quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Pavana para uma rotunda!

              No passatempo «Patrimoniices cascalenses» 40, apresentei, a 30 de Dezembro, a fotografia de um pequeno trecho da rotunda que assinala o entroncamento da Av. Raul Solnado (2ª circular) com a Rua de Santana, em Cascais, a fim de testar a atenção dos amigos cascalenses: se saberiam onde é que ‘aquilo’ ficava.
            Coincidiu tal inserção com a polémica em torno do conjunto escultórico A Linha do Mar, de Pedro Cabrita Reis, recém-inaugurado junto ao Farol da Boa Nova, em Leça da Palmeira, Póvoa de Varzim, em que, por sinal, também havia uma sequência de pilares prismáticos.
A Linha do Mar, de Pedro Cabrita Reis, na Póvoa de Varzim
            Não vou discutir se foi útil para a circulação em Cascais Ocidental o prolongamento (previsto há décadas, diga-se!) da 2ª circular até aí e o novo fluxo rodoviário que gerou. Recorde-se que há nessa área a esquadra da PSP, as instalações da Polícia Municipal e o Hospital da CUF. Tenho a minha opinião como morador na zona oriental do Bairro da Pampilheira; mas respeito opiniões diversas da minha.
            Há dois aspectos, porém, que gostava de focar: 1º) a autoria; 2º) a estética.

1) Autoria
            Houve, entre os comentários, quem se interrogasse sobre o custo que a obra teve, acrescentando-se, como sempre, que tal custo (exorbitante, decerto!) recairia sobre o bolso dos munícipes.
            Nesse âmbito, tenho uma opinião formada. Há, na Câmara, o Departamento de Inovação e Comunicação, de que uma das competências é «promover a utilização de tecnologias de informação e comunicação que facilitem a ligação entre os Munícipes e o Município». Quiçá não teria sido difícil, no momento em que a rotunda ficou operacional, fazer brevíssimo comunicado a informar, por exemplo, que foi o gabinete X do Departamento Y que gizou o desenho dessa placa. Essa é a minha suposição. Parto do princípio de que o projecto é camarário, tem um autor, nada custou de mais ao Município, porque elaborado no quadro das habituais actividades para que esse gabinete é solicitado.

2) Estética
            Eu não desgosto da decoração nem – muito menos! – do facto de se haverem aproveitado materiais autóctones, vegetação indígena e de, inclusive, se ter feito um atalho (como alguém comentou) como que para ir até aos dois pedregulhos. «Pedregulhos» é termo com ar depreciativo; «penedos» também não são; «pedras», sim, em estado bruto. Uma alusão ao azulino de Cascais e ao trabalho da pedra, que, até aos anos 70, tanta riqueza trouxe para o concelho? Eu iria por aí. Mas, claro, gostava de saber a opinião do artista, até porque continuamos a interrogar-nos acerca do significado das pedras plantadas em rotundas, aqui e além, ao tempo do presidente Judas, sem que – também nessa altura – nenhuma explicação estética nos tivesse sido dada.
A rotunda no final da Av. Raul Solnado (2ª circular).
            Uma das minhas amigas que comentou escreveu: «Não sei onde está, mas que é dum mau gosto, já habitual, lá isso é!». Referia-se, decerto, a essoutras ‘ornamentações’ de rotundas. Faltou aqui, portanto, como previamente faltou na Póvoa de Varzim, uma explicação. Aquela sequência de pilares frente ao mar na Póvoa… que é que o arquitecto quis dizer com aquilo? E porque é que não explicou? No caso de Cascais, uma nota para a imprensa poderia ter sido útil também. É o que eu penso.

                                                           José d’Encarnação


     Publicado em Costa do Sol Jornal [Cascais] nº 315, 29-01-2020, p. 6.




