Cascais). Pasmei! «Então e ninguém diz nada? Ninguém informa? Ninguém explica em que lei se baseia para imputar à senhora os custos da reparação de uma rotura antes, até, da boca-de-incêndio?». «É assim». É assim. Perante o perigo para os transeuntes, optámos por mandar fazer a obra. Pagamentos aos pedreiros, ao canalizador, telefonemas… Ainda se apelou para a companhia de seguros. Ná! O agente dos seguros foi peremptório: «A rotura aconteceu antes do contador; por sinal, até antes da boca-de-incêndio e, portanto, é à Águas de Cascais que compete o pagamento!». Desistimos, porque com a Águas de Cascais, já sabíamos, não vale a pena dialogar. É assim e… prontos!
            O mais interessante foi o que vimos e essa a razão primordial desta nota: o interior do cano que ligava à boca-de-incêndio era uma ferrugem pegada!... Por ali passava, pois, a água que se bebia! Ficámos horrorizados.
E, por muito que me custe, não dou razão ao senhor de cabelos brancos (como eu), que, às 13.15 horas do dia 21 de Setembro do ano da graça de 2012, incitava a passageira sua desconhecida a beber água da torneira.

Publicado em Jornal de Cascais, nº 323, 10.10.2012, p. 6.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

«Perspectivas da Natureza», um concurso notável

      É a sexta vez que o nosso prezado colega Correio da Linha, que se publica em Oeiras e que é dirigido por Paulo Pimenta, reúne uma série de vontades (leia-se: patrocínios) para lograr dar corpo a uma iniciativa deveras notável e de louvar.
      Desafia os leitores (profissionais e amadores com idade superior a 16 anos) para, de máquina em punho, irem captando instantâneos do nosso viver, do ambiente em que nos é dado movimentar-nos. O tema deste concurso era mesmo esse: «Perspectivas da Natureza».
Até ao passado 29 de Janeiro, cada participante pôde concorrer com (até) três fotografias, havendo inclusive a possibilidade de dois ou três elementos da mesma família participarem, habilitando-se assim ao «Prémio Família». Foram 118 os participantes, 331 as fotografias recebidas, 14 as famílias que concorreram.
Entretanto, fez-se a escolha, montaram-se exposições… Cada uma das 10 empresas patrocinadoras seleccionou a “sua” fotografia; e houve, para além disso, 5 fotografias premiadas para o 1º lugar e 5 para o 2º.
E o livrinho, de 88 páginas, com tiragem de 3500 exemplares, reproduzindo as fotos vencedoras, fazendo-se eco dos depoimentos dos patrocinadores e mostrando uma selecção das fotografias enviadas, constitui um regalo para a vista, pois, na verdade, há ali verdadeiras obras de arte; ou melhor, ângulos inesperados que nos ensinam a ver melhor e a apreciar as verdadeiras obras de arte que a Natureza nos oferece!

Publicado na edição de 10-10-2012 de Cyberjornal:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=17179&Itemid=30

