quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Patrimoniices cascalenses 23 - Um relógio de sol especial!

             Já houve ocasião de mostrar aqui, na série de Patrimoniices Cascalenses, o relógio de sol existente na Barraca de Pau (Pampilheira). Foi a patrimoniice nº 9. Este agora é, porém, um quadrante solar muito especial, devido à legenda que o acompanha e, sobretudo, pelo significado que ela tem, no sítio onde se encontra.
            Está na «torre» do Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos, nº 394 da Avenida do Loureiro, nesta localidade.
            «Não marco horas sombrias!» – é a bem oportuna legenda, numa espécie de sugestão amiga aos utentes do Centro: esqueçam, amigos, horas sombrias não devem existir, que o relógio as não reconhece!
            Não deixa de ser, na verdade, uma afirmação deveras sintomática, pelo duplo sentido que tem: esse, o anímico; o outro, o concreto, porque, não havendo sol, o ponteiro não dará sombra a marcar a hora!
            Por conseguinte, não posso concluir sem formular um desejo: amigo leitor, que seja como este quadrante do Centro Comunitário da Paróquia de Carcavelos, não tenha horas sombrias! E que o sol da boa disposição lhe marque todas as horas de todos os seus dias!

                                                                       José d’Encarnação

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A Arqueologia e o telefone…

            Lembro-me do tempo em que, perdidos pelos campos, só tínhamos acesso ao telefone por deferência do dono do café e havia horas estipuladas para saber novidades. Recordaremos sempre o «Tôchim!» dos olhos arregalados do pastor e das ovelhas, a anunciar a maravilha do telemóvel, quando, até aí – e não havia muito tempo! – era o transístor que lhe amornava a solidão…
            Será despropósito tocar este tema. Não resisti, porém, a transpor para o nosso meio e reflectir, mais eu próprio, no papel que o telefone portátil – chame-se-lhe por que nome técnico, inglês, se queira chamar – representa hoje em todos os meandros da nossa actividade, sobretudo se pensarmos em todas as potencialidades que ora lhe estão associadas: ele é máquina fotográfica potente, é lanterna, é gravador de som ou de imagem, é bloco de apontamentos orais ou escritos, é álbum de fotografias, é caixa de correio a receber ou a enviar… Antojar-se-á, por conseguinte, como ferramenta indispensável para o arqueólogo de campo, que é capaz de ‘ter rede’ mesmo em confins bem remotos.
            Desviei por momentos os olhos do palco. Chris de Burgh electrizava-nos, qual ímã. Sentia estar a viver uma ocasião única, que certamente não viria a repetir-se, quer devido à minha idade, quer devido aos seus 70 anos recentemente completados.
            Assim momentaneamente desviado, meu olhar surpreendeu-se: na mesa em baixo, como que indiferentes ao espectáculo único a que estavam a assistir (melhor: a que não estavam a assistir), duas, três pessoas olhavam mui atentamente para o ecrã dos seus telemóveis, sobre eles deslizavam os dedos à procura de novidades, de mensagens, enquanto, ao vivo, o cantor nos deliciava. Dirão, mais tarde, porventura, que assistiram ao concerto, porão a frase no seu diário (se é que o têm, embora eu não o creia), escarrapacharam já a foto no Facebook....
            Assistir assistiram; vivê-lo não viveram!
            E o que mais me impressionou foi a circunstância de serem já pessoas aí pela casa dos 50/60. Dei comigo a pensar: como será o seu dia? Como o viverão? Assim, como folha caída da árvore e que as águas turvas da corrente arrastam aos ziguezagues? Folha que, por isso, nem da paisagem se apercebe, deixa-se ir, indiferente ao caminho, por, caída da árvore, já ter cumprido a missão e… deixa-se ir, deixa-se ir?...
            Não se deve ter pena de alguém. Eu, lamento-o, tive pena. Largaram uma realidade emocionalmente fecunda e atiraram-se para um universo intangível. Fuga? Decerto. Sintoma de um quotidiano suportado e não vivido? Muito eu gostaria que não! Por eles. Pelos que, necessariamente, hão-de ter à sua volta.
            Não disse a Chris de Burgh que, na sala, durante a sua actuação, não foram dez nem vinte, nem trinta, mas mais… os que ele não conseguiu arrastar. Nunca lho diria, porque outras muitas dezenas vibraram e saborearam todos os nacos dos quase noventa incansáveis minutos da sua extraordinária actuação.
            E senti-me bem como arqueólogo: mesmo perdido no campo, ou se calhar até por isso, o arqueólogo observa tudo miudamente, nada lhe pode escapar, a posição do caco, a cor e a estrutura da terra, o diferente som da picareta, aquela fina agulha de osso de que só a ponta agora aparece…

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 259, 2018-11-21, p. 6.

sábado, 24 de novembro de 2018

Hortas urbanas – o milenar retorno à terra!