sábado, 25 de janeiro de 2020

As penhas do Marmeleiro


Patrimoniices cascalenses 41
               Ora vamos lá a dar a conhecer o que, de resto, Hélder Cruz logo desvendou, o malandro: o que mostrei era, como se vê pela imagem, parte da torre do forte (tens razão, Neyde Theml, é mesmo um forte em miniatura!) que existe nas Penhas do Marmeleiro, um parque que se situa a nascente de Murches, sobre as íngremes encostas que ladeiam o Rio Marmeleiro lá ao fundo. Um panorama deslumbrante, que surpreende, porque muita gente está longe de pensar que tal possa existir na comummente urbana e cosmopolita Cascais. Aqui estamos em plena comunhão com o que de melhor a Natureza nos pode oferecer! É mesmo!
            Pouco tempo depois da inauguração, foi tudo incendiado por energúmenos (os painéis do stand interpretativo não voltaram a ser repostos…); mas felizmente que ora tudo está, de novo, reconstruído, para gáudio da criançada. Ali de pode brincar à vontade, perante o olhar atento dos adultos, que têm bancos para se sentarem, enquanto os putos reinam aos cowboys!...
            Gáudio da criançada, escrevi; mas dos adultos também, porque, como escreveu Teresa Losada, é sítio bom – eu diria «óptimo!» – para caminhadas. Junto uma foto que prova isso mesmo, atendendo ao soberbo que dali se avista quer para norte (a Serra de Sintra em todo o seu esplendor!) quer para sul com o Tejo e o oceano além. Estava-se, na altura, no rescaldo do incêndio que devorara o mato, mas agora tudo está verdejante como convém!
            E mais não escrevo, porque há página no facebook («Penhas do Marmeleiro - um paraíso em Cascais!») e eu tive oportunidade, em 2011, de fazer um texto sobre o sítio, para o qual tomo a liberdade de remeter: https://notascomentarios.blogspot.com/2011/06/penhas-do-marmeleiro-um-sitio-de.html
            No desejo de rapidamente o leitor não hesite e dê até lá uma saltada. Vale mesmo a pena, acredite! Vale mesmo!

                                                                        José d’Encarnação

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Preservar a memória são-brasense

               Abriu, a 1 de Junho de 2018, no 1.º andar do edifício da Câmara Municipal, o Espaço Memória do Município, com uma súmula de informação e algumas das relíquias são-brasenses.
            Como, em devido tempo, a Dra. Marlene Guerreiro, mui digna vice-presidente da Câmara, teve a gentileza de me comunicar, o «projeto de criação de um Arquivo Municipal é um sonho antigo que temos, foi inclusivamente adquirido um espaço para tal».
            «No entanto», acrescentou, «não houve ainda oportunidade para a execução deste projeto, dado tratar-se de um grande investimento, com a complexidade inerente à especificidade da sua natureza e dos seus objetivos, nomeadamente ao nível de recursos humanos específicos que também são uma grande carência que temos, e dado que para esta área não tem havido possibilidade de obtenção de financiamentos e infelizmente o município tem parcas receitas próprias».
            Agradeci-lhe, na devida altura, esta preciosa informação, que veio na sequência de, a 3 de Março de 2019, eu ter proposto a entrega ao Município do espólio do ilustre são-brasense, Coronel Piloto Aviador Victor Brito. Tratava-se, a meu ver, de mui significativo conjunto de troféus que ele, seus filhos e pilotos profissionais por ele formados na Escola de Aviação Aerocondor, que fundara, haviam recebido ao longo das suas carreiras.
            Não recebi, porém, nenhuma resposta oficial nem cheguei a saber se o assunto acabara, ou não, por ser presente a reunião do Executivo são-brasense.
            Optou-se, por isso, por ceder tal espólio ao Arquivo Municipal de Cascais, que mui prontamente o acolheu.
            O meu voto, portanto, neste dealbar de 2020: que, no decorrer deste ano e para que novos casos semelhantes não voltem a acontecer, o Município logre obter das instâncias superiores os necessários meios para obstar às dificuldades tão eloquentemente enunciadas pela nossa mui prezada vice-presidente. Para mais eficazmente se preservar a memória são-brasense!

