quinta-feira, 20 de abril de 2023

A história de um retábulo!

            Praticamente em todas as edições se tem publicado o pedido para se subvencionar o restauro do retábulo da capela do Senhor dos Passos da nossa igreja matriz. Já dei de muito boa vontade o meu óbolo e, agora, operação quase concluída, pedimos à arquitecta Marta Santos nos desse conta do que foi feito e do que esse retábulo poderia, de facto, representar no contexto da arte religiosa regional.

Aceitou Marta Santos esse repto e, no próximo número de ‘SBA Revista de Cultura’, virá artigo seu a esse propósito.

Sempre me encantou nesse tipo de trabalho o que se encontra por baixo, porque as várias camadas de pintura aí feitas ao longo de séculos acabam por ocultar o primitivo e acrescentar outros elementos.

Ficámos, assim, a saber que o original data da 2ª metade do século XVI, que é um exemplar notável e «importante testemunho do património cultural da região algarvia». Haviam sido escondidos – imagine-se! – um arcanjo, um anjo e a imagem do pelicano, símbolo da Eucaristia.

            E achou-se também uma curiosa frase latina, em quatro linhas; a primeira ainda está por decifrar, mas nas outras lê-se: SV[M] EQVATV[S] ME (ou MI, que estará por MIHI). Não encontrei, por enquanto, a passagem das Escrituras donde poderá ter sido retirada. O significado, contudo, não parece oferecer dúvida: “equatus” está por “aequatus”, que quer dizer ‘igualado’, ‘tornado igual’. Embora num latim sintaticamente não rigoroso, a frase poderá, por conseguinte, traduzir-se por «Eu sou igual a mim mesmo», eco, porventura, da frase que Deus disse a Moisés: «Eu sou aquele que sou!», consignada no livro do Êxodo (3, 14).

           

                                                           José d’Encarnação

 

Publicado em Notícias de S. Braz [S. Brás de Alportel], nº 317, 20-04-2023, p. 13.

 

sexta-feira, 14 de abril de 2023

A torre pra ver o mar!

             Cresce a erva, livremente. As árvores de fruta há muito que não são podadas e mais parecem estranhas esculturas descarnadas. Os pinheiros bravos, esses, esguios, seguram a copa ainda verde lá bem no alto. Deitadas, uma a seguir à outra, enormes talhas de boca negra lamentam-se de já não servirem para guardar aquele saboroso néctar alentejano; abandonadas, ali, sem préstimo algum.

Para o ausente canito, erguera-se mui preciosa casota alpendrada, de caprichoso telhado. Fica logo a seguir ao portão de entrada e guarda o longo caminho pergulado, vorazmente assaltado agora pela impertinência das heras; leva a um átrio outrora acolhedor.

A mansão estende-se por dois pisos. O que, porém, mais se destaca é a torre, enorme, esguio paralelepípedo a terminar em resguardada câmara totalmente envidraçada. Dali se veria o mar… Quase a meia altura, nas quatro arestas, elegantes fachos sentem a falta do quente clarão com que alegremente alumiavam convívios…

Dei comigo a pensar na Torre dos Quatro Ventos, do «Barranco de Cegos», de Alves Redol: «A figura imponente do lavrador, sentado na cadeira onde o caruncho roía, roía…». Longe vá o agoiro!... Preferi imaginar o patriarca da família, a levar os convidados lá acima, um degrau após outro, ou, já ancião, os netinhos, para a todos maravilhar. Orgulhoso estaria, por ver do alto as amplas copas dos pinheirais ainda não muito salpicados de casas, desde a Aroeira até ao oceano além. E quiçá se lembraria também daquele e daqueloutro e mais outro romântico pôr-do-sol…

            Senti espreitarem-me as lágrimas do abandono. «Refúgio» está escrito na placa de entrada, ao lado do portão enferrujado. Nas paredes laterais, carreiros de formigas apressadas, muito apressadas, sobem e descem, frenéticas, em incontida azáfama. Vejo os quase impercetíveis buracos na terra e outros sob as placas de pedra da parte superior do muro por onde elas se esgueiram. Usufruem, elas, do manto da confrangedora solidão que ora envolve este esplendoroso sonho agora aparentemente perdido.