             Pelos finais do século I antes de Cristo, intensificou-se o fenómeno urbano em Roma, designadamente após a subida ao trono do imperador Augusto. A cidade ganhou sedução e, paulatinamente, os campos começaram a ser abandonados, um processo que, pelos meados do século II, já os irmãos Gracos haviam tentado estancar, ainda que sem grande êxito.
            Não causou, pois, admiração que o imperador, vendo quão nefastas consequências tal êxodo rural podia acarretar, houvesse sugerido ao seu grande apoiante Mecenas que financiasse Virgílio para que, em grandioso poema, louvasse em verso as maravilhas da vida campestre. Surgem, assim, as Geórgicas, escritas de 37 a 30 a. C., onde Virgílio dá conta do que então era necessário saber em relação não apenas aos trabalhos agrícolas propriamente ditos, mas também aos cuidados a ter com a criação de gado e, até, às normas para uma correcta apicultura!
            Aliás, já antes Virgílio se comprazera em poemas pastoris, as Bucólicas, dando a entender como a paisagem rural e os seus encantos poderiam constituir cenário ideal para os encantamentos do Amor!... Também não andavam perdidos os ecos dos ensinamentos de Varrão (116 – 27 a. C.), que escrevera sobre «as coisas do campo», um tratado que terá em Columela, nos meados do século I da nossa era, excelente continuador.
            Não nos admira, portanto, que a segunda metade do século XX, com a repetição de um grande êxodo da Província (como então se dizia) para a Cidade, a nostalgia das vida rural e dos seus ritmos se tenha feito sentir! E foi esporádica – mas existiu! – a tentação de ocupar a varanda ou encher de terra a banheira (de pouco uso, a princípio…) para nela se plantarem coentros, hortelã e salsa, aqueles condimentos frescos que era preciso ter sempre à mão!...
            O fenómeno das hortas urbanas começou clandestinamente: de tudo o que era espaço (público ou mesmo privado) disponível junto de moradias ou de prédios se apropriavam os vizinhos, vedando-o para marcar a propriedade, e nele se cultivavam tomates, batatas, couves, favas, ervilhas… Enfim, tudo o que a alimentação habitual requeria de legumes. E até uma ou outra árvore se chegava a plantar. Nem sempre as autoridades municipais concordavam com essa apropriação do espaço público e, por isso, sob pretexto de que o iriam ‘urbanizar’ (entenda-se, adequar à vida da comunidade…), amiúde obrigavam a arrancar tudo, mesmo sem dar prazos para aproveitamento do que estava a amadurecer.
            Daí que, progressivamente, se tenha pensado em apoiar (em vez de reprimir) essa legítima tendência da população, cientes (os políticos, finalmente!...) de que a maioria dos habitantes da Cidade tinham na Província, no meio rural, as suas verdadeiras raízes, que importava respeitar.
            E se inclusive nos taludes das estradas dos arredores citadinos as hortas se multiplicavam, até como passatempo de fim-de-semana para os urbanos, a cidade de Lisboa deu o exemplo com a criação de uma horta urbana, estabelecendo regras para a sua correcta utilização por parte dos vizinhos, que, amiúde através das Comissões de Moradores, aos seus talhões se haviam candidato.
            Hoje, pode ler-se, por exemplo, que é com orgulho que em Chelas, na freguesia de Marvila, concelho de Lisboa, numa zona abandonada até 2011, está, agora, «o maior espaço urbano do país para albergar hortas»; 4,5 hectares de horta «repartidos em 300 talhões para cultivo, cada um com 160 metros quadrados», salientando-se como «a sustentabilidade social se liga à agricultura urbana, no sentido de esta ser uma actividade que promove o sentido de comunidade, bem como o seu entrosamento na sociedade urbana mais alargada».
            O exemplo da capital está a ser seguido por inúmeros municípios do País, que não deixam de publicitar com carinho essa iniciativa, relevando os grandes benefícios – sociais, económicos e ecológicos – daí advenientes. E quando, em Cascais, gizámos, há 15 anos, o plano de pormenor a enquadrar a villa romana de Freiria, não deixámos de reservar espaço, junto ao ribeiro que perenemente lhe corre ao pé, para nele se instalarem hortas mui agradáveis, como que a recordar os ensinamentos dos agrónomos romanos ou ecos dos poemas virgilianos!...
            Há quem diga que a História não se repete. Repetição igual, como rigorosa causa-efeito, não; mas que fenómenos idênticos geram consequências idênticas, sim. E, por isso, não há motivo para não se recordarem as atitudes políticas e culturais assumidas há dois mil anos, quando as de hoje dessoutras são claro eco, mesmo que inconsciente!