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Noticias de S. Braz [S. Brás de Alportel] nº 278, 20-01-2020, p. 13.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

O Natal que tem de ser

              Chegou-me às mãos o livro, de António Salvado, Poemas de Natal, edição do Instituto Politécnico de Castelo Branco (ISBN: 978-989-8196-95-8). E a primeira ideia que me ocorreu foi essa: o Natal que tem que ser.
            Tem que ser para quem, como António Salvado, vive os dias do ano sensível ao calendário. Não tanto o calendário de domingo a segunda, de 1 a 30 ou 31, mas o calendário das festas, das estações (quando elas ainda se distinguiam…), o calendário do Povo. E o Natal é – queira-se ou não – a festa por excelência e poeta que se preze forçosamente se deixa inebriar pelo halo de poesia que essa história dimana. E canta-a nos seus versos. Tem que ser.
            Tem que ser também, porque o Poeta é alguém que sente a necessidade de transmitir mensagem, de contar o que lhe vai na alma, de envolver os demais na Beleza que ele próprio hauriu. E o Menino depositado numa manjedoura transmite sentimentos impossíveis de guardar. Há que irradiá-los, qual flor de pétalas a abrir para delas se desprender perfume…
            Há um ciclo anual, datado; contudo, quiçá sem intenção, não consta na ficha técnica uma data explícita. Aliás, explicita o Autor na página 7, que, dos poemas aqui reunidos, alguns já figuram em livros, «outros em periódicos, e um ou outro inéditos». Como historiador, sensível portanto ao momento, fui à procura de datas. Não há. Como não havia na ficha técnica. Que a Poesia, senhores, quer-se eterna, não é de hoje nem de amanhã, é de sempre!... Neste caso, numa transposição legítima, a sugerir o desejo: um Natal de sempre, na profundidade da sua mensagem.
            22 poemas. A começar pela Anunciação e a terminar na Mensagem. Significativamente, a Anunciação foi Mensagem de um voto concretizado e a Mensagem da página 30 é anunciação de um voto acalentado e que muito se desejaria ver concretizado, porque… «O Mundo é redondo e cabe num abraço apertado!».
            Não ouso, porém, deixar passar em branco o que o Poeta põe na boca do Arcanjo Gabriel. Os Evangelhos são de poucas palavras; António Salvado achou que não, que o Arcanjo teve de dizer muito mais, perante a senhora de espanto em sua face meiga. E alongou-se nas explicações, aureolando-as do tom mavioso que importava ter: «Serás a nobre filha de teu filho»!
            E apoiamos docemente as invocadas razões:
            «Porque era tempo que a bondade fosse,
            porque era tempo que reinasse a paz,
            porque era tempo que o amor surgisse» (p. 9).
            Celebram-se depois o musgo, os sinos, a manjedoira, os pastores, a estrela…
            E se o pensamento correu, em dado momento, para os sem-abrigo ou para os «desgraçados de Pedrógão Grande», compreende-se bem porquê. Aqueles, «deitados em folhas soltas de jornal e tendo como tecto a luz do céu» (p. 27); estes, atormentados «com silêncios de mortos corroídos», sonham em fazer o Menino renascer «na manjedoura que também ardeu» (p. 26).
            Por isso atrás se falava de um Natal de sempre. Um Natal, «ternura dum breve instante / que o próprio instante desterra, / morta no facto constante / de tanta   de tanta guerra» (p. 28). A guerra!...
            Desengane-se, pois, quem, ao ler na capa «Poemas de Natal», tenha displicente olhar de soslaio, pressentindo – e, quiçá, menosprezando… – um rol de lugares-comuns.
            Fez bem António Salvado em propor uma edição conjunta do que, ao longo dos anos, foi escrevendo (não nos diz quando nem onde), dando forma ao que no âmago sentia.
            Fez bem.
            Essoutro, o seu, é o Natal que muitos de nós preconizamos. Não o de quem demanda voz amiga que ajude a vencer a mágoa do percurso (p. 25), mas essa voz viva, qual labareda a crescer ao infinito, com gestos de amor a surdir em nossas mãos (p. 17).

                                                           José d’Encarnação

Publicado no jornal Reconquista (Castelo Branco) nº 3852, 9 de Janeiro de 2020, p. 31.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

O candeio num Natal Verde!