Um município tem de ter uma revista cultural

      Vem de há muito esta minha ideia de que um município deve pugnar por ter uma revista (anual ou, se possível, semestral), onde se reúnam colaborações dos investigadores sobre temas, os mais variados, que constituem a alma desse Município, a sua história, o retrato das suas características.
      Tem Lisboa Olisipo, revista do Grupo de Amigos de Lisboa; dificuldades financeiras e falta de visão por parte dos serviços culturais da Câmara têm impedido a sua publicação regular. Mantém o município da Guarda a Praça Velha, semestral, que, iniciada em Junho de 1997, publicará este Inverno o seu nº 32. Teve Cascais – com essa finalidade (porque Boca do Inferno, mais literária, ultrapassava os limites do concelho) – o Arquivo de Cascais, cujo 1º número saiu em 1980 e cuja publicação há anos que incompreensivelmente se mantém suspensa. E escrevo «incompreensivelmente» com plena consciência, porque vultosas verbas gastas em edições de luxo poderiam ter deixado cair umas migalhas para uma publicação que não se exige luxuosa, mas prática e útil.
      Vêm estas considerações a propósito do volume 37 (2011) dos Anais do Município de Faro, precisamente uma dessas revistas que, nascida há 42 anos (!) sob orientação de um professor primário entusiasta pela cidade (a sua historia, as suas gentes…), o Prof. Pinheiro e Rosa, tem hoje à sua frente um outro algarvio, o Doutor Joaquim Romero de Magalhães, catedrático da Universidade de Coimbra, filho do saudoso Prof. Joaquim Magalhães, o ‘descobridor’ de António Aleixo.
      E antes mesmo de darmos conta do conteúdo deste número da revista (que tem a iniciá-lo a mensagem do presidente da autarquia), aplauda-se o entusiasmo com que Romero de Magalhães, na Apresentação, solicita a quantos queiram enviar para a revista histórias doutros tempos, para assim se fazerem reviver espaços e gentes, para assim a cidade preservar a sua memória! Excelente ideia!
      De apresentação gráfica magnífica (bem sugestiva a capa, a cores, a mostrar um dos monumentos mais significativos da cidade, a sua sé), ISSN 0871-0872, 248 páginas ilustradas. Mui oportunos os separadores, com fotos antigas.
      João Pedro Bernardes, arqueólogo, docente da Universidade do Algarve, traça uma panorâmica do que terá sido o território da Ossonoba romana (p. 11-26). António Rosa Mendes, também da Universidade do Algarve, evoca a obra de D. Inácio de Santa Teresa (1741-1751), um «bispo reformador» (p. 27-37). Em tempos ainda de evocação do centenário da República, Jorge Filipe M. da Palma (investigador da história local) dá conta da toponímia deixada pela I República em Loulé (p. 39-67) E ainda no mesmo rumo histórico, Aurélio Nuno Cabrita (investigador) tece considerações acerca da visita feita pelo presidente Sidónio Pais ao Algarve (p. 69-140). Prossegue-se na história, porque Artur Ângelo Barracosa Mendonça (professor e investigador) vasculhou a imprensa algarvia e esclarece-nos como é que ali se viu a revolta do 28 de Maio (p. 141-220). Olhão, vila cubista, sempre sedutora na sua branca arquitectura geométrica, seduziu Andreia Fidalgo que escreveu (p. 221-242) sobre as açoteias, os mirantes, os contramirantes, uma ‘inerudita arquitectura’, convenhamos, mas que não deixa de ter o seu encanto e oxalá as entidades locais a saibam preservar na sua autenticidade e tipicismo. «A Estrada da Senhora da Saúde» (p. 243-247), do escritor José Matos Guita, inicia esse ciclo evocativo de que atrás se falava e que Romero de Magalhães mui oportunamente deseja ver continuado.
      E aqui está, pois, um bom exemplo de publicação cultural local! Parabéns!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Um vade-mécum oportuno e útil

            Tem-se uma dúvida e, hoje, os mais habituados ao manuseio da Internet precipitam-se para o computador, escolhem o motor de busca e, num ápice, se a questão tiver sido posta em termos eficientes e eficazes, a resposta aí está, ao alcance de um clique!
            Dir-se-ia, por conseguinte, que de outras enciclopédias e dicionários se não careceria.
            É, porém, essa uma consulta efémera: depressa a ela se acede, depressa o seu resultado se esvai, porque não se imprime numa folha ou, se se imprime, acaba a informação por perder-se, uma vez que nem sempre sabemos exactamente onde a iremos guardar.
            Mantém Aurora Martins Madaleno, desde Abril de 2002, no mensário VilAdentro, da paróquia de S. Brás de Alportel, a rubrica «Quem pergunta quer saber». Fruto da auscultação atenta das questões levantadas no dia-a-dia, revela-se de bem compreensível utilidade para o cidadão comum. Mais útil ainda se dissermos que todas essas respostas simples e claras foram agora transcritas em livro (Quem Pergunta Quer Saber, S. Brás de Alportel, Abril de 2012, ISBN: 978-989-95726-6-9), por iniciativa da Casa de Cultura António Bentes, acedendo a sugestão apresentada pelos alunos da Autora.
            Louve-se, em primeiro lugar, o empenho da Casa de Cultura. Conta já no seu rol mais de uma dezena de edições, a maior parte delas devidas ao labor e ao indesmentível entusiasmo dos irmãos sacerdotes padres José da Cunha Duarte e Afonso da Cunha Duarte, que procuram aliar à sua missão pastoral o gosto por temas da História e do Património locais, em particular, e algarvios em geral. Uma obra de muito louvar, levada a cabo sem apoios significativos, a proporcionar matéria de reflexão, fomentadora de cidadania.
            108 temas, um por página, na sequência cronológica em que foram publicados, devidamente enumerados no índice. Um dos casos em que um segundo índice, por ordem alfabética dos temas, não teria sido despiciendo, para facilitar a consulta. Abarcam enorme diversidade e também por isso – como elucida José da Cunha Duarte no prefácio – são já utilizados por universidades da Terceira Idade.
            Aí se encontra de tudo, dir-se-ia. Que é o orçamento do Estado; que se entende por liberdade religiosa; a que regras deve obedecer o testamento e em que circunstâncias se faz; a proibição de fumar; que questão levanta o casamento realizado no estrangeiro; a usucapião; os padrinhos… Enfim, uma deveras interessante panóplia, em boa hora disponibilizada em livro.                                     