                                                                       José d’Encarnação

            Publicado em Hamburgo, na revista Portugal-Post – Correio luso-hanseático, 64, Novembro de 2018, p. 14-16. [Este número da revista é dedicado à protecção do meio ambiente; o artigo tem versão alemã, sob o título «Nach tausend Jahren zurück aufs Land!»].
Hortas comunitárias inauguradas, em Abril de 2016,
numa urbanização dos arredores de Cascais.

Panorâmica do Vale Horticola de Chelas (Lisboa).

A Educação Ambiental

              Pode parecer uma daquelas etiquetas que se pregam e que, de tanto uso, perdem o seu real significado ou deixam de chamar a atenção. «Educação ambiental» encerra, todavia, um conteúdo cada vez mais premente: trata-se, no fundo, de chamar a atenção dos cidadãos para a necessidade de tomarem consciência de que todos nós estamos num mesmo barco, um barco que importa cuidar para que não naufrague.
            Tornaram-se – infelizmente – quase rotineiras as imagens televisivas dos naufrágios de migrantes no Mediterrâneo e da desgraça que os provocou e eles próprios provocam. Pois o barco «ambiente», apesar de não ter frequente direito a noticiário, assume papel primordial no nosso quotidiano.
            Regozjiei-me, por isso, ao receber mensagem de Cristina Matias, Técnica Superior de Educação Ambiental, cuja actividade se desenrola – e bem! – no Centro de Interpretação e Educação Ambiental “Quinta do Peral”. Presença permanente em página própria da agenda cultural «São Brás Acontece», os técnicos em serviço no Centro não são de cruzar os braços!
            E a mensagem rezava assim:
            «Andando por cá a vasculhar em papelada que guardo por achar de interesse, encontrei a sua nota sobre "perder-se tanta alfarroba, tanta azeitona, tanta amêndoa…". Como vamos na próxima semana iniciar o desenvolvimento do projeto O Ciclo de Alfarroba, lembrei-me de lhe falar, brevemente, do mesmo. Vamos desenvolvê-lo com um grupo de Ensino Inclusivo, da EB2,3 e Escola Secundária, e com uma turma de 3.º ano, todos do Agrupamento de Escolas José Belchior Viegas. A primeira ação será a apanha da alfarroba (ainda se encontra aqui pelo Sítio do Peral, nesta altura). As outras passam pela visita à fábrica, ao Polo Museológico dos Frutos Secos de Loulé, ao laboratório de investigação aqui da nossa universidade e, finalmente, pelo uso de produtos da alfarroba para confeção de pão e bolos. Este projeto foi criado pela Dra. Olga Gago, Biblioteca Municipal de S. Brás de Alportel, e por nós, Quinta do Peral».
            Sei que, devido à inesperada chuva, a apanha da alfarroba teve de ser adiada. Mas quem há aí que não aplauda com o maior entusiasmo o entusiasmo que esta iniciativa significa? E, Cristina, nem as chuvadas – eu sei! – nem outras inesperadas adversidades vão conseguir fazer-vos esmorecer! Nunca!

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 264, 20-11-2018, p. 13.