             «Como estão as oliveiras de candeio?» – é uma das perguntas da banda Rio Grande, no tema «Postal dos Correios». Penso ser possível que muita gente, inclusive sabendo de cor o poema (deveras sugestivo, diga-se), não haja atentado verdadeiramente no significado da pergunta. Que é o candeio? A palavra, bem conhecida dos agricultores, designa aqueles raminhos que anunciam, na oliveira, a floração. E é daí que ‘saem’ as azeitonas.
            Ocorreu-me esta passagem da canção, ao ver a capa do livro «Natal Verde», que reúne os 30 postais natalícios que, entre 1990 e 2019, Jorge Paiva enviou pelo correio, em remessas da ordem dos 3000, para amigos e correspondentes em mais de uma dúzia de países. Aí se apresenta o autor a minuciosamente observar um candeio, como que a perscrutar a sua saúde e a sonhar, quiçá, com o que dali virá a sair, se um cacho de azeitonas bem formadas, sem as máculas que as impurezas do ar lhe poderão inocular…
            Congratulo-me vivamente com a edição a que, em muito boa hora lançaram mão a Imprensa da Universidade de Coimbra, em estreita colaboração com o Exploratório Ciência Viva de Coimbra e a Ordem dos Biólogos.
            Não há no livro apenas a reprodução desses sugestivos postais – a que, aliás, nos temos referido aqui – mas, e não é de menos importante leitura, a entrevista com o biólogo inserta no final. Tem título que é grito de alerta: «Não vamos conseguir sobreviver na terra sem a floresta». As florestas, explica, «são os ecossistemas de elevada biodiversidade, onde estão as maiores fábricas de oxigénio e onde estão os maiores e mais eficazes despoluidores». E o grave é que «a gaiola onde estamos metidos, que é a Terra, só tem 20 % da floresta que já teve». O aquecimento global não resulta apenas da poluição industrial e dos automóveis, mas da crescente falta desses indispensáveis despoluidores.
            Ouvia eu, em pequenino, que o mundo iria acabar várias vezes: uma, com a água, o dilúvio universal, narrado na Bíblia, confirmado noutras teogonias e até por testemunhos arqueológicos; a segunda, pelo fogo. E, quando vemos o que acontece na Austrália e na Califórnia; quando ouvimos Jorge Paiva falar em piroverões (verões escaldantes…), há-de reflectir-se que estamos, na verdade, a correr mui sério risco de essa profecia se concretizar. Se a espécie humana se poderá extinguir como outras espécies? Sim, Jorge Paiva tem a certeza que sim.

                                                                                  José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 769, 2020-01-15, p. 11.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Património de Oeiras em recuperação

              Perdoar-se-me-á se ouso referir-me a Oeiras, quando o naipe de colunistas deste número são convidados a tratar, de preferência, temas cascalenses. È que não posso deixar de me regozijar com o que li em Oeiras Atual, boletim municipal nº 253 (Set/Out), acompanhado de eloquente edição especial – e não queria adiar mais a referência.
            Logo na 1ª página, a mais de metade, a grande panorâmica sobre todo um espaço verde, a contrastar com o que é mais habitual apresentar de Oeiras, os contínuos aglomerados prediais sempre a crescer, os ninhos de empresas quais cogumelos... Não. Ali é um enorme espaço verde. E, em caixa, ao alto, a remeter para a p. 7: CONSEGUIMOS / VAMOS RECUPERAR / PATRIMÓNIO NACIONAL / Casa da Pesca · Cascatas · Pombal · Casa do Bicho da Seda.
            Na pág. 3, o editorial, assinado por Isaltino Morais, tem como título «Património: o dever de não esquecer o nosso legado». Em realce a assinatura do auto de cedência ao Município, por 44 anos, da utilização de parte da antiga Estação Agronómica Nacional, onde há a perspectiva de investir oito milhões de euros na recuperação do conjunto monumental em que se inclui a Casa da Pesca.
            De outro protocolo se fala, assinado com o Ministério da Defesa, tendo em vista «a manutenção e dinamização, para fruição pública, do Forte do Areeiro, onde será instalado, em breve, o Centro de Interpretação da Linha de Fortes da Defesa da Barra».
            Também a igreja e o convento da Cartuxa fazem parte dos projectos camarários, assim como a intenção de «devolver o mar e o rio aos oeirenses».
            Esta motivação política de uma cidade ou vila junto ao mar ou a um rio deles vir a usufruir e não a ser deles separada tem sido adoptada um pouco por toda a parte em Portugal, e a criação do chamado «paredão» em Cascais é disso um bom exemplo. Lisboa, mormente depois da Expo 98, compreendeu-o cabalmente e iniciou, no seu trecho poente, todo um conjunto de arranjos urbanísticos que permitiram à população e aos visitantes essa comunhão com o Tejo que, até há bem poucos anos, só era possível numa nesga estreita, em frente ao Terreiro do Paço.
             Congratulamo-nos.
            Em Cascais, o passeio pela orla marítima desde a vila até ao Guindo, hoje, assaz concorrido, oferece espraiar de vistas pelo Oceano além.
            Voltando a Oeiras, que foi – importa dizê-lo – o arrabalde de quintas mais próximo da capital e onde se ergueram palácios ligados à realeza, gostaríamos também de ter visto integrada nos planos camarários a Quinta Real de Caxias, sobre que, aliás, a própria Câmara publicou, em Setembro de 2009, magnífico volume com o subtítulo «História, Conservação, Restauro». Aí se dá miúda conta não apenas da sua história mas também do ingente trabalho de recuperação (da cascata, de estruturas, do sistema hidráulico, das esculturas…) ali levado a efeito, ao longo de 20 meses, por mui laboriosa equipa chefiada por Carlos Beloto. Para apoio a essa actividade se chegou a constituir a Associação de Defesa, Recuperação e Estudo do Património de Caxias, apresentada a 30 de Novembro de 2016, no Palácio Flor da Murta, em Paço de Arcos. Faltaram-lhe, porém, os meios prometidos para levar a cabo os seus objectivos e também se verificou menor interesse pela Quinta, de forma que Carlos Beloto apresentou, a 2 de Janeiro de 2019, circunstanciado relatório da actividade desenvolvida e saiu. Ao que parece, a Quinta Real não tem agora quem a cuide.

