–
Que é que estás a fazer?
–
Apanho uma zingra que nos entrou na cozinha!
Toquei-lhe.
Ela enrolou-se toda, naquele movimento de defesa meu conhecido desde pequenino,
agarrei nela sem repugnância nem medo e atirei-a para o jardim. Não me
preocupei com o gesto, pois sabia que ela ia cair na terra e, enrolada como
estava, depressa voltaria a colear por entre as ervas.
Quando
meus filhotes foram para a escola, pareceu-me ter compreendido, um dia que
viram uma em casa, que, na escola, lhe chamavam maria-café. Jamais me interrogara
sobre a razão do nome; quiçá por ser negra, negra, e o café se querer negro
também.
Hoje,
deu-me a curiosidade. Fui aos dicionários e ao ‘mestre google’: nada! Há zingrar
(do árabe, ‘sajara’), com o significado transitivo de ‘burlar alguém’ e o
intransitivo de ‘dizer motejos’ ou ‘não dar importância’. Zingra substantivo,
nome de animalejo – nada! E zíngaro, «cigano», não terá a ver com isso
E
maria-café? Essa, sim! Escrevem sem hífen, mas eu acho que com hífen deve ser. E
fiquei com a curiosidade satisfeita: também se lhes chama mil pés e piolhos-de-cobra (eu nunca tal ouvi,
confesso!), pertencem à classe dos diplópodes, assim designados porque
têm dois pares de patas em cada segmento abdominal (do grego: duplo + pé, que em
grego se diz «pódi») e possuem entre 40 e 100 segmentos, o que dá um
considerável número de patas.
Confirmei
que são inofensivos, vivem em lugares húmidos (tanta vez levantei uma pedra e
lá estavam dois ou três!) e adoram tudo o que é vegetal em decomposição (fiz
bem em atirar a minha para o jardim!...), por isso são bons para a compostagem.
E descobri porque é que a tinha em casa:
é que «tendem a entrar nos edifícios quando chove muito ou faz muito frio».
O que eu não descobri é porque o
nome ‘zingra’ me veio à memória. Ouvia-o, decerto, em pequeno, porque inventar
não o inventei. Do latim não vem. Inclino-me para ser regionalismo, palavra
popular vinda do árabe que jamais chegou aos dicionários. Ou era eu que
percebia mal e seria gingra, por ‘ginga’, de gingar, referindo-se ao seu andar
coleante?!...
Agora, fiquei também a
saber da ternura do macho em relação à fêmea quando chega a ocasião de
acasalar! Um encanto! Bichinho tão pequeno e que sabe dar lições!...
José
d’Encarnação
Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 742, 15-11-2018, p. 11.
Post-scriptum: Ternura? Que ternura? Ora veja-se o que se escreveu a esse propósito:
«A copulação ocorre quando os dois indivíduos se põem um de
frente para o outro. A copulação pode ser precedida por determinados
comportamentos do macho, como golpear com as antenas, correr ao longo do dorso
das fêmeas, oferecer secreções glandulares comestíveis, ou, no caso dos
Oniscomorpha, a estridulação (som áspero e
agudo)».
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