            E, de novo, Alves Redol:

«Abriu uma das janelas, olhou à volta e resolveu-se a sacudir o avô, deixando que a brisa da tarde pegasse naquela poeira fina e branca. Tão branca e tão fina que uma espécie de nevoeiro começou a serrar-se à volta dos limites de Aldebarã, envolvendo-a com o manto espesso de uma noite estranha e alva na qual voavam abutres…».

            Eu não gostaria que tal ali viesse a acontecer!

 

                                                                                José d’Encarnação

 Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 842, 15-04-2023, p. 10.

Nasci para ser poeta!

           

Se alguém poderia ter, um dia, esta exclamação, esse alguém poderia ser, com razão plena, António Salvado, por, na verdade, dele se poder dizer que toda a vida respirou poemas. Respirou-os e no-los quis transmitir com uma cadência passível de ser classificada como ininterrupta. 

Calou-se a sua voz, aos 87 anos, no passado 5 de Março. Não sem antes, quando o internamento hospitalar se lhe revelou indispensável, se ter voltado para os seus familiares e lhes ter garantido que seria mais uma experiência a narrar nas suas rimas. Não teve ocasião para isso, desta feita; tenho, porém, a certeza de que algo logrou alinhavar e de pronto mostrou lá ao S. Pedro, assim que ele lhe abriu as portas: «Olha o que eu alinhavei? Gostas?».

E S. Pedro gostou com certeza.

Perdoou-lhe, desde logo, que muito se haja demorado a estudar mitologias gregas e romanas, a falar de lúbricas deusas e de constantes tricas entre elas e seus amores e inspirações. Perdoou-lhe, porque bem compreendeu que essa formação clássica lhe proporcionou alargada visão do Mundo e do Homem e, por esses alegóricos caminhos, acabou sempre por realçar a Humanidade e o que de mais nobre o Mundo deveria ter.

Sim, compreendeu também S. Pedro aquela farpa quase escondida (mas venenosa!...) na biografia mínima que desejou incluir na bandana da sua última antologia, publicada pelo município albicastrense, «ex-director de um museu do Estado». Assim, sem mais explicação, que a bom entendedor meia palavra basta. S. Pedro entendeu a mensagem e decerto vai diligenciar para que esse «museu do Estado» que tanto amou e tantos amargos de boca lhe deu, ressuscitará, um dia – ou não trouxesse este Abril forte sopro de renovação!...

            Não se diz expressamente em Poesia de Amor nos Versos de António Salvado (TVJ Editores, 2023) quem escolheu o conteúdo. O autor, sem dúvida, que deixou para José Maria da Silva Rosa o encargo de um prefácio denso, qual ensaio sobre a densidade de um poeta. Uma escolha basto difícil, asseguro; mas agradável foi a escolha do título: «Poesia de Amor». Chave d’ouro de tão fértil caminhada! Quis António Salvado, instintivamente porventura, deixar-nos esse mensageiro legado? Acredito que sim. Que o Amor é para ser cantado, é para ser celebrado, é para lutarmos por ele!

            E recorto o terceto onde, assim, como que por acaso, meus olhos vieram pousar:

 

            Aleluias de sol cruzam o tempo

            A melopeia do celeiro aberto

            Derrama grãos sobre o instante agora.

 

            Perdoa-me, António, se, desta sorte, os retiro do poema em que postulas junto ao teu o permanente sussurro da tua amada. É que, na verdade, aqui, o pessoal é transcendente. De repente o vemos lá no alto, melodioso e límpido, qual celeiro aberto de grãos a serem derramados sobre o instante agora.


É que, António, perdoa-me, decerto não terás pensado nisso quando, por volta de 1987, burilaste o poema: de bem suculentos grãos estamos mesmo precisados agora! O grão da Poesia, sim; mas, por ela, os outros, concretos, que sabem matar a fome.

            E descansa, Mestre: aprendemos a lição!

 

                                                                                   José d’Encarnação 

 

            Publicado em Duas Linhas, 11-04-2023

Assistiu, vivo, à missa por sua alma!

