quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

O Natal que tem de ser

              Chegou-me às mãos o livro, de António Salvado, Poemas de Natal, edição do Instituto Politécnico de Castelo Branco (ISBN: 978-989-8196-95-8). E a primeira ideia que me ocorreu foi essa: o Natal que tem que ser.
            Tem que ser para quem, como António Salvado, vive os dias do ano sensível ao calendário. Não tanto o calendário de domingo a segunda, de 1 a 30 ou 31, mas o calendário das festas, das estações (quando elas ainda se distinguiam…), o calendário do Povo. E o Natal é – queira-se ou não – a festa por excelência e poeta que se preze forçosamente se deixa inebriar pelo halo de poesia que essa história dimana. E canta-a nos seus versos. Tem que ser.
            Tem que ser também, porque o Poeta é alguém que sente a necessidade de transmitir mensagem, de contar o que lhe vai na alma, de envolver os demais na Beleza que ele próprio hauriu. E o Menino depositado numa manjedoura transmite sentimentos impossíveis de guardar. Há que irradiá-los, qual flor de pétalas a abrir para delas se desprender perfume…
            Há um ciclo anual, datado; contudo, quiçá sem intenção, não consta na ficha técnica uma data explícita. Aliás, explicita o Autor na página 7, que, dos poemas aqui reunidos, alguns já figuram em livros, «outros em periódicos, e um ou outro inéditos». Como historiador, sensível portanto ao momento, fui à procura de datas. Não há. Como não havia na ficha técnica. Que a Poesia, senhores, quer-se eterna, não é de hoje nem de amanhã, é de sempre!... Neste caso, numa transposição legítima, a sugerir o desejo: um Natal de sempre, na profundidade da sua mensagem.
            22 poemas. A começar pela Anunciação e a terminar na Mensagem. Significativamente, a Anunciação foi Mensagem de um voto concretizado e a Mensagem da página 30 é anunciação de um voto acalentado e que muito se desejaria ver concretizado, porque… «O Mundo é redondo e cabe num abraço apertado!».
            Não ouso, porém, deixar passar em branco o que o Poeta põe na boca do Arcanjo Gabriel. Os Evangelhos são de poucas palavras; António Salvado achou que não, que o Arcanjo teve de dizer muito mais, perante a senhora de espanto em sua face meiga. E alongou-se nas explicações, aureolando-as do tom mavioso que importava ter: «Serás a nobre filha de teu filho»!
            E apoiamos docemente as invocadas razões:
            «Porque era tempo que a bondade fosse,
            porque era tempo que reinasse a paz,
            porque era tempo que o amor surgisse» (p. 9).
            Celebram-se depois o musgo, os sinos, a manjedoira, os pastores, a estrela…
            E se o pensamento correu, em dado momento, para os sem-abrigo ou para os «desgraçados de Pedrógão Grande», compreende-se bem porquê. Aqueles, «deitados em folhas soltas de jornal e tendo como tecto a luz do céu» (p. 27); estes, atormentados «com silêncios de mortos corroídos», sonham em fazer o Menino renascer «na manjedoura que também ardeu» (p. 26).
            Por isso atrás se falava de um Natal de sempre. Um Natal, «ternura dum breve instante / que o próprio instante desterra, / morta no facto constante / de tanta   de tanta guerra» (p. 28). A guerra!...
            Desengane-se, pois, quem, ao ler na capa «Poemas de Natal», tenha displicente olhar de soslaio, pressentindo – e, quiçá, menosprezando… – um rol de lugares-comuns.
            Fez bem António Salvado em propor uma edição conjunta do que, ao longo dos anos, foi escrevendo (não nos diz quando nem onde), dando forma ao que no âmago sentia.
            Fez bem.
            Essoutro, o seu, é o Natal que muitos de nós preconizamos. Não o de quem demanda voz amiga que ajude a vencer a mágoa do percurso (p. 25), mas essa voz viva, qual labareda a crescer ao infinito, com gestos de amor a surdir em nossas mãos (p. 17).

                                                           José d’Encarnação

Publicado no jornal Reconquista (Castelo Branco) nº 3852, 9 de Janeiro de 2020, p. 31.

3 comentários:

  1. Lindo, amigo! Nao se esperaria outra coisa. Adorei e so hoje é que vi.Grande e saudoso abraço. M. A.

    ResponderEliminar
  2. Parabéns pelo texto de recensão a Poemas de Natal e pela homenagem, implícita e justíssima, a um Poeta maior, prolífico e amante das tradições: António Salvado. Bem haja José D´Encarnação.

    ResponderEliminar
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar