Recebi,
há meses, um PowerPoint com significativos instantâneos a mostrar como,
em vários pontos do planeta, as crianças precisavam de percorrer mui perigosas
e longas distâncias para poderem ir à escola. Trazia o título «Ó mãe, a escola
é longe?»
Tem-me sido concedido o privilégio de, nos últimos tempos, viajar com motoristas de diversos municípios portugueses. Todos eles tinham como tarefa diária – juntamente com dois ou três colegas – percorrerem as aldeias, a fim de transportarem as crianças à escola. João Paulo, da Câmara de Almodôvar, garantiu-me que faria diariamente uns 250 km. Osvaldo, do Município de Moura, falou-me em cerca de 100.
E
eu lembrei-me, então, dessa sequência de imagens, que não eram de Portugal, felizmente,
mas que tinham em comum mostrar o mesmo objectivo: proporcionar às crianças a aprendizagem
das primeiras letras: ler, escrever e contar. Osvaldo e João Paulo – só para
citar dois dos muitos exemplos que poderiam aduzir-se – levantam-se às 6.30 da
manhã para que as crianças cheguem a horas, uma lufa-lufa até às 9; e, à tarde,
a horas desencontradas, é o caminho inverso.
Numa
das imagens desse PowerPoint, a legenda era: «Crianças obrigadas a ir
para a escola através de um cabo de aço suspenso a mais de 800 m acima do Rio
Negro, na Colômbia». Admirara-me eu, ao ver, nas margens do delta do Danúbio,
uma ou duas barcas à entrada das casas; disseram-me que as crianças as usavam
para irem à escola, de uma margem à outra, e que, até por isso, eram da Roménia,
nessa altura, os melhores remadores do mundo. No programa televisivo ‘Príncipes
do Nada’, de Catarina Furtado, quantas vezes não ouvimos as mães ou as próprias
crianças manifestarem o desejo de irem para a escola, de aprenderem?
Não
comento o esforço enorme e o dispêndio dos municípios em manterem essa
actividade essencial, que o dito Governo Central, encerrado na sua lisboeta
torre de marfim, tem amiúde dificuldade em compreender e apoiar. Os autarcas cumprem
o seu dever e saberão, sem dúvida, fazer ouvir a sua voz, para que este dever continue
a concretizar-se. A nós, cidadãos, pais e avós (perdoar-se-me-á o desabafo), a
obrigação de mostrar quanto a instrução desempenha, na sociedade, um papel indispensável.
Custe o que custar!
José d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 841, 01-04-2023, p. 10.
As autarquias que ainda apostam na educação, custeando transportes que vencem longos percursos até às escolas, mereciam ser condecoradas.
ResponderEliminarDepois, se os condutores trabalham, é porque existem passageiros de palmo e meio que querem aprender. Também eles mereciam a nomeação para um prémio de persistência.
Todo o texto me faz lembrar as condições precárias em que crianças de cá e de outros continentes aprendem. Depois do longo e perigoso caminho, chegam ao local de aprendizagem com um sorriso de encantamento.
Não têm carteiras, de material escolar apenas uma lousa e um pedaço de giz.
E chegam a levar os irmãos de colo para poderem frequentar a escola...
Tudo isto para dizer que nem sempre as melhores condições são garantia de estímulo. O ideal seria a canalização de verbas dos mais abonados que desperdiçam, para aqueles que nada têm e tudo aproveitam.
Não é conversa fiada para impressionar. O que impressiona é a desigualdade: uns com tudo, outros sem nada. Reduzir essas diferenças num país e assim no mundo, é o caminho. Já chega de tantas assimetrias. Grata por este texto, José d´Encarnação, que nos obriga a reflectir nestas matérias.