Publicado em Cyberjornal, 07-10-2012:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=17159&Itemid=67

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

História da Arqueologia Portuguesa apresentada no Estoril


             Mais de duas dezenas de pessoas estiveram presentes, ontem, dia 3, ao final da tarde, no Espaço dos Exílios, no Estoril, para assistir à apresentação do livro do Doutor Carlos Fabião, arqueólogo, professor da Faculdade de Letras de Lisboa e munícipe de Cascais, intitulado Uma História da Arqueologia Portuguesa.
            Começou por usar da palavra o Dr. Raul Moreira, responsável pela editora, a Secção de Filatelia dos CTT, que elucidou ser esta mais uma das apresentações que do livro têm vindo a ser feitas pelo País, sempre com o maior acolhimento, não apenas devido ao conteúdo da obra mas também pela valia do seu autor, a quem se referiu em termos elogiosos, quer como docente quer como investigador.
            Carlos Fabião fez questão em salientar que se trata de um grande trabalho de equipa, pois que não basta o texto, há toda uma roupagem que o envolve e nisso os serviços técnicos que colaboraram na edição foram altamente eficazes. Uma vez que se torna difícil aos arqueólogos portugueses alicerçarem nacionalismo em dados arqueológicos, pois que sempre as nossas fronteiras culturais estiveram ligadas à Hispânia, por exemplo, constitui, no entanto, a visita aos sítios indicados no roteiro final um bom pretexto para melhor se conhecer o passado do nosso País e, por esse meio, se cimentar identidade.
            Encerrou a sessão o Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Dr. Carlos Carreiras: os vestígios arqueológicos podem ser entendidos, de facto, nessa lógica de identidade e são, muitas vezes, indícios bem evidentes dos valores de tolerância, que, hoje mais que nunca, importa cultivar. Aproveitou o ensejo para se referir a sítios arqueológicos do concelho que, pouco a pouco, irão ser valorizados, desde as necrópoles pré-históricas, às villae romanas dos Casais Velhos, Alto do Cidreira, Freiria, com particular destaque para a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, mui provavelmente a primeira a ser intervencionada, com vista a maior usufruto por parte da população.
O volume, magnífico, datado de Outubro de 2011, destina-se a acompanhar, como é de uso em edições dessa secção, a série filatélica de seis selos temáticos posta em circulação.
«Desde as origens à descoberta da arte do Côa», aponta o Autor, em pinceladas largas mas seguras, os momentos, os monumentos e os arqueólogos mais significativos. Modestamente, optou por chamar-lhe «uma história», pois que outras poderão existir e se compreende bem a dificuldade real em resumir em menos de 200 páginas, que se queriam profusamente ilustradas e para o grande público, as peripécias por que foi passando entre nós uma ciência que, embora assumindo o seu carácter já na segunda metade do século XIX, teve cultores de monta desde o tempo dos Humanistas, pelo menos.
«Os tempos da Sagrada Lei Escrita e dos nossos antepassados romanos»; «A Antiguidade como argumento de legitimação política: a Real Academia da História Portugueza», «A grande revolução: o Evolucionismo e a antiguidade da Terra, das formas de vida e do Homem», «A antiguidade das nações», «O século XX» – são os significativos títulos que o autor escolheu para esta caminhada, que culmina, como atrás se referiu, na apresentação de «um roteiro da Arqueologia Portuguesa», antecedido de elucidativo mapa (p. 184) e contendo informação sobre os museus históricos da Arqueologia Portuguesa ou os outros que detêm no seu acervo significativo espólio arqueológico (ao todo, 28), não se hesitando em mencionar dez outros locais que se destacam «pelo seu particular interesse».
Uma viagem deveras interessante, em que se mostra como mesmo uma ciência que se quer exacta como a Arqueologia nunca está – por mais que se queira – desgarrada do contexto social e político em que se pratica. Em todo o caso, como o Autor salienta, a terminar, «ao serviço de um desenvolvimento sustentável, o património arqueológico ocupa um espaço cada vez mais importante no quotidiano das populações» (p. 182).
Entre as individualidades presentes, registe-se a da Senhora Vereadora da Cultura, Dra. Ana Clara Justino, e a do actual Director do Museu Nacional de Arqueologia, Dr. António Carvalho.