                                                                       José d’Encarnação

Publicado em Costa do Sol Jornal (Cascais), nº 311, 2020-01-15, p. 6.

sábado, 4 de janeiro de 2020

Um ninho à minha porta!


Periquito junto ao Ribeiro do Cobre
Vivo num bairro periférico de Cascais. Ainda temos pinheiros mansos e bravos por perto; os leitos dos dois ribeiros que o limitam a nascente e a poente estão arborizados e constituem, por isso, nichos ecológicos para uma boa porção de aves. Há dias, vi por lá, quase a desafiar-me com os seus gorjeios, o casal de uma espécie de periquitos, tropical; e voltei a admirar, quase ao lusco-fusco, o voltear rápido de um pequeno bando de morcegos. Encantou-me ver o ninho de carriça à minha porta, no refego da varanda; os dois de melros no ficus frondoso e um de felosa preta (creio) na romãzeira. Rejubilo ao acordar com o assobio dos melros e o arrufo das rolas. Estranho quando, à hora do almoço, não vejo aparecer o pardal e o fuinho a debicarem no pitósporo e na buganvília. Hoje, o Pedro, o jardineiro, fez questão em deixar bem aconchegadas as folhas da iuca «para que haja ali ninhos»…
Rolieiro-de-peito-lilás (foto de J. Paiva)
            E chegou-me o cartão de boas festas do Professor Jorge Paiva. O 30º. A lançar a dúvida: «Não sei se continuarei». Aliás, continua, «Já deixei de escrever sobnre problemas ambientais, pois os leitores que me interessava que os lessem não o fazem (governantes, deputados, políticos e juventude)». Estas frases vêm numa folhita solta. O texto fundamental, a mensagem de Natal, tem por título «A inversão das biodiversidades; urbana e rural». Por isso, eu comecei como comecei esta crónica. É que o Professor Jorge Paiva aí explica tintim por tintim o que está a acontecer. Porque é que, por exemplo, eu vi raposas a passearem-se tranquilamente num dos jardins urbanos de Londres e, a 8 de Janeiro de 2018, ele próprio viu uma fêmea de javali a passear-se, manhã cedo, na rua onde mora em Coimbra.
            Muito simples: «A agricultura intensiva implicou o derrube de grande número de árvores e a poluição química dos campos, o que provocou uma diminuição drástica do número de insectos, vermes, pequenos mamíferos e respectivos predadores. Assim, muitos animais procuraram refúgio e alimentação nos espaços verdes urbanos».
            Eu estava encantado com a convivência que tinha com as aves. Continuarei encantado; mas vou começar a explicar tudo melhor aos meus vizinhos e amigos.

                                                           José d’Encarnação

Publicado em Renascimento (Mangualde), nº 768, 2020-01-01, p. 12.
Esquilo, na cidade de Londres, abocanhando o petisco que da janela lhe foi dado.