             Não, essa história o Manuel Genciano Morais Afonso não a incluiu no livro Australopiteco, datado de Fevereiro de 2022, de Edições Astrolábio. Contou-ma a mim e deixou para o livro outras andanças.



Poderá parecer, à primeira vista, quer pelo título (a recordar um dos hominídeos antes do Homem), quer pela imagem da capa (o Stonehenge em céu bem carrancudo), que se ia ter um livro de História ou, até, de Arqueologia.

Nada disso!

Depois de umas páginas, não muitas, em que dá conta do seu percurso estudantil e onde nos convencemos que vamos ter livro de memórias, apercebemo-nos que não: é livro de viagens, na medida em que, na maior parte do volume, Genciano Afonso conta, basto de pormenores, as muitas e circunstanciadas viagens que fez, sobretudo pela Itália. Claro, também em Portugal, em Tomar, por exemplo, onde tem a sua casa de férias, e adregou, portanto, visitar em jeito de extraterrestre, com nave espacial e tudo, o convento, o que lhe permitiu incursão pela história dos misteriosos Templários, hoje tão de moda.

            Pela Itália andou de caravana, de carro, de comboio (num daqueles que param em todas as estações, para poder auscultar melhor o sentir das gentes) e, de vez em quando, por desfastio, lá pegava num drone e ei-lo com vistas admiráveis para descrever.

Narrativas que vivem do hábito que tomou não apenas de ler atentamente os guias de viagem, mas de tudo anotar: aqui comi isto, ali a refeição custou-nos os olhos da cara, acolá havia uma fila que nunca mais acabava.... E deitou as moedas na Fontana dei Trevi. E penetrou nas catacumbas de S. Calisto. Só não viu o Papa, mas descreveu a Capela Sistina, deliciou-se com gelados e bom café…

            Enfim, descrições minuciosas de quem faz questão em tudo partilhar dos muitos apontamentos minuciosamente tomados. A história da morte é que aí não contou. Contou-ma depois e aí vai!

 

«O senhor morreu, vem aqui no jornal!»

            Andou Manuel Genciano no seminário salesiano e também essa passagem pelo colégio de Mogofores (as refeições, as tarefas, os passeios, o quotidiano, a música…) lhe merece descrição no Australopiteco. Não seguiu, porém, aí os seus estudos e matriculou-se nem História a Faculdade de Letras de Lisboa. Foi ranger no Norte de Moçambique e a essa tropa também faz referência.

Dormia a sono solto, na capital, a 28 de Fevereiro de 1969, num andar da Actor Taborda, quando, às 3 h e 41 m, o País foi sacudido por um sismo de intensidade 7,9 na escala de Richter.

Saltou para a rua, em pijama, como a maioria das pessoas e só viria a acordar numa cama de hospital. «Como é que se chama?», perguntou-lhe o polícia, «dê-me um número de telefone para avisar os seus familiares». Soube depois que o seu corpo mais ou menos inanimado andara de Anás para Caifás, porque os feridos eram tantos que não havia camas nem macas que chegassem. Acabaram por o pôr a um canto, numa enfermaria de grávidas em eminente risco de parir… No dia seguinte,

– O senhor está morto, diz aqui no jornal – mostrou-lhe uma enfermeira.

Na verdade, o seu nome constava do rol daqueles que desta se haviam passado para melhor. Riram-se todos. Apalpou-se para sentir bem que estava vivo. Estava. Dias depois teve alta, de muletas, porque, felizmente, fora mais o susto.

E a primeira ideia foi ir às Oficinas de S. José, dos Salesianos, em acção de graças. Acomodou-se num dos últimos bancos da capela. Eis senão quando, no início da missa, o padre enuncia as intenções e termina «Também por alma do nosso querido amigo Genciano, infelizmente falecido neste cataclismo que nos assolou».

– Se tivesse um buraco, enfiava-me por ele abaixo – confidenciou-me.