Publicado em Cyberjornal, 4-10-2012:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=17144&Itemid=30

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Justa – mas discreta – homenagem


      A Junta de Freguesia de Cascais deliberou dar o nome do Rancho Coral e Coreográfico da Sociedade Musical de Cascais a uma das rotundas do Bairro da Pampilheira, na Avenida Engº Adelino Amaro da Costa, justamente aquela que tem sido mais falada, ao longo dos últimos anos, por continuar incompreensível para o cidadão comum, o facto de ser uma rotunda e não ter… oito sentidos de trânsito!... Claro que o Rancho nada tem a ver com isso (creio que nenhum dos seus membros pertenceu ao grupo de ‘sumidades’ que tal deliberou…), mas isso constitui, sem dúvida, para ele mais um motivo de boa singularidade e muita visibilidade.
      Congratulamo-nos vivamente com a decisão. Das várias secções da Musical – que tem sede, como se sabe, não no Bairro da Pampilheira mas muito perto, no Alto da Pampilheira – tem sido o seu dinâmico rancho aquele que, no País e no estrangeiro, mais alto tem levantado o nome de Cascais, ligando-o, de modo especial, à tradição piscatória, pois que são de pescadores os trajos dos seus elementos. E nunca nos cansaremos de ver, por exemplo, a dança evocativa da Senhora dos Navegantes, de bem tocante coreografia…
      Em tempo de ‘vacas magras’ e também porque, de há uns tempos a esta parte, a discrição em casos semelhantes tem sido apanágio da Freguesia de Cascais, a colocação da placa foi feita na última semana de Setembro, sem qualquer comunicação oficial nem cerimónia – o Rancho vale por si!

Publicado em Cyberjornal, 04-10-2012:
http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=17142&Itemid=92