Desenho que ilustrou, na revista «O Arqueólogo Português»,
a crónica de José Leite de Vasconcelos sobre o Algarve.
Impressionou-o esta secular alfarrobeira de S. Romão
(S. Brás de Alportel)

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A zingra

            Sempre me habituei a chamar-lhe zingra.
            – Que é que estás a fazer?
            – Apanho uma zingra que nos entrou na cozinha!
            Toquei-lhe. Ela enrolou-se toda, naquele movimento de defesa meu conhecido desde pequenino, agarrei nela sem repugnância nem medo e atirei-a para o jardim. Não me preocupei com o gesto, pois sabia que ela ia cair na terra e, enrolada como estava, depressa voltaria a colear por entre as ervas.
            Quando meus filhotes foram para a escola, pareceu-me ter compreendido, um dia que viram uma em casa, que, na escola, lhe chamavam maria-café. Jamais me interrogara sobre a razão do nome; quiçá por ser negra, negra, e o café se querer negro também.
            Hoje, deu-me a curiosidade. Fui aos dicionários e ao ‘mestre google’: nada! Há zingrar (do árabe, ‘sajara’), com o significado transitivo de ‘burlar alguém’ e o intransitivo de ‘dizer motejos’ ou ‘não dar importância’. Zingra substantivo, nome de animalejo – nada! E zíngaro, «cigano», não terá a ver com isso
            E maria-café? Essa, sim! Escrevem sem hífen, mas eu acho que com hífen deve ser. E fiquei com a curiosidade satisfeita: também se lhes chama mil pés e piolhos-de-cobra (eu nunca tal ouvi, confesso!), pertencem à classe dos diplópodes, assim designados porque têm dois pares de patas em cada segmento abdominal (do grego: duplo + pé, que em grego se diz «pódi») e possuem entre 40 e 100 segmentos, o que dá um considerável número de patas.
            Confirmei que são inofensivos, vivem em lugares húmidos (tanta vez levantei uma pedra e lá estavam dois ou três!) e adoram tudo o que é vegetal em decomposição (fiz bem em atirar a minha para o jardim!...), por isso são bons para a compostagem.
            E descobri porque é que a tinha em casa: é que «tendem a entrar nos edifícios quando chove muito ou faz muito frio».
            O que eu não descobri é porque o nome ‘zingra’ me veio à memória. Ouvia-o, decerto, em pequeno, porque inventar não o inventei. Do latim não vem. Inclino-me para ser regionalismo, palavra popular vinda do árabe que jamais chegou aos dicionários. Ou era eu que percebia mal e seria gingra, por ‘ginga’, de gingar, referindo-se ao seu andar coleante?!...
            Agora, fiquei também a saber da ternura do macho em relação à fêmea quando chega a ocasião de acasalar! Um encanto! Bichinho tão pequeno e que sabe dar lições!...
 
                                                    José d’Encarnação
 
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 742, 15-11-2018, p. 11.
 
Post-scriptum: Ternura? Que ternura? Ora veja-se o que se escreveu a esse propósito:
«A copulação ocorre quando os dois indivíduos se põem um de frente para o outro. A copulação pode ser precedida por determinados comportamentos do macho, como golpear com as antenas, correr ao longo do dorso das fêmeas, oferecer secreções glandulares comestíveis, ou, no caso dos Oniscomorpha, a estridulação (som áspero e agudo)».