Não se enfiou, ficou muito quietinho e, no final, saiu sorrateiramente sem dar de vaia a ninguém. No dia seguinte, a caminho de Vila Praia de Âncora, onde tinha a família, parou numa das casas salesianas do Porto. Bateu à porta. O padre que veio abrir, deu com ele e… desmaiou! O Genciano gritou por socorro lá para dentro, acorreu outro sacerdote que, ao vê-lo, zás, caiu também desamparado!... Era, senhores, uma alma do outro mundo!

Não consta esta, como disse, nas muitas histórias que, em jeito dialogante e cheio de apartes, Genciano Moras Afonso se deliciou a contar das viagens e peripécias, onde a sua formação em História, como é natural, jamais deixou os créditos por mãos alheias!

 

                                                           José d’Encarnação

 

Publicado em Duas Linhas, 9-04-2023

 

 

A NOITE DOS ASSASSINOS, PELO TEC

          


             Está em cena, no Mirita Casimiro, até 25 de Abril, a peça, do cubano José Triana, intitulada «A Noite dos Assassinos». Perturbante, sim; enigmática, muito; sujeita a diversificadas leituras.

 

            Pode a afirmação ser polémica; contudo, perfilho a opinião de que o quadro de um artista mais rico é quanto mais leituras e interpretações proporcionar. Assim, «A Noite dos Assassinos».

Hoje, depois de ter lido e relido a apresentação que Miguel Graça, o homem que que, diligentemente e com a maior competência, se encarregou – como, aliás, o tem sido – da dramaturgia da peça, consolidei essa ideia: leituras variadas pode ter esta clausura de três irmãos não se sabe bem onde, se num sótão, numa cave ou num quarto esconso, para perpetrar – ou já perpetraram! – a morte dos pais.

Diga-se, para já, que os mui dignos senhores da censura não gostaram, quando, em 1970, Jorge Listopad a encenou para o TEC, tendo como actores Manuela de Freitas, Maria do Céu Guerra e Sinde Filipe. Viram uma vez, viram duas, houve alguma pressão para que se não esperdiçasse o trabalho feito, mas as ‘influências’ não surtiram efeito e, para os censores, aquilo não poderia ser mostrado – e pronto!

Desabafa Listopad:

«Foi o meu melhor espectáculo, porque acabado e não consumando. Obra interrupta, o navio proibido de navegar, sem conserto, condenado. Ainda vejo os carrascos a voltar à esquina, à procura do motorista fardado».

Acredito que – por esse motivo e não só – esse tenha sido o seu «melhor espectáculo», porque acredito também nos amargos de boca que teve Carlos Avilez para mui rigorosamente dirigir os actores, acompanhado por Fernando Alvarez, que estudou os figurinos e a cenografia.

Na verdade, o texto em si – que me perdoe Orlando Neves, o autor da tradução – acaba por perder-se, até porque a articulação dos actores (refiro-me à noite de estreia) não permitiu uma audição nas melhores condições. O que mais se recorda, posso estar errado, é, de modo especial, o peso da atmosfera, os ferros nus do mobiliário, a austeridade suprema. E, sobretudo, o som cavo daquela porta metálica ao fechar, isolando os personagens do exterior… Fez-me lembrar igual porta, grande e metálica e pesada, que se fecha atrás de nós, ao entrarmos, em Berlim, no Museu do Holocausto…

Fecharam-se em si, com os seus medos, as suas dores, os seus ódios, a lúgubre visão de algo para que não há saída visível. Podem transformar-se em juízes, em réus; podem agarrar numa longa faca – qual catana – prontos  a desfechar golpe mortífero no primeiro que lhes aparecer pela frente; podem sonhar… mas o seu sonho não ultrapassa a espessura daquelas paredes!...

Se saímos acabrunhados?

Saímos!

Retemos, porém, as imagens fortes de três magníficos actores (Elmano Sancho, Lia Carvalho e Teresa Coutinho), sempre em cena, que estudaram todos os pormenores, todas as entoações, todos os gestos, todos os movimentos, nem de mais nem de menos, numa tensão de que só no final, ao agradecerem os aplausos, terão sentido algum alívio. Que o drama também os afectou, porque optaram por o fazer seu, por mostrarem que… ia a escrever que há conflitos de gerações, porque essa tem sido – a par da possível imagem de uma Cuba antes de Fidel e sob a outra ditadura – uma das interpretações desta Noite.