Um álbum bonito e de elevado interesse histórico no CCC

            Quatro aspectos notabilizam a exposição «Charles Landseer – Desenhos e aguarelas de Portugal e do Brasil, 1825-1826», patente no Centro Cultural de Cascais, com curadoria do Professor Leslie Bethell, da Universidade de Oxford.
            Fruto da eficaz colaboração da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais com a Espírito Santo Cultura, do Rio de Janeiro, e o Instituto Moreira Salles, de São Paulo, detentor da colecção, enquadra-se a mostra nas iniciativas que pontuam o «ano» escolhido para consolidar as relações entre os dois países irmãos; e detém particular significado, se considerarmos que os desenhos expostos retratam aspectos da paisagem física e humana de Portugal e do Brasil, nos anos de 1825 e 1826, altura em que se processavam as negociações para o reconhecimento oficial, por Portugal, da independência do Brasil, tendo uma delegação do Reino Unido servido de intermediária, pois, como se sabe, era esse Reino o primeiro interessado em colher benefícios dos bons resultados que viessem a ser obtidos. Saíram esses documentos do génio do britânico Charles Landseer (Londres, 1799-1879), incumbido oficialmente de assim perpetuar o que via vendo e lhe parecia deveras significativo (não havia, ainda, a fotografia…).
            Esse, o primeiro aspecto, portanto: a selecção feita pelo artista, sintoma evidente da sua mentalidade, da sua cultura e, até, da sua vontade de intervir.
            Depois, a excepcional beleza do minucioso traço e do ténue colorido – que quase milagrosamente assim chegou até nós.
            Em terceiro lugar, ainda que sempre se possa especular acerca de um ou outro pormenor, onde, naturalmente, o artista quiçá deu azo à sua imaginação, a missão de que fora incumbido decerto o obrigou a ser o mais rigoroso possível, quando se dispôs a passar ao papel o que presenciava – paisagens, edifícios, pessoas… Por conseguinte, a cena do escravo a ser flagelado é bem capaz de mesmo assim então se passar habitualmente; a mole da Torre de Belém, vista aqui de um ângulo a que não estamos habituados, ou seja, de poente para nascente, tendo ao fundo a margem esquerda do Tejo, vai também merecer, decerto, alguma reflexão por parte dos historiadores de arte (se é que não a mereceu já), porque há pormenores aí bem diversos do que hoje nela se enxerga; o instantâneo dos aguadeiros junto a um dos chafarizes de Lisboa documenta uma actividade bem conhecida, mas elucida melhor que qualquer descrição de como eram os trajos, os pipos, a afluência…
            Houve, finalmente, por parte do Instituto Moreira Salles, a preocupação de preparar, sob proficiente organização de Leslie Bethel, exaustivo catálogo dos mais de 300 desenhos e aguarelas. Desse extraordinário volume ora se fez «réplica», não menos elucidativa e aliciante: o breve catálogo editado pela Fundação D. Luís I, com textos dos intervenientes no processo e reproduções, numa concepção de Nuno Lemos e Rita Ribeiro da Silva (ISBN: 978-972-8986-67-4).
            Trata-se, consequentemente, de bem valiosa iniciativa.
             Muito concorrida a inauguração, no final da tarde do dia 20 de Setembro. Além dos anfitriões (responsáveis pela Fundação), esteve o presidente da Câmara Municipal, que acompanhou na visita o Comissário do Ano de Portugal no Brasil, Horta e Costa, a Presidente da Espírito Santo Cultura, Maria João Bustorff, o embaixador do Brasil em Portugal (Mário Vilalva) e o director executivo do Instituto Moreira Salles (Raul Manuel Alves).
            No final, foi servido um beberete no pátio interior do Centro Cultural.
            A exposição estará patente de terça a domingo, das 10 às 18 horas, até 27 de Janeiro.

Publicado na edição de 2-10-2012 do Cyberjornal:

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Os papéis do dia-a-dia

            Quando, em Outubro de 1967, ingressei no corpo redactorial de Jornal da Costa do Sol, iniciei-me de imediato numa prática que hoje se classificaria de «ecológica» e que, nessa altura, obedecia apenas à necessidade de evitar o desperdício e poupar nas despesas.
            Dactilografar os textos ainda não era corrente e, por isso, havia na redacção resmas de papel utilizadas de um só lado (circulares, folhas de agências noticiosas, publicidade…) que serviam às mil maravilhas para as crónicas, as breves notícias, os artigos de opinião, tudo!...
            Era ainda no tempo do chumbo, das linotypes, em que os caracteres eram fundidos um a um ou em linhas e os tipógrafos sabiam bem ler e haviam estudado em escolas profissionais ou feito dura tarimba em oficinas, onde desde cedo se familiarizavam com o granel, o prelo, o linguado… termos, na actualidade, quase caídos em desuso. E desde cedo aprendiam também a necessidade do copo frequente de leite para fazer face aos nocivos efeitos tóxicos do chumbo a derreter…
            Ficou-me o hábito – que diligentemente transmito aos meus estudantes e que, de vez em quando, também noutros contextos, traz surpresas.
Recordo que me mostraram, a 24 de Julho de 1994, o foral novo de Pedrógão Grande, belíssimo exemplar em pergaminho. Para a encadernação, haviam sido usadas folhas de antigo antifonário – a merecerem, pois, cuidadosa análise também.
Uma das muitas histórias em que são férteis as Selecções do Reader’s Digest e que faziam as delícias da minha juventude referia como uma família, ao receber carta de amigos, mais se encantara com o que vinha no verso do que com as notícias escritas nesse papel reaproveitado.
Escusado será dizer que, para mim, rascunho do computador é sempre impresso na página em branco (o «lado b»!...) duma folha utilizada.