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

O septuagenário Chris de Burgh encantou na gala dos 60 anos da Estoril-Sol

O lendário Chris de Burgh ao piano
        Chris de Burgh (Christopher John Davison) nasceu a 15 de Outubro de 1948, em Venado Tuerto, Santa Fé, Argentina. Não é, porém, de admirar se se ler que «é um cantor de música pop rock irlandês nascido no Brasil» ou que se trata de «a British-Irish singer-songwriter and instrumentalist».
            Não, não vou por esse caminho, a imitar os senhores relatadores de futebol que, no meio dos lances mais entusiasmantes, desatam a explicar que o jogador que tem a bola nos pés veio da Juventus, tem 25 anos, já foi comprado pelo Chelsea e o Sporting o tem agora na mira; entretanto, a bola saiu pela linha lateral…
            Direi, ao invés, que, nessa ‘juventude’, o já lendário Chris de Burgh nos encantou, não apenas pela sua eterna «Lady in Red» ou o, igualmente eterno, «Always on My Mind», que todos acompanhámos, mas sobretudo pelo à-vontade, pela total simplicidade, pela voz quente, pela forma como, naturalmente, largava a guitarra e se punha ao piano, com apenas um gole de água pelo meio, sem alarido de explicações e conversas, porque o que lhe apetecia era cantar e partilhar com o público tantos e tantos anos de canções para os mais diversos públicos e ambientes, em todo o mundo. A segunda vez que vinha ao Estoril e sentiu-se que estava muito bem entre nós. Não hesitou, por exemplo, em sair do palco e ir abraçar, de modo especial, as mulheres que expressamente (digo eu…) tinham vindo de vermelho nessa noite de quarta-feira, 31 de Outubro, em que a Estoril-Sol quis comemorar com os amigos os seus 60 anos.
O final da passagem de modelos de Agatha Ruia de la Prada.
A estilista, que já expôs na Casa de Santa Maria, em Cascais,
é também conhecida pelos seus títulos nobiliárquicos:
12ª Marquesa de Castelldosrius, vovó da Espanha e 29ª Baronesa de Santa Pau.
            Apresentou a gala Ricardo Carriço, que, após pedir aplauso para a coreografia com que Paula Magalhães acompanhou o primeiro tempo do serão e para a passagem de modelos de Agatha Ruiz de la Prada, disse, em breve síntese, o que tem sido a Estoril-Sol, sublinhando que, além da sua natural vocação de casino (ou casinos, se se quiser, porque é concessionária também do de Lisboa e do da Póvoa de Varzim), se notabiliza pela enorme «oferta de cultura» que põe ao dispor das gentes da Costa do Estoril e não só. «Mundo mágico de cores e de texturas» se poderia classificar o documentário que, de seguida, se viu, a dar conta, em mui sugestivas pinceladas, do que tem sido essa actividade, mormente no mundo do espectáculo. Quase pode dizer-se que não houve nome nenhum famoso nesse âmbito, tanto nacional como estrangeiro, que não tenha actuado nos casinos da Estoril-Sol.
            Um ambiente acolhedor no Salão Preto e Prata, com muitas caras conhecidas na plateia, onde a disposição em pequenas mesas-redondas, com candelabro de cinco velas verdadeiras, à antiga, trouxe ainda mais calor.
                      O corte simbólico do bolo de aniversário.
Ricardo Carriço, Agatha de la Prada, Chris de Burgh e Sofia Hoffman
            Dir-se-á que foi muito bem escolhida a ementa. Gourmet tinha de ser, como se impõe nos dias de hoje; mas um gourmet sábio, ia a escrever «português», não apenas pelos ingredientes nossos, mas, de modo especial, pela delicadeza do tempero. Rezava assim, poeticamente, como convém: «Trevo de camarões salteados em cognac com perfume de coentros; tornedó de novilho corado com Porto Vintage e medalhão de foie gras; tarte de rosa com calda de líchias e framboesas frescas». Uma delícia mediterrânica, o «perfume de coentros», parabéns! De muito bom paladar a calda de líchias, um fruto que ora começou a entrar – e muito bem! – até nos pratos quotidianos e foi boa descoberta, pelo seu acídulo sabor a temperar os demais.
            Só as notas da orquestra de Jorge Costa Pinto, a condimentar o jantar, é que não terão sido bom tempero: tão estrídulas e sonoras não nos deixavam conversar! E nem a cantora Sofia Hoffman as conseguiu abafar!
                                      José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 257, 2018-11-07, p. 6.
Fotos gentilmente cedidas pelo Gabinete de Imprensa da Estoril-Sol.
                      
 

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A força de um «bem-haja!»