Aceito.

Como aceito – oh! se aceito! – que o teatro aí está para desmascarar uma realidade de que discordamos. E quando, ao sair, ousamos ligar-nos à Comunicação e, por ela, ao mundo, vemos o homem que, à machadada, mata crianças; o jovem que, à facada, mata a mãe; os judeus que matam palestinianos e palestinianos que matam judeus; que se entra numa mesquita e se espalha o terror… É verdade: o teatro aí está, para, em pouco menos de duas horas, num espaço fechado, dialogar connosco, em jeito de quem pergunta: «É isto o que realmente queres?».

Respondemos «Não!». Não temos, porém, as armas para o conseguir.

            No final da estreia, como é habitual, por ser Dia Mundial do Teatro (27 de Março), foi lida  a mensagem da atriz egípcia Samiha Ayoub, de que tomo a liberdade de colher esta passagem:

            «Cabe-nos a nós, dramaturgos, portadores da tocha que ilumina desde a primeira aparição do primeiro ator no primeiro palco, estarmos na vanguarda da confrontação com tudo o que é feio, sangrento e desumano. Confrontamos isso com tudo o que é belo, puro e humano. Somos nós, e mais ninguém, quem tem a capacidade de espalhar vida. Espalhemo-la juntos, em nome de um só mundo e de uma só Humanidade».

            Assim é.

                                                                      José d’Encarnação 

 

    Publicado em Duas Linhas, 8-04-2023. 


Carlos Avilez saúda os actores, no final.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Ó mãe, a escola é longe?

             Recebi, há meses, um PowerPoint com significativos instantâneos a mostrar como, em vários pontos do planeta, as crianças precisavam de percorrer mui perigosas e longas distâncias para poderem ir à escola. Trazia o título «Ó mãe, a escola é longe?»    

            Tem-me sido concedido o privilégio de, nos últimos tempos, viajar com motoristas de diversos municípios portugueses. Todos eles tinham como tarefa diária – juntamente com dois ou três colegas – percorrerem as aldeias, a fim de transportarem as crianças à escola. João Paulo, da Câmara de Almodôvar, garantiu-me que faria diariamente uns 250 km. Osvaldo, do Município de Moura, falou-me em cerca de 100.

            E eu lembrei-me, então, dessa sequência de imagens, que não eram de Portugal, felizmente, mas que tinham em comum mostrar o mesmo objectivo: proporcionar às crianças a aprendizagem das primeiras letras: ler, escrever e contar. Osvaldo e João Paulo – só para citar dois dos muitos exemplos que poderiam aduzir-se – levantam-se às 6.30 da manhã para que as crianças cheguem a horas, uma lufa-lufa até às 9; e, à tarde, a horas desencontradas, é o caminho inverso.

Numa das imagens desse PowerPoint, a legenda era: «Crianças obrigadas a ir para a escola através de um cabo de aço suspenso a mais de 800 m acima do Rio Negro, na Colômbia». Admirara-me eu, ao ver, nas margens do delta do Danúbio, uma ou duas barcas à entrada das casas; disseram-me que as crianças as usavam para irem à escola, de uma margem à outra, e que, até por isso, eram da Roménia, nessa altura, os melhores remadores do mundo. No programa televisivo ‘Príncipes do Nada’, de Catarina Furtado, quantas vezes não ouvimos as mães ou as próprias crianças manifestarem o desejo de irem para a escola, de aprenderem?

            Não comento o esforço enorme e o dispêndio dos municípios em manterem essa actividade essencial, que o dito Governo Central, encerrado na sua lisboeta torre de marfim, tem amiúde dificuldade em compreender e apoiar. Os autarcas cumprem o seu dever e saberão, sem dúvida, fazer ouvir a sua voz, para que este dever continue a concretizar-se. A nós, cidadãos, pais e avós (perdoar-se-me-á o desabafo), a obrigação de mostrar quanto a instrução desempenha, na sociedade, um papel indispensável. Custe o que custar!

 

                                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 841, 01-04-2023, p. 10.