Publicado no quinzenário Renascimento (Mangualde), nº 601, 01-10-2012, p. 4.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Livro sobre turismo, pretexto para verberar política governamental

           Mais de uma centena de convidados encheram a galeria de arte do Casino Estoril, no passado 27 de Setembro, Dia Mundial do Turismo, para participar na cerimónia de apresentação do livro de Licínio Cunha, Turismo em Portugal: Sucessos e Insucessos, publicado por Edições Universitárias Lusófonas, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em que o autor dirige a licenciatura em Turismo.
            Coube ao Prof. Silva Lopes – que foi, aliás, o prefaciador da obra – a apresentação formal do volume, que, como o título indica, historia, por décadas, o que foi mais de um século da actividade turística em Portugal, desde 1900 a 2009. Referiu-se Silva Lopes à actividade que o autor tem exercido neste domínio e sublinhou a acuidade da análise feita, tecendo oportunas considerações acerca do relevante papel que o turismo detém no desenvolvimento económico do País.
            Mário Assis Ferreira, administrador do Casino, usou da palavra não apenas para felicitar o autor e a sua iniciativa, mas também para mostrar como a política governamental em relação aos casinos não tinha consistência (focou, de modo especial, a proibição de fumar) e contribuía mui eficazmente para diminuir drasticamente as receitas do próprio Estado, receitas que, como repetidamente sublinhou, são, por força da lei, aplicáveis no incremento turístico.
            Manuel Damásio, administrador da Universidade Lusófona e que estava na mesa na sua qualidade de representante da editora do livro, referiu-se à personalidade do autor e aproveitou o ensejo para realçar o ensino de excelência que se procurava fazer na sua Universidade, numa perspectiva de aproximação estreita entre os países lusófonos.
            Licínio Cunha começou por explicar que era sua intenção fazer um livro diferente, mais pessoal, quiçá a relatar mais o que fora a sua experiência, mormente a nível governamental; mas, confessou, à medida que ia avançando na escrita, «o livro foi tomando conta de mim». «Não é, pois», asseverou, «um livro neutro nem acrítico e pode, por isso, suscitar saudável polémica». Relanceando o olhar sobre o que foi o sector do Turismo nos últimos tempos, não quis deixar de observar que haviam passado mais de 20 pessoas pelos cargos de Governo responsáveis por esse sector, o que necessariamente tornou bem mais difícil a governação e determinou deficiente traçar de estratégias válidas, porque os cargos eram ocupados durante pouco tempo e por quem pouco saberia do mester. «Perdem-se meios em experimentalismos de resultados duvidosos», afirmou, acrescentando: «Todos negam as obras uns dos outros. Há leis que se fazem, refazem e desfazem, sem que se vejam os seus resultados». E, ao comentar algum incremento turístico registado nos últimos tempos, sublinhou que essas correntes turísticas com destino ao nosso País não consagram o resultado de estratégias concertadas e bem pensadas; são, isso sim, a consequência das desgraças alheias, dos destinos que, por um motivo ou por outro, deixaram de ser momentaneamente apetecíveis.
            Com mais de 600 páginas, Turismo em Portugal: Sucessos e Insucessos constitui, pois, doravante, uma obra de referência, não apenas pela história que conta, mas sobretudo pela reflexão que pode e deve provocar.
            Recorde-se que Licínio Cunha foi Presidente da Junta de Turismo da Costa do Estoril e Secretário de Estado do Turismo (durante vários governos). A ele se deve, por exemplo, a realização do III Congresso Nacional de Turismo, na Póvoa de Varzim (03-07.12.1986), no ano em que se comemorava o Jubileu do Turismo Português, cujas actas foram publicadas pela Comissão Executiva do Ano do Jubileu do Turismo Português e pela Secretaria de Estado do Turismo: III Congresso Nacional de Turismo – Documentos, Porto, 1986. Publicou, entre outras obras da especialidade, Introdução ao Turismo, Lisboa: Editorial Verbo, 2001; Economia e Política do Turismo (McGraw-Hill de Portugal, Lisboa, Setembro de 1997, com nova versão em 2006, pela Editorial Verbo). Na década de 80, foi também um dos principais paladinos do ressurgimento do turismo termal no nosso País.

Publicado na edição de 1 de Outubro de 2012 do Cyberjornal: http://www.cyberjornal.net/index.php?option=com_content&task=view&id=17124&Itemid=67