             Ia a escrever «obrigado!», mas desisti. Por dois motivos: primeiro, «bem haja!» é mais português, bem do nosso interior beirão, genuíno, o voto de que, em reconhecimento de um gesto, auguramos que, doravante, o nosso amigo esteja bem tudo de bom lhe aconteça; depois, porque deram, hoje, em considerar «obrigado» um adjectivo e, por isso, mulher tem de agradecer «obrigada!», como se agradecer fosse… obrigação! Não é ‘obrigação’, é delicadeza, é… atitude de cidadania, como hoje se proclama!
            Já me atrevi a escrever sobre este tema, em crónica de 16 de Julho de 2009, no Jornal da Costa do Sol; contudo, senti a necessidade de o abordar de novo, perante o desabafo de um amigo:
            – Imagina! Passaram uma esponja sobre mais de cinquenta anos da revista! Esqueceram fulano e sicrano e beltrano, que, gratuitamente, durante anos e anos, a mantiveram de pé e lhe deram credibilidade a nível nacional. Assim, de um momento para o outro, atiraram todo o passado às malvas e… também quem lhe agarrou o leme nem sequer viveu esses anos, nada sabe deles!...
            E não seria este desabafo o suficiente para me decidir no tema, se não fora ter recebido antes um outro:
            – Já viu? Fui eu quem, contra tudo e contra todos, ousei iniciar a revista, que hoje tem pergaminhos e reconhecimento internacional. Mudei de instituição e que vejo? A revista sai, com novo director, e… nem uma palavra sobre quem a criara!...
            Admiro, pois, os jornais que, como o nosso, ostentam na ficha técnica de cada número o «Arquivo de honra», onde figura logo à cabeça, como FUNDADOR, o nome do Dr. José Henriques Pereira Júnior. Outro jornal em que escrevo, o Costa do Sol Jornal, com apenas seis anos de vida, também não esqueceu o seu fundador, já falecido, cujo nome também figura, em lugar de relevo, na ficha técnica. Já do Expresso nada se diz, ainda que certamente seja difícil esquecer que foi Francisco Pinto Balsemão, hoje administrador da empresa, que o fez nascer em 1973. Do Diário de Notícias perde-se na noite dos tempos o nome de Eduardo Coelho, que o fundou em 1864; também se não menciona o de Vicente Jorge da Silva, primeiro director do Público, que teve em 5 de Março de 1990 a sua 1ª edição…
            Começa com «Demos graças ao Senhor nosso Deus» o cânone da missa católica; escreveu Merlin Carothers Puissance de la Louange, onde tece rasgados encómios ao extraordinário poder que tem o reconhecimento. Um poder que sentimos no dia-a-dia, mesmo que apenas patente na doce expressão dum olhar ou na força de mui singelo aperto de mão.

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 741, 01-11-2018, p. 12.

domingo, 4 de novembro de 2018

Lisboa vista por Paulo Ossião

             Nunca será de mais chamar a atenção para a suave beleza que se desprende das telas de Paulo Ossião, «o melhor aguarelista português da actualidade», como o classifica Pedro Lima de Carvalho, actual responsável pela galeria do Casino Estoril, onde podem admirar-se, até ao dia 20, os quadros que o artista ali quis reunir sobre Lisboa.
            O casario da cidade, envolto em ténues azuis, ganha ainda maior beleza e, na verdade, não pode passar-se de soslaio: há que parar, admirar, saborear o enlevo que de cada aguarela dimana, quer nos leve à Sé, ao castelo, aos típicos eléctricos ou aos cacilheiros do nosso quotidiano... Tudo ganha, ali, nova alma!
            Deve também dizer-se que, para além da exposição em si, é de apreciar o catálogo, produzido sob a direcção da galeria, que constitui primoroso exemplo de como se deve apresentar uma exposição deste calibre.
            A galeria pode ser visitada diariamente, das 15 às 24 horas.

                                                                       José d’Encarnação

           

Patrimoniices cascalenses 21 - O monumento aos canteiros, em Birre

             Fiquei contente por, quase de imediato, tenha havido quem respondesse acertadamente à adivinha.
            Trata-se, de facto, do monumento aos canteiros da freguesia de Cascais, que a Associação Cultural de Cascais, em estreita colaboração com a Juta de Freguesia e a Câmara, erigiram, no Dia de S. Martinho de 2006, na rotunda de Birre.
            Escolhemos esse local por se situar como que no centro da maior actividade de exploração de pedra, que constituiu, em meados do século passado, uma das maiores fontes de riqueza do concelho de Cascais e que fez, por esse motivo, confluir aqui trabalhadores do Algarve (mormente de S. Brás de Alportel), de Alcains e de Cantanhede, zonas em que os canteiros eram larga faixa da população. Cascais a todo acolheu de braços abertos e, ainda hoje, embora a indústria da pedra haja praticamente terminado, há descendentes dessas famílias que por cá ganharam raízes.
            O monumento, como a placa menciona, perpetua essa memória. Não substitui, no entanto, a possibilidade – que já foi proposta – de, no prolongamento do Parque do Rio dos Mochos, mais concretamente na zona entre Birre e a Pampilheira, se aproveitar o espaço, livre, de uma das grandes pedreiras aí pré-existentes, para se erguer um espaço-memória do que foi essa importantíssima actividade cuja tradição remonta à época romana.
            Oxalá as forças políticas e as entidades culturais saibam ouvir este apelo, quando – nos discursos de tantos eventos – se preconiza a salvaguarda e a revitalização das memórias e a da tradição.

                                                           José d’Encarnação